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sábado, 30 de abril de 2011

Poeminha (Silmar Bohrer)





O forjador de universos
a Caçador então retorna,
Silmar e os caros versos,
as rimas, caneta e bigorna.


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sexta-feira, 29 de abril de 2011

Fernando Pessoa, empregado de escritório (Adelto Gonçalves)

Para aqueles que hoje medem a importância de um homem pelo saldo de sua conta bancária, decididamente, Fernando Pessoa não teria sido alguém que pudesse dar lições de empreendedorismo Wikipédia



Em janeiro de 1926, aos 38 anos de idade, com alguma experiência no campo econômico e comercial, o poeta Fernando Pessoa (1888-1935) entendeu que tinha conhecimentos suficientes para editar uma publicação mensal ligada a esses dois setores, a "Revista de Comércio e Contabilidade", que fundou em Lisboa em parceria com seu cunhado Francisco Caetano Dias. Mas, olhando sem "parti país", o currículo que o poeta carregava era a de empreendedor desastrado e de empregado de escritório, um guarda-livros, tal como o seu heterônimo Bernardo Soares, que, se experiência tinha, seria só para ensinar a arte do trabalho contábil. Na verdade, Pessoa ganhava a vida mais como tradutor de inglês para o português, o que lhe permitia desempenhar a atividade para várias casas comerciais, aproveitando-se da larga dependência de Portugal em relação à Inglaterra.

O demolidor de mitos (Batista de Lima)


A poesia do Poeta de Meia-Tigela se alicerça sobre os escombros da mitologia que lhe incutiram ao longo dos anos, mas que ele preferiu escarafunchar nesse seu mais recente livro. O livro tem como título "Concerto nº 1nico em mim maior para palavra e orquestra. Poema". Ainda tem um subtítulo "Combinação de realidades puramente imaginárias". Fica assim o leitor, logo de início, encafifado com essa volúpia verbal que parece não dizer nada mas termina por dizer tudo.

quinta-feira, 28 de abril de 2011

Resignação (Claudio Parreira*)



No mês passado fui vítima de dois assaltos — mas tudo correu bem: eu saí vivo e o ladrão, satisfeito. Percebi isso nos seus olhos.

Na semana passada, um assalto apenas. Mas foi genial: fui sequestrado e passeamos muito pela cidade, eu e o ladrão. Descobri, aliás, ser ele um apreciador da filosofia de Kant. Um homem raro — e foi com raro prazer que lhe entreguei todo o meu dinheiro.
— É o suficiente para as suas investigações filosóficas? — perguntei.
— Tá de bom tamanho, doutor — respondeu ele, que se foi levando o meu carro.

Por causa do gato lilás (Luciano Bonfim*)

(Gato vermelho, de Aldemir Martins)

Tarsila, uma gata siamesa, que conviveu conosco por alguns dias, apaixonou-se pelo ‘gato lilás’ de Aldemir Martins – uma reprodução da tela que possuimos em casa.

Investiu tudo nesta paixão, estudou sobre o artista e sua obra, incomodou a todos com o seu canto lastimoso e noturno, gastou as unhas arranhando os telhados alheios.

Não encontrando retorno algum desta paixão, chegou a cometer o suicídio 6 vezes, até decidir-se a pesquisar intensamente sobre arte contemporânea.

Certa noite, após buscar um diálogo intenso com a eternidade, ainda meio grogue e desolada, saiu para a rua e não mais a vimos.

Soubemos, algum tempo depois, que ela fora atropelada e tornou-se uma efêmera intervenção urbana.

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*Luciano Bonfim [Crateús/CE.]. Publicou: Dançando com Sapatos que Incomodam – Contos [2002]; Móbiles – Contos [2007]; Janeiros Sentimentos Poético [1992] s e Beber Água é Tomar Banho por Dentro[2006] – Poesia; escreveu e montou as peças: Auto do Menino Encantado [2002] e As Mulheres Cegas [2000 e 2004]; criador da revista Famigerado – Literatura e Adjacências [2005]; professor da Universidade Estadual Vale do Acaraú – UVA [desde 1996]; aluno do mestrado em Educação Brasileira [FACED-UFC/2006].
e-mail: luciano.bonfim@yahoo.com.br
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quarta-feira, 27 de abril de 2011

Selva high-tech (Manuel Soares Bulcão Neto)




Na crônica “Gengis Khan na poeira”, comentei o meu espanto ante o fato de, graças à alta tecnologia, viver melhor, “em muitos aspectos”, que a nata da elite do mundo pré-industrial. Alguns amigos, em mensagens de e-mail, levantaram questões que, realmente, põem em xeque esse entusiasmo. Não sou bom enxadrista, mas vamos ver como me saio.

