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quarta-feira, 29 de outubro de 2008

O verdadeiro analfabeto... (Tânia Du Bois)



“O verdadeiro analfabeto é aquele que sabe ler e não lê.”
(Mário Quintana)


Quanto tempo você tem para ler no seu dia a dia?

ANA: arruma tempo no dia em que não trabalha para praticar esportes, ver os amigos, ir ao cinema, mas... ler?
JOANA: começou a praticar ioga quando sentiu que estava faltando alguma coisa na sua vida; mas... ler?
DÓRIS: leva a vida a caminhar, vai trabalhar e, depois volta para casa e pede comida; mas.. ler?
RUTH: se sai mais cedo do trabalho, faz massagens, senão vai direto jantar e dormir; mas ..ler?
JOÃO: nas horas vagas, primeiro assiste futebol na televisão e depois vai correr; mas... ler?
Sejam quais forem as razões para não se ter o gosto pela leitura, constato que todos reclamam não ter tempo para mais nada além das atividades cotidianas.
Como diz Manoel de Barros “Todo mundo se ocupava da tarefa de ver o dia atravessar. Pois afinal as coisas não eram iguais às cousas?”
Podemos dizer que cada um tem uma incrível vida dentro de “caixas”, porque, para sentir da vida mais do que ela nos oferece, seria bom caminharmos ao lado da literatura; um bom livro retribui a você todo o tempo que lhe foi dedicado (geralmente faz as vezes de uma bela companhia), principalmente, quando fala de poesia. E mesmo assim, sentimos sem perceber a sua influência nas novas expressões adquiridas.
A dedicação à leitura leva-nos a transformar as informações em conhecimentos úteis e apaixonantes. Helena Kolody diz, nos poemas:

SIGNIFICADO HOJE
“No poema “Momento a momento
e nas nuvens muda o mundo
cada qual descobre a vida acontece
o que deseja ver” germina o futuro”

Resumindo, resta-nos a esperança de mudar, de apreender e de aprender a temperar melhor o nosso tempo. O importante é permanecermos sempre com o sentimento de sonhar e acreditar que a leitura irá nos trazer sabedoria e prazer.
Permita-se desfrutar da deliciosa sensação da leitura, saboreando Nelson Ascher, em O Sonho da Razão, no poema Definição de Poesia:

“Poesia, ponte acima
de abismos não abertos
ainda ou flor que anima
a pedra no deserto

e a deixa logo prenha,
é régua que calcula a
linguagem e lhe engenha
modelos de medula”

Lembremos sempre de Mário Quintana, ao escrever “Que o verdadeiro analfabeto é aquele que sabe ler e não lê”.
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quinta-feira, 23 de outubro de 2008

Soneto para Thiago de Mello (Jorge Tufic)


(Thiago de Mello)


Nossa época, Thiago, está no sempre.
Aumentam bocas, mas o verde cresta;
na quietude do azul faltam bandeiras
da paz que alegre a estrela da manhã.
Nosso tempo, Thiago, amplia os braços
que se estendem nas linhas do papel;
quer seja o tempo de empinar saudades,
quer seja o tempo armado da poesia.
Nossas vozes, Thiago, entram no espaço
das torres de babel como se fossem
peixes de águas secretas, duradouras.
Nosso estatuto, Thiago, são domingos
que iluminam teus versos, plantam minas
para explodir com todas as rotinas.
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domingo, 19 de outubro de 2008

Cidade (Emanuel Medeiros Vieira)

(Em memória do amigo Pingo, que nos deixou nesse outubro)



“A verdade é feia. Temos a arte a fim de que a verdade não nos mate.”
(Friedrich Nietzsche.)


Avisto a cidade – o dia surgido,
planalto seco.


Já não consigo contemplar a vida,
soberano exílio,
em busca de outro mar,
da penúltima gaivota,
da ilha do coração ausente.


