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sábado, 22 de janeiro de 2011

Acerca de Astrojildo Pereira (Dimas Macedo)



Se no Brasil, efetivamente, segundo o pensamento de Leandro Konder, houve uma derrota da dialética, pertinente à recepção das ideias de Marx, na primeira metade do século precedente, creio que essa assertiva não pode ser aplicada ao caso de Astrojildo Pereira.

Autodidata de formação erudita, militante político aguerrido, estrategista da ação política de esquerda e crítico literário com excelente acolhida pelo nosso estrato acadêmico, Astrojildo Pereira passou para o escaninho da história como um dos nossos melhores ensaístas.

Devemos a Astrojildo a fundação do Partido Comunista do Brasil (PCB), em 1922, e a manutenção do ideal socialista, entre nós, mas sem descuidar, esse vero pensador marxista, da sua filiação à causa comunista e ao discurso da ideologia democrática

Astrojildo Pereira nasceu em Rio Bonito (RJ). Foi anarquista na juventude e destacou-se, em 1913, como um dos promotores do II Congresso Operário Brasileiro, iniciando na imprensa de orientação marxista a sua carreira de jornalista e de agitador de idéias culturais de esquerda.

Na sua produção de jornalista deixou o nosso Jildo a marca da sua consciência cultural. Foi redator do jornal A Causa Operária, órgão oficial do PCB, mas em 1931 desligou-se do Partido, passando a fazer crítica literária, ofício no qual se distinguiu, a ponto de ser considerado um Mestre da observação e da análise do texto.

Como estudioso de Machado de Assis, revolucionou a interpretação e a estética da recepção da obra do grande escritor brasileiro, atentando para a singular conjugação de contrastes que marcou a vida tímida e sensual do nosso maior romancista.

Em 1939, Astrojildo Pereira deu a público o seu ensaio pioneiro – Machado de Assis, Romancista do Segundo Reinado, no qual deixa transparecer a sua intuição de humanista e a sua cultura literária, chamando-nos a atenção para o fato de que o escritor é o desdobramento do homem, e que “em Machado de Assis coexistem e completam-se o analista rigoroso e frio e o criador empolgante”.

Posteriormente, em 1958, o seu livro pioneiro sobre Machado de Assis seria reeditado pela Livraria São José, do Rio de Janeiro, tendo a sua terceira edição sido publicada em 2008, pela Editora da Fundação Astrogildo Pereira, com o título sensivelmente modificado para Machado de Assis – Ensaios e Apontamentos Avulsos.

O título e o conteúdo do livro foram modificados para atender a um fim: ao rigor com que o organizador da edição, Martin Cézar Feijó, esmerou-se em acostar ao texto original diversos ensaios e artigos escritos por Astrojildo, em diversas oportunidades, tendo Machado de Assis como objeto de reflexão e de pesquisa.

No prefácio escrito por Ivan Junqueira, especialmente para essa edição primorosa do ensaio de Astrojildo Pereira, podem ser observadas as linhas de força da sua crítica literária e a exposição do rigor analítico com que o ensaísta minutava a sua metacriação no plano da cultura.

Além dos anexos que foram recolhidos no final do volume, sobem a vinte e dois o número dos escritos avulsos do autor que foram acrescentados ao texto inicial, todos ao redor de Machado de Assis ou tendo como fundo a sua perspectiva cultural.

O belo filme de Zelito Viana, intitulado A Última Visita e encartado nesta nova edição, empresta, com certeza, um brilho especial ao projeto. Refere-se Zelito à visita inusitada que fez o jovem pensador marxista, Astrojildo Pereira, ao Bruxo do Cosme Velho no seu leito de morte, e que não passou despercebida por Euclides da Cunha.

Faço o destaque desse importante ensaio de Astrojildo Pereira especialmente com o fito de mostrar o quanto ele continua atual. E no mais eu gostaria de lembrar que os últimos estudos sobre Machado de Assis caminham exatamente em sua direção, isto é, revelam-se tendo como ponto de partida a perspectiva que Astrojildo colocou em debate.

Astrojildo Pereira não foi apenas um militante político de esquerda: foi um grande crítico literário também. Um crítico literário integral. Um pensador marxista incomum. E um homem que fez da sua vida um exemplo de amor à causa social.

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