Sim, foi feito um teste e restou provado que uma Ferrari demora muito mais a atravessar Londres, hoje, do que uma carruagem no século XIX. Será, porém, que isso se deve mais à tecnologia moderna em si ou à sua conformação – acidental – ao sistema sócio-econômico em que vivemos?

Dissabor (Pedro Du Bois)




Se o dissabor
trincar o caminho
espantando os espantalhos

          pássaros dos espaços
          vagos: voo sem sentido
                     no rasante
                     à presa. Desfaço
                     as malas e recoloco
                     a roupa na estante

                     instante ao gosto de fixar
                     o destino: voo em espaços
                     universais da dor.


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terça-feira, 26 de abril de 2011

Estranho esperanto (Carlos Nóbrega)


para Tércia Montenegro
Françoise (2009), Cristina Vergano

O que eu tenho a dizer ao mundo
prefiro ouvir das mulheres,
no estranho esperanto delas.

Sim,
porque em seu idioma
todas as palavras do mundo
possuem aguda pronúncia,
oculta profundidade.

Indiverso é o significado
em tão fiel dialeto.


E é tão fiel o dialeto
que quando elas dizem dor
uma lágrima cai
de seus lábios.


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segunda-feira, 25 de abril de 2011

Nosso abril despedaçado (Nilto Maciel)




A tragédia de Realengo abalou meio-mundo. Indignado, como a maioria das pessoas, escrevi um artigo: “Por trás de todo terrorista há sempre um homem de cajado em punho” (título que no Observatório da Imprensa reduziram para “Um homem de cajado em punho”). Ontem assisti, mais uma vez, ao filme Abril despedaçado. Obra-prima! O menino (nem nome tinha, sempre tratado como “menino” ou “Menino”, como se este fosse o seu nome) que lia sem saber ler: inventava histórias enquanto folheava um livro e via as figuras, as letras. Ao redor, a vida seca de sua família, das pessoas do sertão, do povoado, os amores puros e impuros, a tragédia de sua morte. Mas não quero falar desta peça (narrativa e imagens) singular, porque me lembra as crianças assassinadas todo dia no mundo por orientação esquizofrênica. Quero me referir a este abril que se espedaçou em nossas cabeças e me levou a ler mais do que nunca.

Eu disse, ela disse (Lohan Lage)

(Extraído do blog Autores S/A http://autoressa.blogspot.com)



Eu disse a ela que queria juntar nossas escovas de dente. Ela disse nada, e mostrou-me, mais radiante que a luz do amanhecer, todos os seus dentes. Ela disse ter medo da minha sinceridade. Eu disse ter medo de suas omissões. Eu disse que não queria dizer. Ela disse nada e permitiu que a beijasse. Eu disse para ela se afastar do joio daquele campo. Ela disse que o meu trigo era suspeito. Eu disse te amo. Ela disse não ter certeza. Eu disse que ela ficava linda de branco. Ela disse que preferia preto. Eu disse que nossa relação estava em ebulição. Ela disse para irmos com calma. Eu disse que era virgem. Ela disse não acreditar. Eu disse que a levaria para onde ela quisesse.

domingo, 24 de abril de 2011

Páscoa (Horácio Dídimo)

Ao Pe.João Jorge, inspirado na sua mensagem de Páscoa.




Páscoa é canto de alegria,
Certeza de vida nova;
É Cristo Ressuscitado
Que tudo vence e transforma.