Sim, avisto a cidade,
céu sem mediação (parece um teto),
azul pleno,
sol de outubro,
à espera do cheiro de terra molhada depois da seca
(mangueiras em flor),
sempre esperando, sempre.


Avisto a cidade,
os primeiros ruídos,
o cerrado e uma flor retorcida,
um cheiro de morte,
sim, aquele cheiro.


A morte ganha sempre.
(Tem mais tempo.)


Então: uma noite sucedendo-se à outra noite:
sempre.

(Brasília, outubro de 2008)
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quinta-feira, 16 de outubro de 2008

À minha mãe (Ailton Maciel)
















I
Minha mãe, quando contemplo
Teu santo vulto formoso
Brilhando no santo templo
Do coração meu queixoso!
II
Minha mãe, quando te sinto
Cheirando à rosa tão linda
Que viça no labirinto
Do meu viver que é rosa ainda;
III
Minha mãe, quando te vejo
No campo azul florestal
Entre um canto e um voejo
Do meu soluço lirial;
IV
Minha mãe, quando, afinal,
Te vejo escutando linda
Um pobre madrigal
Entre prole tão infinda...
V
Minha mãe, te quero tanto,
Te adoro com tanto amor,
Não posso dizer-te quanto
Te vejo no resplendor!
VI
Um desejo eu tenho insano
De te beijar de mansinho,
Sem te causar nenhum dano,
Cheio de amor e carinho!

13/7/59
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terça-feira, 14 de outubro de 2008

A flor (Teresinka Pereira)

















Esta manhã
tirei uma flor da jarra
e saí pelo mundo.

Na calçada da rua
a flor murchou
ao notar o assombro
dos meninos pobres
que jamais tiveram
a oportunidade de ver
um bosque florido
ou um pomar frutífero,
mas ajuntam papel de lixo
para reciclar.

No abismo de suas vidas
eles são criticados porque
andam sujos e sem consciência.

Joguei a flor no chapéu
de um velho mendigo
que me pediu "uma esmola
por amor de Deus."
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sexta-feira, 10 de outubro de 2008

Dois sonetos de Jorge Tufic





PALÁCIO NEGRO (ALCÂNTARA-MA)


Para Luciano Maia


É um palacete e pesa neste chão
que afunda nas ruínas, sempre lerdas;
estas fazem pensar ganhos e perdas,
gemendo as telhas sobre o casarão.
O limo cresta e nada lhe diz não;
paredes e janelas, hoje esquerdas
ao fasto inútil delas restam cerdas
da escova a reluzir no jaquetão.
Pedras são de Lioz . O tempo rouco
nos quer tirar do solo provisório,
mas o sonho é maior do que ser pouco.
Uma foto de Alcântara: o olhar
que ainda nos vê de um ponto obrigatório...
tudo sabe que a culpa foi do mar.


SONETO DE ALCÂNTARA II

(os dedos do anjo)


Um anjo sorridente é ver-se além
da pedra e do barroco no detalhe
sobre ferro lavrado ou nesse entalhe
da madeira senhora de ninguém.
Ao modelar-se ao fogo o aço tem
quimeras e portais; que se trabalhe
a fé neste suplício talhe a talhe
que ao pó se deitam como ao pó se vem.
Condes, barões, ourives, comerciantes,
torres, fachadas, ícones, postigos,
são torvelinhos: dormem nos mirantes.
Anjos indicadores, estes, sim,
têm seus dedos na base dos perigos,
apontam sempre para o mesmo fim.
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segunda-feira, 6 de outubro de 2008

Sanha (Clauder Arcanjo)

















Na rua,


dois postes irmanados,


um burrico abandonado.




Na casa,


dois seres separados,


um amor vilipendiado.




E eu com os versos sem rima,


em abandono,


desprezados.




Na sanha da métrica,


sumiu o arpejo,


faltou-me o soneto...




