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quarta-feira, 27 de setembro de 2006

Os monstrinhos de doze anos (Nilto Maciel)

(Caos, desenho de Daiane Oliveira)


O lixo inundava as ruas. Um e outro transeunte ia e vinha, passo lento, olhos enfiados nas vitrines. Nos estádios, porém, não cabia sequer mais um espectador. Repletos também os bares. Falava-se de tudo, menos da fumaça que empestou o ar na parte da manhã. Mais cedo ainda, uma pequena explosão, lamentada pelas autoridades, matou alguns operários desclassificados que transitavam pelas proximidades da fábrica. Durante todo o dia a polícia esteve de prontidão nas ruas. À noite, ao ranger das camas e ao gemer dos casais, a catástrofe do começo do dia virou pura invenção de bolchevistas.

Duzentos e poucos dias depois nasceu Amando, filho de um dos muitos ordeiros patriotas que no dia da explosão não viu a pretensa tragédia, nem dela ouviu falar e muito menos se ocupou da tão deslavada peta dos derrotistas. Apenas fez questão de pagar uma garrafa de cachaça para uns desconhecidos que chegaram com violão ao Bar Nabé naquele primeiro de maio de muita bebedeira, futebol e cama.

Nos dias de folga, o pai de Amando se metia nos bares e bastava ouvir samba e violão para cair num choro de corno manso. Dava até o último centavo ao cantor ou tocador. Terminavam abraçados, feito velhos amigos.

Por essa mesma época nasceram outras criaturinhas defeituosas, semelhantes a pequenos monstros. Uma verdadeira peste o aparecimento daqueles minúsculos bichinhos. Médicos não relutaram em dar cabo de alguns. As próprias enfermeiras se recusaram a pegar nos “porquinhos”. Alguns pais concordaram desde logo com as explicações científicas dadas pelos obstetras. Assim mesmo, escapou da fúria mais de uma centena desses bebês.

Como se desenvolveram, ninguém sabe. Para os especialistas, eles não resistiriam um dia. No entanto, muitos passaram de uma semana, outros viveram meses, e poucos, alguns anos.

Os que chegaram à idade trágica dos doze anos, tinha-se certeza, não morreriam mais de incapacidade de viver. Viveriam como qualquer ser humano. Talvez cinqüenta anos. Em compensação, seriam um tormento social por ocasião do décimo-segundo aniversário da primeira explosão. Estádios e bares repletos de homens magros e pálidos, ruas sujas e quietas.

Primeiro os monstrinhos de doze anos, comandados por Amando, se armaram de archotes e bombas caseiras e incendiaram a mansão do Dr. Negawsklov, Presidente da Usina Nuclear de Schoonenborch. À chegada dos soldados, nada mais restava do imenso casarão. E os curiosos que admiravam a fogueira nem tiveram tempo de fugir.

Os monstrinhos de lá partiram para a própria Usina, onde morreram carbonizados, vítimas de sua monstruosidade sanguinária. O incêndio se alastrou por toda a área circunvizinha num diâmetro aproximado de mil quilômetros, causando a morte de milhares de pessoas.
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