Por que Filosofar (Emanuel Medeiros Vieira)

Conversando com Nietzsche (Os conceitos de apolíneo e dionisíaco, e aforismas)


Em “O Nascimento da Tragédia” (1872), Friedrich Nietzsche (1844-1900) define os conceitos de apolíneo e dionisíaco. Da maneira mais sumária, apolíneo seria a representação das regras e dos limites individuais. Dionisíaco: a liberação do impulso, a libertação dos instintos. Para exemplificar, penso em três autores que admiro e amo. Dostoievski é um dionisíaco. Camus, apolíneo. E Kafka? O estilo cartorário, clássico, seria apolíneo. Mas alma, o espírito premonitório, aquele tipo de “mediunidade” que perpassa os seus textos? Seria, nesse caso, dionisíaco. Quero dizer: às vezes os dois conceitos se embutem num só autor.

sábado, 23 de abril de 2011

Navalha na carne (Silvério da Costa)


Carnavalha, romance de Nilto Maciel, é um grande baú de espantos e veleidades da condição humana, no dia a dia dos moradores de Palma.

O livro divide-se em 8 (oito) partes, cada uma delas com diversos capítulos, curtos e nominados, apresentando uma gama de questionamentos acerca da existencialidade. Os capítulos, muito bem estruturados, até poderiam ser chamados de minicontos, dada a sua independência, digamos assim, parcial. Eles se unem, todavia, para alcançar o seu objetivo mor que é a busca daquele algo mais que faz do livro um romance.

Páscoa, passover, primavera (Teresinka Pereira)




O tema da renovação

vida-morte-vida

água-fogo-sol

sempre ascendendo

como bagagem do futuro

é a Páscoa cristã e judia,

assim como a primavera,

que é a realidade de todos.

O canto, o baile, a oração

que é o bom pensamento

emanado em ondas de energia

se condensam em um todo,

na alquimia do universo,

um fecundo mistério

pronto a ser descoberto.

Entretanto, nada pode acontecer

sem o sonho e a esperança.

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sexta-feira, 22 de abril de 2011

O coito do silêncio (Clauder Arcanjo)




Na moita, o cheiro do mofumbo.
No cipoal, o dente da raposa.
Na capoeira, o couro da coral.
Na tapera, o telhado morto.
E, no quarto, bem ao fundo,
Ele e ela... O coito do silêncio.


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quinta-feira, 21 de abril de 2011

Coisas Engraçadas de Não se Rir VII: O Sexo Literário (Raymundo Netto)

(Bar do Gomes, J. Victtor)


Em uma roda de barzinho, dificilmente se encontra um homem sóbrio ou uma mulher que não se faça de bêbada.

Engolidos por tanto barulho e premidos por mesinhas em calçadas estreitas, amigas e amigos bebiam sem pressa a vaguear em temas diversos. Os homens, todos escritores, se não em futebóis, traziam a literatura, permitidas as digressões sobre a vida alheia. As mulheres, nenhuma escritora, quando não puxavam por sapatos, acessórios ou o filme do momento, enveredavam serenas pela seara, acreditem, do sexo.

Bráulio Tavares e sua nuvem de hoje (W. J. Solha)




Glauco Mattoso é recordista mundial de sonetos. Mais extravagante, porém, é o recorde de Bráulio, que jamais baixou seu padrão extraordinariamente alto na coluna diária que mantém no Jornal da Paraíba desde março de 2003. Lembro-me de que Millôr me decepcionou quando vi seu Pif-Paf – delicioso quando lido a cada semana – acumulado em livro, mal-estar que se repetiu ante uma edição capa dura com as tiras diárias de Flash Gordon. Temi o mesmo quando Bráulio me disse que premeditava “A Nuvem de Hoje”. Mas acabo de reler de uma sentada essa primeira leva de cem artigos seus, publicação da Latus – Editora da Universidade Estadual da Paraíba – constatando, grato, que o acúmulo deles apenas fez aumentar a enorme admiração que sempre tive pelo jornalismo cultural do nosso romancista de ficção científica, roteirista de TV e cinema, compositor, etc etc.

quarta-feira, 20 de abril de 2011

Erotismo na arte (Tânia Du Bois)


(Toulouse Lautrec)

“A fronteira que divide o erótico do pornográfico nunca teve contornos muito nítidos. No Brasil, o erotismo confunde-se com o obsceno. Até pouco tempo, não era elegante a exibição explícita das partes íntimas do corpo humano, que hoje são expostas até na televisão...” (Ney Flávio Meirelles)

Ao analisar o erotismo na arte literária, desenho e pintura, vejo que provocamos o prazer que existe dentro de cada um, porque na arte é permitida uma leitura individual e, sem dúvidas, um olhar aguçado à procura da imagem embutida do desejo de descobrir o interior das pessoas e das coisas.