E me sobrou este vazio...


maior do que o mundo,


maior do que a poesia.



Mossoró-RN, 08/06/2007

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sexta-feira, 3 de outubro de 2008

Um romance (?) da cidade-monstro (Adelto Gonçalves)



I

Lançado em 2001, Eles eram muitos cavalos (3ª ed. São Paulo: Boitempo Editorial, 2005), de Luiz Ruffato, é, hoje, unanimidade na crítica. Contemplado com os prêmios Machado de Assis de Narrativa da Fundação Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro e da Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA), ambos de 2001, tem sido não só elogiado em recensões em jornais e revistas como suscitado estudos nos meios acadêmicos, inclusive fora do Brasil. Apontado em 2005 como a quarta obra mais importante da recente ficção brasileira, já foi lançado na Itália, França e Portugal, além de ter recebido uma adaptação para o teatro pela Companhia do Feijão, que também recebeu prêmios por essa encenação.
Exemplo desse reconhecimento é o livro Uma cidade em camadas: ensaios sobre o romance Eles eram muitos cavalos, de Luiz Ruffato, que reúne 15 ensaios de estudiosos do Brasil e do exterior, todos escritos a partir do livro mais conhecido do escritor para pensar uma “obra em processo“, como o define Regina Dalcastagné, professora de Universidade de Brasília, na apresentação que escreveu para a publicação. Organizado nos Estados Unidos pela professora Marguerite Itamar Harrison, doutora em Estudos Portugueses e Brasileiros pela Brown University e professora assistente no Smith College, em Northampton, Massachusetts, o volume constitui uma homenagem coletiva ao livro de Ruffato.
Como bem observa Marguerite Harrison na introdução, a cidade do título deste livro de ensaios corresponde à cidade de São Paulo, uma das cinco maiores do mundo, embora em algumas listas já apareça em terceiro, o que, convenhamos, não é mérito nenhum. É um livro que “dialoga com outras cidades celebradas por escritores modernistas como Cesário Verde (1855-1886), Baudelaire (1821-1867) e Oswald de Andrade (1890-1954), entre outros, ao mesmo tempo em que compartilha espaço com outras cidades em foco na literatura urbana atual”, diz a professora.
Enfim, uma megalópe caótica, uma cidade ilimitada, cidade-monstro, cidade contaminada, tal como foi definida por Marguerite Harrison, e, ao mesmo tempo, única no mundo, tal a sua feiúra, sua desumanidade, a desorganização de seu trânsito, a poluição massacrante de seus ares, as águas sujas de seus rios mortos, a violência desmedida que campeia em suas ruas, a miséria de suas favelas que se propagam com a rapidez da Aids nos anos 80, ao lado de grandes blocos de concreto, os “galinheiros de ricos”, com seus portões automáticos, grades e seus guardas privados e armados até os dentes.
II
Os ensaios enfocam o trabalho de Ruffato sob diversos ângulos, desde a sua filiação ao Modernismo da década de 1920, especialmente aproximando-o não só da experimentação da linguagem de Oswald de Andrade, guardados os devidos distanciamentos de época, passando por comparações ligeiras com a Paulicéia desvairada, de Mário de Andrade (1893-1945). Vera Lúcia de Oliveira, professora da Universidade de Salento, Itália, por exemplo, filia o ritmo vertiginoso do texto de Ruffato a livros de autores modernistas dos primeiros decênios do século XX: Memórias sentimentais de João Miramar (1924) e Pau Brasil (1925), de Oswald de Andrade, Brás, Bexiga e Barra Funda (1927), de Alcântara Machado (1901-1935) e até mesmo Macunaíma (1928), de Mário de Andrade, considerados pontas-de-lança da vanguarda brasileira.
Há ainda análises sobre a posição do narrador, a pluralidade de vozes, que remete à teoria do romance polifônico do linguista russo Mikhail Bakhtin (1896-1975), a temática da degradação urbana, a cidade-personagem e cidade-mítica, como a Dublin de James Joyce (1882-1941), a Santa Maria de Juan Carlos Onetti (1909-1994), a Macondo de Gabriel García Márquez (1928) e o condado de Yokapatawpha de William Faulkner (1887-1962).
O título, Uma cidade em camadas, vem de uma definição do próprio autor, que chamou Eles eram muitos cavalos de um romance-cebola, ou seja, um romance que revela diversas camadas da metrópole paulistana. “A cidade representada no romance de Ruffato é uma cidade ilimitada, caótica, uma cidade contaminada, logo cidade-monstro, uma cidade em ruínas, sem cidadania”, define Marguerite Harrison.
A professora Lúcia Sá, da Universidade de Manchester, Inglaterra, prefere ressaltar a ausência de descrição de massas no livro de Ruffato, lembrando que a idéia da enormidade da cidade é dada pela multiplicação de histórias individuais. E repete o que Fanny Abramovich já havia apontado na orelha do livro, dizendo que Eles eram muitos cavalos é de um gênero difícil de definir: “Não sei se li um romance, se contos, registros ou espantos… Sei que me joguei voraz pelos setenta flashs, takes, zoons, avançando sobre a sufocante paulicéia”.
Lúcia Sá destaca ainda que, praticamente, não há proletários na São Paulo de Ruffato e o leitor jamais tem a sensação de que os trabalhadores são uma massa de seres idênticos uns aos outros, peças de uma engrenagem. E reconhece que o livro, isso sim, é marcado pelo espectro do desemprego. “Longe de ser descrito como uma situação de exceção, o desemprego aparece no livro como um estado de quase normalidade, enquanto o sonho de conseguir um bom emprego adquire, inversamente, ares de quimera irrealizável”.

