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domingo, 22 de julho de 2007

Uma mulher, infinitas escolhas (Belvedere Bruno)


Zenaide, com oito meses, a barriga pesando, aguardava a presença de Carlinhos, para que ele, enfim, dissesse se registraria a criança.

Carlinhos era mulherengo. Acomodara-se a uma vida descompromissada. Aos 45 anos, ainda estava na casa da mãe, com a desculpa de cuidar dela. Pura questão de economia. O que Carlinhos queria era que sobrasse dinheiro para suas noitadas, que incluíam carteado, bebidas e mulheres. 

No morro, a briga entre facções do tráfico se agravava a cada dia. Zenaide receava sentir as contrações do parto quando a luta tornasse os dias mais difíceis, com ordens vindas das chefias, muitas vezes impedindo o ir e vir dos moradores. Eis que, numa tarde de domingo, hora de almoço, surgiu Carlinhos, com sua usual camisa estampada e bermudão de duas cores. Trazia duas latinhas de cerveja. Sentou-se numa cadeira da sala e ligou o rádio no jogo de futebol para acompanhar a transmissão . Era vascaíno doente, e seu time disputava final de um campeonato.

– E então, vai registrar ou não? – perguntou Zenaide.

– Olha aqui, Zenaide, nem sei se o filho é mesmo meu, pô! e num tô a fim de ouvir reclamação tua. Tu transou com outros antes!

Zenaide não resistiu à provocação e avançou contra ele.

– Filho da puta!

A gritaria chamou a atenção e chegou um grupo.

– Gente, caba cum isso. Cramulhão tá puto.

Carlinhos começou a dormir na casa de Zenaide em dias intercalados, pois não podia deixar a mãe sozinha. Dizia que era questão de compromisso.

Exatamente quinze dias depois, estavam juntos, quando Zenaide começou a sentir que a hora da criança nascer estava chegando. Já tivera três partos, sempre doando as crianças logo que nasciam.

No morro, o clima era de guerra. Cramulhão contra Sete Bocas. Os tiros se entrecruzavam nas subidas e descidas, entravam pelos botecos, pelas casas, e Zenaide a sentir as dores aumentando. Como sair do morro em meio àquele caos? Teve, então, uma idéia. – Carlinhos, Dona Iracema, a mulher do Pastor é parteira. Já fez dois partos meus. Vai lá e chama ela.

– Sabia que sobrava pra mim... O tiro tá comendo geral. E se algum me pega? Você gosta é de se aproveitá de mim...

Fugindo dos tiros, ele trouxe Dona Iracema e o marido, o Pastor. Dona Iracema entrou no barraco e enquanto ela fazia o parto, do lado de fora do barraco Carlinhos ouvia o Pastor com suas rezas, para que tudo saísse bem. Em alguns minutos Zenaide deu à luz uma menina. O pastor depois a abençoou, impressionando Carlinhos.

Os dias passaram e Zenaide, enfim, perguntou a Carlinhos:

– Vai registrar?

Ele começou a andar de um lado para outro. Olhou a menina. Sorriu. – Acho que vô sim. Acho o olhinho dela igual o meu...

Cinco meses depois, o morro vivia tempos de relativa calma, agora sob a liderança de Cramulhão.

Zenaide, em novo barraco, assistia a uma novela. Das vielas, chegava a gritaria da garotada.

– Ei, cambada! vão gritar mais lá pra baixo. Tô vendo minha novela! - grita para as crianças, irritadíssima.

– Parece que vivo procurando sarna pra me coçar. Ainda bem que deixei a menina direto com Carlinhos. Aquela idéia dele de entrar pra igreja foi uma boa! Tá até querendo virar Pastor. Deixou de tomar cerveja, e nem liga mais pra futebol... pensou Zenaide, voltando à televisão. – Criança só serve pra atrapalhar a vida da gente. Pior que parece que tô novamente. Enjoando, muito sono e há três meses que não vem. – Nem sei o que Cramulhão vai dizer...

Colunista dos jornais - Lig e Santa Rosa - Niterói
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