Nilto Maciel no Observatório da Imprensa

O Observatório da Imprensa publicou, em 19/4/2011, o artigo “Um homem de cajado em punho”, de Nilto Maciel. Está na seção “Jornal de Debates”.


O endereço do site é: Observatório da Imprensa

Vejam uma parte:

REALENGO, 7/4/2011

Um homem de cajado em punho

Por Nilto Maciel em 19/4/2011

O artigo "Por trás de todo terrorista há sempre um homem de cajado em punho", de Bruno Savolino, encontrei ontem em alguns sites. Li-o, mas não o copiei. Hoje, porém, visitei os mesmos sites e não o achei mais. Não sei se Bruno existe, se usou pseudônimo ou se é brasileiro. Da leitura ficaram-me algumas impressões, não exatamente de sua literariedade. A primeira delas é a de que terrorista é aquele que instaura o terror. Alguns têm ideologia política. São usados por teóricos de revolução, para os quais só a violência pode mudar o curso da História. No mais das vezes, terroristas agem em causa própria. Que não é tão própria como se pensa. É dele, de seus assemelhados e dos que os criam.

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terça-feira, 19 de abril de 2011

Lua (Carmen Silvia Presotto)



Entra...
tua sombra me tecerá ao natural.
Entra lua...
me dilui tua brocada teia.
Vem...
Lua Poesia
balsâmicas mãos ao meu baú de ossos.

Vem...
sorve meu sangue
e com tua carne,
sejamos disfarces entre mil leituras.

Lua Poesia
sou música
sou anjo
ou Quixote

Teu ser me venta
nuvem
e desintegro em luz

Lua Poesia
da Morte, sou tuas asas...
dos dias,
entre moinhos e penas,
contorno
e sombras,
jogos de sempre...

No Sena
e rios do amanhã
resenha entre mãos
bailaremos
a um Cer(a) vante.

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Crônico (Ronaldo Monte)


Pesa sobre os cronistas a acusação de só falarem dos próprios umbigos. Considero isto uma injustiça. Todos os estilos literários são umbilicais. Poetas, contistas, romancistas, bons ou maus, todos eles falam disfarçadamente de seus umbigos. Escondem-se atrás de um “eu-lírico”, de um “narrador”, de um “fluxo de consciência” experimentalista, mas, no fundo, suas atenções sempre estão voltadas para aquele botão espetado no meio de suas barrigas. Na crônica isto fica mais à vista por conta da urgência com que ela é escrita. Geralmente da mão pra boca, sem muito tempo para tapeação.

segunda-feira, 18 de abril de 2011

Oferenda (Inocêncio de Melo Filho)



(Le double, de Mélissa Pínon)

Trago-lhe meus cabelos brancos
Para dizer-lhe que sofri demais
Pouco aprendi
Com isso me sustento
Fortaleço os que me buscam
E alimento os famintos
Que tens me confiado.


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Contos reunidos de Nilto Maciel (Taize Odelli*)




É estranho começar a ler uma reunião de contos de determinado autor a partir de seu segundo volume, assim como se começasse a ler uma saga da metade da história em diante. Mas não tenho culpa alguma se os livros nunca me aparecem na ordem correta.Nilto Maciel me enviou seus Contos Reunidos: Volume II, e assim tive contato com mais um trabalho partindo da metade. Mas isso deve ser normal para muitos outros leitores. Publicado em 2010 pela editora Bestiário, o livro reúne textos de três outras publicações do autor cearense: As Insolentes Patas do Cão (1991), Babel (1997) e Pescoço de Girafa na Poeira (1999).

domingo, 17 de abril de 2011

Karatiús (Pedro Salgueiro)



Há quase quinze anos não ia a Crateús, localizada no centro-oeste de nosso Estado, que sempre foi uma espécie de sub-capital da região em que nasci, porque antes de ser fácil se viajar para Fortaleza, as cidades menores (como a minha Tamboril) resolviam todos seus negócios por lá.

Os refugiados (Teresinka Pereira)




Caminham e caminham
para dificilmente chegar
aos acampamentos.