III

Já a professora Leila Lehnen, da Universidade do Novo México, EUA, destaca que a literatura de Ruffato problematiza a questão na medida em que “o seu foco são menos as cidades – as grandes ou pequenas – e muito mais o fracasso de um projeto de modernização de uma concepção de progresso que passa pelas agruras da urbanização, tomada em todas as suas variáveis semânticas”. Em outras palavras: o livro “narra a implosão da polis enquanto espaço de atuação do contrato social”, diz.
Giovanni Ricciardi, professor de Literaturas Portuguesa e Brasileira da Universidade dos Estudos de Nápoles-L´Orientale, Itália, ressalta a dificuldade que os críticos têm para enquadrar a obra de Ruffato nos moldes já consagrados, a partir de um título um tanto esquisito, cuja origem está em versos de Cecília Meireles (1901-1964) no poema O romanceiro da Inconfidência, que o autor lembra em epígrafe: Eles eram muitos cavalos / mas ninguém mais sabe os seus nomes / sua pelagem, sua origem… E que servem para que o autor faça um paralelo com a gente simples que compõe suas histórias, gente da qual ninguém sabe o nome, a pelagem, a origem, gente que vive e se perde e morre na cidade-monstro sem deixar rastro.
Também Hélder Macedo, poeta, romancista e ensaísta português, professor catedrático jubilado da Universidade de Londres e do King´s College, onde foi titular da Cátedra Camões de 1982 a 2004, diz que Eles eram muitos cavalos “nem mesmo é pós-modernista no sentido em que a crítica, sempre desejosa de colocar rótulos, gosta de dizer que é tudo que modernamente se escreve e não se consegue rotular de outra maneira. Mas é um livro que só depois do Modernismo teria podido ser escrito”.
Para Nelson H. Vieira, professor de Estudos Luso-Brasileiros da Brown University, EUA, o texto de Ruffato “é uma das primeiras obras da literatura contemporânea a dar voz a uma massa heterogênea de gente marginalizada pelo sistema espacial, político, econômico, social e cultural”, ao expor o leitor a múltiplas experiências durante um só dia na vida cotidiana na cidade imensa de São Paulo, “sobretudo, a cenas nítidas da vida do anônimo trabalhador urbano, do homem simples, da mulher gasta, do favelado etc., que normalmente não são percebidos pelo observador alheio a esta existência e certamente não imaginados pelos planejadores em poder que inicialmente conceberam o abstrato espaço urbano”.

