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sábado, 1 de dezembro de 2007

O diuturnalismo literário de AscendinoLeite (Franklin Jorge)

























[franklinjorge@yahoo.com.br]

Com a morte de Josué Montello e de Antonio Carlos Villaça, reina solitariamente, no promontório do humanismo literário, seu último grande representante brasileiro, Ascendino Leite [Conceição do Piancó, 1915-], há mais de setenta anos surpreendendo-nos com o seu diuturnalismo literário, através do qual consigna e reflete com inteligência, perspicácia e sabedoria a vida das idéias na cidadela dos homens.
Obra que resulta de uma longa e obstinada paciência, só comparável em grandiosidade e minúcia aos cadernos de Leautaud – que preferia os animais aos homens e viveu grande parte de sua vida na companhia de uma macaca –, erigiu Ascendino, sem cansar nem desesperar das fraquezas humanas, um prodigioso túmulo de palavras – o seu “jornal literário” que não paramos de admirar, como culminância de uma arte literária que, entre nós, sobreviveu à cultura do êxito que faz a diferença numa época atéia.
Não há, em toda a literatura em língua portuguesa, nenhuma obra, no gênero, que se lhe compare. Somente Miguel Torga poderia ombrear-se com Ascendino, pois o seu Diário – igualmente volumoso – também constitui um monumento de inteligência e sensibilidade no trato das letras, que, nas mãos desses dois mestres, são a obra cabal da imortalidade mesma.Escrevendo em qualquer gênero, faz bem tudo o que faz, como o prova o diuturnalismo desse infinito jornal literário que se erige em monumento, compondo o panteão da nossa nacionalidade, que se faz, aqui, pelo esforço do talento de um autêntico homem de letras. Na ficção, também; para ser mais exato, no romance, gênero no qual se revelou um grande artífice, digno de figurar ao lado de outros que tanto louva, como Lúcio Cardoso e Walmir Ayala, como o próprio Ascendino, eméritos diaristas.
Revela-se em tudo o que escreve um notável estilista. Expressando-se num estilo ático, duma nitidez e concisão adequadas à substantividade de seus conteúdos inteiramente amalgamados de essência, dir-se-á dele que se trata de um clássico, capaz, no entanto, de se beneficiar do conhecimento posterior referido por Borges. Um clássico, pois, moderno. Contemporâneo. Por mais de setenta anos, tem registrado a crônica das artes, sem concessões ao compadrismo que sempre, de alguma forma, impera também sobre a cultura, como expressão do famoso jeitinho brasileiro. Avulta, no que escreve, a inteireza do seu compromisso com o idioma e, também, um certo mau humor – refinadíssimo – para com o embuste e a contrafação.
São quase duas dezenas de títulos [sem contar as obras de ficção, como A viúva branca etc] a fatura desse diuturnalismo literário praticado por Ascendino Leite, em estilo de homem, como uma espécie de apocalipse escrito com esse incrível bom senso de experiência feito. Confessando-se modestamente uma testemunha do seu tempo, Ascendino, a rigor, vai mais além do mero registro dos fatos – acrescenta-lhes o estilo, o seu estilo, seguramente forjado por suas leituras. Um estilo que reúne em si a ética do escritor e do cidadão que acreditam no belo e no bom.
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