Os pés na areia,
a cabeça ao sol,
a alma é testemunha
de uma infinita solidão
acompanhada de medo,
fome, humilhação e tristeza.

O encontro diário com a morte
enche seus olhos de cansaço
sangue e lágrimas.

Quem inventou a guerra?

As mulheres e as crianças
são sempre
os refugiados!


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sábado, 16 de abril de 2011

Pascua (Cláudio Sesín*)








A un íntimo desierto


iremos a ofrendar nuestro silencio


y llegaremos cadáveres en flores,


cantando sobre la estéril firmeza de la noche.

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*Cláudio Luis Sesín nasceu em 9 de junho de 1959, em Villa Dolores, Velle Viejo, tendo passado a infância em Pomán, província de Catamarca, Argentina. Publicou La Barbárie (1993), El círculo de fuego (1997) e El libro de los poemas casuales (2008), em edição bilíngue español-portuguê. Este poema é de Palabras Sencillas (2010)
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Metacrônica II (Simone Pessoa)


O paradoxo do cronista é que, ao tempo em que tem intensa conexão com o dia a dia das pessoas, é, em geral, um solitário. Na ânsia de retratar o entorno e decifrar o que está além do visível, o cronista acaba por se isolar na redoma das palavras. Com isso, perde, muitas vezes, a oportunidade do convívio com as pessoas em favor do silêncio imprescindível ao ato criativo.

sexta-feira, 15 de abril de 2011

Saber ler (Emanuel Medeiros Vieira)




A maior parte das imagens que circulam hoje são frutos de um impulso econômico, para criar produtos e mercados de consumo, não para celebrar o espírito humano ou para aprendermos mais ou sermos melhores. É pura e simplesmente para fazer mais dinheiro. Então, neste sistema, se você lê profundamente uma imagem publicitária, você a destrói, como diz Alberto Manguel.

A parábola do homem letrado (Nilto Maciel)




Como qualquer leitor, conheço centenas de obras da literatura brasileira dos anos 1970 em diante. Isto é, livros editados durante minha formação intelectual. Porque divulgava o jornalzinho Intercâmbio (1974/76) e a revista O Saco (1976/77), consegui me pôr em contato com centenas de poetas, contistas e romancistas de todas as regiões. Muitos deles se tornaram meus amigos. Alguns se fizeram muito conhecidos, como Glauco Mattoso. Outros foram publicados por grandes editoras, mas não tiveram seus nomes inscritos na lista dos preferidos dos articulistas e dos mestres e doutores em Letras. Nem aparecem nos modelos repetidos dos resenhistas: “Desde Guimarães Rosa não aparecia escritor tão...”. A crítica em livro ou periódico é sazonal: passa uns meses a falar bem de um fulano, depois o esquece, para dar lugar a outro gênio. O ensaísmo acadêmico parou no passado mais remoto. Se seus cultores pudessem, ficariam eternamente em Homero. Quando chegam a Guimarães Rosa, Clarice Lispector ou Samuel Rawet, é como se alcançassem a beira do abismo: param, arregalam os olhos de pavor, pedem proteção divina e, trêmulos, recuam a Machado de Assis. Arrependidos de tanta ousadia, prometem nunca mais dar passo tão perigoso.

quinta-feira, 14 de abril de 2011

A cabala da ficção (W. J. Solha)

Making of do romance Relato de Prócula


ÁLEF

Impressionou-me a narrativa que o jornalista Nathanael Alves me fez quando fui visitá-lo no hospital, depois de uma tentativa, sua, de suicídio. Falou-me da decisão de dar um tiro no peito dentro de casa, seguida da preocupação com o impacto que isso teria dentro da família, pelo que imaginou ser melhor matar-se na BR, escolha deletada pelo escrúpulo de que isso envolveria estranhos em suspeita de assassinato, donde a solução final de dar cabo da vida no Fórum, seu local de trabalho. Ele me contou como foi: “Fechei-me no banheiro da repartição e fiz o disparo. Caí diante do lavabo e constatei que começava a acontecer comigo o que muitos relatam ter sido sua experiência de Quase Morte: vi minha vida inteira passar como num filme”.

