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sexta-feira, 29 de setembro de 2006

A Babel de Nilto Maciel (Maria José de Souza)



O livro de contos de Nilto Maciel recebeu acertadamente o nome Babel: uma miscelânea de linguagens, personagens e focos narrativos, numa seqüência de 31 contos, a maioria de um realismo fantástico notório.

Editado pela Editora Códice em 1997, Babel oferece 120 páginas de leitura vertiginosa. A cadência dos contos, assim como a diversidade de temas, levam o leitor num redemoinho de idéias e imagens.

Há contos como, por exemplo, "Avisserger Megatnoc", subdividido em intertítulos numerados em ordem decrescente que dão um ritmo próprio à leitura. O leitor vai lendo como se estivesse sem fôlego, caminhando para o inexorável fim. Lido ao contrário, o titulo "Contagem regressiva” dá a idéia exata de como o autor é experimentado, podendo fazer brincadeiras com as palavras sem cair nas associações óbvias. A ausência de muitas vírgulas, como no item 6 do conto: "Já pulavam dançavam gritavam cantavam e a banda estridava...", e o uso de palavras com repetição de fonemas e sons, como no item 5: "Corra só corra José socorra José direto sem curvas para o baile de máscaras corra corra...", faz pensar em pulsação, urgência.

Assim como a Babel bíblica, a de Nilto Maciel é também uma confusão, no sentido de profusão de idéias. Confuso, fica o leitor que, muitas vezes, interrompe abruptamente a leitura, volta ao início para encontrar o "fio da meada". Ele fica perdido em alguma frase solta, aparentemente desprovida de sentido. Mas basta uma segunda leitura, desta vez mais calma, e começa-se a perceber a intenção do autor. Ele não parece inclinado a ser linear, de forma a se tornar facilmente entendido desde o primeiro olhar. Ao contrário, Nilto Maciel tece uma teia, envolve o leitor e o desafia a decifrar o texto.

Como o próprio autor admite no início do livro, os contos reunidos em Babel foram escritos entre 1975 e 1976 e foram reescritos dez anos depois. Muitos de seus contos dessa época foram jogados fora. Ele compara os que sobraram — e que estão em Babel — a um filho por muito tempo rejeitado por ser imperfeito, mas que em 1997 ganhou permissão para sair à rua e ganhar o povo.

Não são poucos os críticos literários a elogiarem a maestria de Nilto Maciel. Nas orelhas de Babel há nada menos que dez nomes a relatarem suas impressões sobre a obra desse cearense de Baturité. É fácil concordar com eles após a leitura de um dos livros de Nilto Maciel, em especial com Celestino Sachet, que afirma: "... parece proclamar tímida desconfiança na força da literatura ficcional que vem produzindo...". É que Nilto Maciel, no início de Babel, por exemplo, quase pede desculpas pelos contos que apresenta ao público.

Talvez por isso o autor consiga provocar reações diferentes e até conflitantes num mesmo leitor ou a cada conto. No texto "Quem tiver ouvidos, ouça", em que descreve simbolicamente o julgamento dos lobos, passando pela lenda de Rômulo e Remo — os meninos alimentados por uma loba e que foram os fundadores de Roma — Nilto Maciel parece irônico, cômico, trágico, descrente da Justiça e dos homens e até ecologicamente correto, se o leitor quiser ir mais longe em sua análise.

Os contos de Babel contam histórias fantásticas de gente comum, com seus problemas cotidianos e pequenas loucuras diante de determinadas situações. É como se esses personagens “saíssem do ar" de vez em quando, exatamente como a maioria das pessoas faz, para manter a lucidez.

Mas atenção: o leitor acostumado ao "preto no branco", certamente vai encarar Babel como algo de difícil compreensão. Provavelmente vai classificar o autor como "alguém que pode se dar o luxo de ser tão heterodoxo por já ser consagrado". Para entender Babel é preciso se deixar levar pela narrativa envolvente, às vezes caótica. Nas entrelinhas é que está toda a graça de cada conto.

E cada conto tem sua história. As histórias são de revolta, morte, sexo, amor, nascimento, cães, desmatamento, noite, dia, gente, sonhos.

O livro desperta a curiosidade, mostra a crueza do mundo e deixa antever a alma de alguém inconformado, alguém que espera mais do planeta em que vive e de seus semelhantes.

A capa, relativamente simples, é uma figura do livro "Elementos de História da Arte", editado em Lisboa, Portugal. O nome é "Aspecto de Babylônia". No centro da figura está o que parece ser uma torre da Babel, apontada para o céu. Ao que parece, já na capa, Babel "diz" ao leitor que por ali começa uma aventura: encontrar o rumo e chegar à essência do autor.

(Resenha bibliográfica apresentada ao professor Aníbal Albuquerque como trabalho para a disciplina Metodologia e Técnicas de Comunicação Científica do curso de Pós-graduação em Língua Portuguesa, da UEMG/FEPESMIG, Varginha, Minas Gerais, 1999, publicada na revista Literatura nº 22, Brasília, 1º sem/2002)
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