IV

De 2007, é também De mim já nem se lembra, romance epistolar de Luiz Ruffato, que vem acompanhado por uma separata com propostas de atividades para os professores de Letras em sala de aula elaboradoras pelas professoras Tânia Centurión e Mirella L.Cleto. Ambas lembram que a publicação de cartas como estratégia narrativa foi amplamente empregada nos séculos XVIII e XVIII. Em 1721, Montesquieu (1689-1755) publicou As cartas persas, que muito sucesso fez entre os nossos autores árcades. De 1761 é A nova Heloísa, de Rousseau (1712-1778), um best seller da época, composto basicamente da correspondência de cinco personagens.
Outro romance epistolar famoso foi escrito por Choderlos de Laclos (1741-1803), As ligações perigosas, de 1782, que reúne a correspondência trocada por um grupo de aristocratas que, por meio de intrigas e jogos de sedução, dedicam-se a destruir reputações alheias. Além desses, destacam-se Cartas portuguesas, atribuídas a Mariana Alcoforado (1640-1723), de 1669, Pamela e Clarice Harlowe, de Richardson (1689-1761), de 1740 e 1748, e Werther, de Goethe (1749-1832), de 1774.
Seguindo essa linha tradicional, Ruffato constrói um romance que começa quando o narrador, ao abrir uma caixa onde a “mãe abrigara seu coração esfrangalhado”, depara-se com um maço de cartas enfeixadas por um barbante. Escritas pelo irmão, vítima de um acidente, e dirigidas apenas à mãe, essas 50 cartas reúnem um passado, convidando o leitor a espreitar a memória de uma família com “olhos derramando saudades”, observa Heloísa Prieto no posfácio.
Compostas com a doçura da fala suave da gente de Minas Gerais, como diz Heloísa Prieto, as cartas tecem comentários sobre a dura vida na metrópole para aqueles que ficaram no interior do Brasil, ao mesmo tempo em que recompõem aspectos da vida brasileira, como os tempos difíceis vividos sob a ditadura militar (1964-1985), entremeados pela euforia coletiva proporcionada pelas vitórias internacionais do futebol brasileiro.
São escritas por um jovem de 26 anos que, na Grande São Paulo, a cidade-monstro, vai parar em Diadema, na região do ABCD (Santo André, São Bernardo do Campo, São Caetano do Sul e Diadema), pólo industrial e berço do moderno sindicalismo brasileiro – moderno, aliás, só no sentido de contemporâneo porque continua marcado pela ação de carreiristas e oportunistas – a uma época em que operários e sindicalistas mobilizavam-se para reivindicar o que um poder espúrio e ditatorial lhes havia arrancado.
Numa das cartas à mãe, o narrador lembra que “a gente vive debaixo de uma ditadura que prende e mata trabalhadores, que a única coisa que querem é mudar a situação injusta do país, mas a senhora nem fale isso aí em Cataguases não senão eles ainda prendem a senhora e dizem que a senhora é comunista”.
Pela leitura daquelas cartas escritas entre 1971 e 1978, percebe-se o drama comum de toda família brasileira de origem humilde, a luta pela inserção na sociedade burguesa, a conquista de um salário melhor que possibilite a compra de um imóvel pequeno, mas suficiente para fugir da asfixia do aluguel, um lugar melhor para viver e, finalmente, a compra de um automóvel, símbolo de status e da sonhada ascensão social. No livro, porém, o veículo é também símbolo da destruição, já que o autor das cartas morre num acidente automobilístico, abatido pela fatalidade, quando se dirigia à noite a Cataguases exatamente para mostrar à família um “fuscão 72, motor de 1500 cilindradas, amarelo colônia, muito bem conservado, uma tetéia, comprado na bacia das almas”.