Sobre naturezas humanas (Luciano Bonfim*)


(Adega, de J. Victtor)

Outro dia conheci uma arquiteta que cuida da preservação do patrimônio histórico de nosso município – na realidade das fachadas dos casarões do centro da cidade –, omito o seu nome para não causar transtornos e evitar constrangimentos futuros.

Tivemos uma conversa bastante agradável e, em seguida, ela me convidou para tomar um café em sua companhia.

Poemas (Antônio Agostinho Santiago*)

Menino com Cabras - Mário Zanini


Reminiscência

Do passado eu recordo a ingratidão;
Minha infância, meu lar, minha família.
Inda tenho a primeira juvenília
Que eu cantava no velho casarão.

Malhadinha querida, meu rincão!
Um cenário de luta e de vigília,
Que ficara a rondar como quizília
No meu rústico e triste coração.

Quando a morte levou mamãe querida,
A tristeza infestou nossa guarida
Nos deixando na grande solidão.

Lendo agora, por sorte, meus anais,
Vejo a foto macabra dos meus pais,
Choro e grito atônito de emoção!



A Casa do Meu Avô

Numa parede comprida
Restos da matolagem
Apetrechos de viagem
Da nossa gente querida.

Naquela velha guarida
Uma bonita alpendragem
Simbolizando a linhagem
Daquela casta aguerrida.

No pátio do criatório
O tamarindo simplório
Reduto dos passarinhos.

Com meu pensamento lampo
Descrevo a casa de campo
Relíquia dos Agostinhos.


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Antônio Agostinho Santiago é natural de Russas-CE. Poeta e repentista, cantador de viola, teve pouco acesso a escola, mas foi o suficiente para tornar-se ávido leitor. Não tem livros publicados, mas tem um blog: Caminhante do Sol - agostinhas veredas versejadas.

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quarta-feira, 13 de abril de 2011

A ressurreição de um grande escritor (Ronaldo Cagiano *)



A editora paulista letraSelvagem, por iniciativa de seu editor, Nicodemos Sena, relançou recentemente, com apresentações críticas de Nelly Novaes Coelho e Raquel Naveira, na Casa das Rosas, em São Paulo, o romance “Deus de Caim”, do matogrossense Ricardo Guilherme Dicke, obra que foi um dos vencedores do prestigiado Prêmio Walmap (1967). Referendado por Jorge Amado, Guimarães Rosa e Antonio Olinto, integrantes do júri, que o consideraram uma revelação e um marco na literatura brasileira, o romance vem sendo objeto de redescoberta pelos ensaístas, críticos e estudantes, que atestam não só a monumentalidade do texto e a importância da bibliografia do escritor, como repudiam a imperdoável negligência e o injusto esquecimento a que foram relegados.

"O poema e o conto são irmãos gêmeos" (Nilto Maciel)

(Entrevista concedida por Nilto Maciel a Selmo Vasconcellos, para o suplemento “Lítero Cultural”, do jornal Alto Madeira, de Porto Velho, Rondônia, e http://antologiamomentoliterocultural.blogspot.com/ em 5/4/2011)
(Nilto Maciel)


SELMO – Quais as suas outras atividades além de escrever?
Nilto Maciel – Antes de me aposentar, trabalhava num tribunal. Fui também redator publicitário; vendedor de livros, de porta em porta; caixa de restaurante; atendente de mercearia; entregador de carne em restaurante; auxiliar de escritório; almoxarife, etc. Porém, minha função principal sempre foi ler e escrever, quer quando estudante, quer depois de formado.

terça-feira, 12 de abril de 2011

Um pensador e ficcionista português: Agostinho da Silva (Alaor Barbosa*)

(Agostinho da Silva)


