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sábado, 22 de outubro de 2005

Nagib Jorge Neto: Cordeiros e lobos (Nilto Maciel)



Inicia Ivan Cavalcante Proença o ensaio “O Verão (e não a seca) Voltará” assim: “As Três Princesas Perderam o Encanto na Boca da Noite", estória-título, é cordel, variante em prosa, lembrando conto. Mas cordel. Em todas as suas constantes e na estrutura que o sustenta”. Referia-se ao segundo livro de Nagib Jorge Neto. O terceiro, de título mais fabuloso que cordelesco, é O Cordeiro Zomba do Lobo. Apenas o título, porque a maioria dos contos é mais cordel do que fábula, apesar de existirem semelhanças entre certo tipo de literatura popular nordestina e o fabulário em geral. Como a maioria dos escritores, certamente Nagib quis dar ao livro um título pomposo, desses de chamar a atenção do leitor, não se preocupando tanto com a identidade do título com a narrativa.

Já Ariano Suassuna havia encontrado no maravilhoso conto “O Sinal Misterioso”, do primeiro livro, “uma espécie de ‘folheto às avessas’’’. Quase todos os contos trazem a marca da poesia popular nordestina. Assim, “A Fumaça dos Combates” lembra folhetos de bravura, enquanto "Um Anjo Desnuda Margarida” e “Adeus, Rosa, Até Um Dia” têm raízes nos folhetos de safadeza. “Os Elefantes Cor-de-Rosa” e “A Queima dos Lenços Vermelhos” têm muito dos folhetos de política ou de época.

Outros contos, porém, fogem tanto da fábula como do cordel, aproximando-se do realismo-mágico hispano-americano. Vejam-se “A Segunda Morte do Padrasto”, “Uma Certa Mancha de Sangue” e “Rita Vai, Rita Vem”.

Nessa mistura de estilos, Nagib Jorge Neto acaba alcançando o espaço da lenda, da história de trancoso e do conto popular, em que aparecem, como personagens, reis, princesas, súditos, arqueiros, escudeiros. E vai beirar o armorial de Suassuna e o folclórico, o mágico e o maravilhoso de Hermilo Borba Filho, como no conto “O Exílio do Rei”, sem, no entanto, deixar de ser cordelesco.

Embora o erótico seja um elemento de larga presença na obra de Nagib, alcançando a plenitude em “A Violação Inútil”, incluído no segundo livro e indispensável numa antologia do conto erótico, a bravura, uma constante na literatura de cordel, é quase que o elemento preponderante. Nada, ainda assim, de cangaceiros e valentões do sertão. São lobos e cordeiros em luta, guerreiros, revolucionários, patriarcas, cavaleiros e outros tipos do romanceiro popular do Nordeste.

Com O Cordeiro Zomba do Lobo, Nagib Jorge Neto assegura seu lugar entre os poucos contistas brasileiros voltados para a feitura de uma literatura perene, longe das repetições e dos modismos.

O Presidente de Esporas é anterior à “prosa ritmada” e ao “mundo maravilhoso” de As Três Princesas Perderam o Encanto na Boca da Noite. Os contos (Nagib denomina sempre de contos as suas histórias) “As três princesas perderam o encanto na boca da noite” e “O erro de Deus e as pragas do Diabo” têm idêntica construção à de “O sinal misterioso”, embora o segundo verse problemática mais epopéica.

A literatura de Nagib tem raízes em Homero, na Bíblia, no trovadorismo, no romance de cavalaria. “A espada do anjo Gabriel” faz lembrar aquele povo bíblico, ainda sem “Deus”, às vésperas de Cristo ou, antes, de Moisés, que imporia suas leis misteriosas e jamais imaginadas pelo homem saído das cavernas.
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