V

Nascido em Cataguases (Minas Gerais), em 1961, filho de um pipoqueiro e de uma lavadeira, Luiz Ruffato é formado em Comunicação pela Universidade Federal de Juiz de Fora (MG). Para sobreviver, exerceu várias atividades profissionais: já foi, nesta ordem, vendedor ambulante de pipocas como o pai, caixeiro de botequim, balconista de armarinho, operário têxtil, torneiro-mecânico, jornalista, sócio de uma empresa de assessoria de imprensa, gerente de lanchonete, vendedor autônomo de livros e, novamente, jornalista, profissão que exerceu até 2003 em São Paulo, onde mora desde 1990. Desde então, procura se afirmar como escritor profissional.
Publicou dois livros de contos, Histórias de remorsos e rancores, de 1998, e (os sobreviventes), de 2000, ambos pela Boitempo Editorial, de São Paulo. É ainda autor do projeto Inferno provisório, composto por cinco volumes, dos quais três já publicados: Mama, son tanto felice e O mundo inimigo, de 2005, e Vista parcial da noite, de 2006. Eles eram muitos cavalos está publicado também na Itália (Milano, Bevino Editore, 2003), na França (Paris, Métailié, 2005) e em Portugal (Espinho, Quadrante, 2006).
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UMA CIDADE EM CAMADAS: ENSAIOS SOBRE O ROMANCE ELES ERAM MUITOS CAVALOS, DE LUIZ RUFFATO, de Marguerite Itamar Harrison (org). Vinhedo-SP: Editora Horizonte, 2007, 192 págs., R$ 37. E-mail: editora@editorahorizonte.com.br
Site: http://www.blogger.com/

DE MIM JÁ NEM SE LEMBRA, de Luiz Ruffato. São Paulo: Editora Moderna, 2007, 104 págs., Site: www.moderna.com.br
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(*) Adelto Gonçalves é doutor em Literatura Portuguesa pela Universidade de São Paulo e autor de Gonzaga, um Poeta do Iluminismo (Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1999), Barcelona Brasileira (Lisboa, Nova Arrancada, 1999; São Paulo, Publisher Brasil, 2002) e Bocage – o Perfil Perdido (Lisboa, Caminho, 2003). E-mail: adelto@unisanta.br
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quarta-feira, 1 de outubro de 2008

A Zulene (Ailton Maciel)



Tu tens o talhe da açucena agreste
e o perfume sem par da rosicler,
tua alma é seda que o viver reveste
de amor, carinho, no doce viver.

Tu tens nos olhos o riso celeste
Das estrelas no céu sempre a correr;
Os teus adornos são candente veste
De sonhos lindos a resplandecer!

Teus belos sonhos são doces desejos
que te acompanham pela vida além,
dos céus em doces e festos adejos!

Tua beleza é criação divina.
Teus dons são aves que de longe vêm,
De Deus p’ra ti por onde o sol se inclina!

Fortaleza, 4/9/61
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AILTON MACIEL deixou alguns inéditos. Ailton Alves Maciel (nome completo) nasceu em Baturité, Ceará, em 7 de março de 1943. Em vida nada publicou, embora tenha escrito inúmeros poemas, romances e contos. Sua obra mais importante desapareceu. Talvez no incêndio doméstico que quase o matou, em Brasília, onde foi viver (e morrer) no início dos anos 1970. Sua morte clínica se deu no dia 22 de outubro de 1974. Apenas quatro contos se salvaram: "Santa Caçada", "O Touro", "O Careca" e "O Presente da Professora", publicado na revista Literatura n.º 24, de 2003. Outros onze fragmentos encontrados podem ser de contos e romances.
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