Pensando bem, posso dizer que a vida me tem proporcionado, com bastante generosidade, o privilégio de conhecer grandes homens. Um deles foi, com certeza, Agostinho da Silva – um respeitado pensador português (que não se considerava propriamente filósofo, apesar de muitos lhe atribuírem, com ponderáveis razões, essa condição intelectual), professor emérito, ensaísta literário e, verifiquei nos últimos três dias, valoroso ficcionista. Eu o conheci em julho de 1992, em Lisboa, no seu apartamento em um pequeno (se não me trai a memória) edifício localizado bem perto da Basílica da Estrela em um trecho muito simpático de Lisboa: tranquilo e pouco movimentado, embora próximo do centro da cidade. Mas não foi somente por causa da relativa brevidade do trajeto que eu e minha mulher voltamos a pé para o Largo do Rossio, onde estávamos hospedados: andar a pé em qualquer cidade é sempre para mim um indizível prazer a que dificilmente renuncio. Acresce que em Lisboa esse prazer se intensifica, por causa do infinito número de valiosas e tocantes descobertas que nos surpreendem a bem dizer a cada passo. (Nessa volta ao Rossio aprendi, por miúdo exemplo, pegando e vendo um exemplar em uma loja, o que é mesmo essa coisa chamada peúga. E em uma ourivesaria antiquíssima recolhi, com habilidade, uma breve aula sobre os quilates que identificam a qualidade do ouro.)

Quando o rio vier (Astrid Cabral)



O dia em que o rio vier 


se deitar em meu quintal

estendendo seu lençol

sobre as taboas do soalho

não arrancarei cabelos

nem torcerei as mãos.



segunda-feira, 11 de abril de 2011

Por trás de todo terrorista há sempre um homem de cajado em punho (Nilto Maciel)



O artigo “Por trás de todo terrorista há sempre um homem de cajado em punho”, de Bruno Savolino, encontrei ontem em alguns sites. Li-o, mas não o copiei. Hoje, porém, visitei os mesmos sites e não o achei mais. Não sei se Bruno existe, se usou pseudônimo ou se é brasileiro. Da leitura ficaram-me algumas impressões, não exatamente de sua literariedade. A primeira delas é a de que terrorista é aquele que instaura o terror. Alguns têm ideologia política. São usados por teóricos de revolução, para os quais só a violência pode mudar o curso da História. No mais das vezes, terroristas agem em causa própria. Que não é tão própria como se pensa. É dele, de seus assemelhados e dos que os criam.

Canção da água, um romance (João Carlos Taveira*)


O médico Carlos Magno de Melo certamente encontrou na literatura o mesmo que autores como Dante Alighieri, A. J. Cronin, Pedro Nava, Moacyr Scliar, entre outros, vislumbraram, antes, durante e depois do exercício da medicina: a possibilidade de se dedicar também a algo que traz no seu bojo a vida e seus desmembramentos. Tanto a medicina quanto a literatura lidam diuturnamente com problemas humanos e, muitas vezes, se misturam em terrenos patológicos ou psicológicos. Escrever nada mais é do que prescrever soluções para os problemas alheios, com certa dose de alívio e contentamento para quem emite a receita. O médico precisa tanto de seus pacientes quanto o escritor de leitores. E essa correlação, explícita no sentido ontológico, é que, me parece, determina a atração para as duas profissões: o contato com seres fisicamente enfermos e abalados psicologicamente ou seres em busca de beleza e de compreensão da própria vida. Todo leitor, em essência, é um curioso do conhecimento, um potencial aprendiz…

domingo, 10 de abril de 2011

Espelho meu (Belvedere Bruno)



Chego em casa exausta após percorrer várias ruas alagadas pelos temporais. Minha calça jeans pesa. Meus tênis são lama pura. Ao banhar-me, tento retirar a sujeira de meu corpo enquanto reflito sobre as de minha alma.

sábado, 9 de abril de 2011

Versos de Silmar Bohrer



Daquelas manhãs grandiosas,
domingo todo de azul,
manhãzinhas dadivosas
cá pras bandas do meu sul.

Dos céus a magnitude,
dos mares a realeza,

infinitos de grandeza
tão iguais na infinitude.


Horizontes, amplitudes,
mares verdes, céu azul,
latitudes, longitudes,
os caminhos do bom sul.


Destes céus a magnitude,
dos meus mares a realeza,
e eu nunca jamais pude
versejar tanta grandeza.


Barra do Saí, 030411

Silmar Bohrer no Recanto das Letras

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Ciclo/Cicle (Pedro Du Bois)


(Samsara, O ciclo da vida)


Feito mortal


na forma com que se apresenta


explode vidas




sexta-feira, 8 de abril de 2011

Anatomia do ódio (Sander Cruz Castelo*)


Etimologicamente, “alofobia” significa temor ao diferente, ao outro, ao estrangeiro. Tal qual Elias Canetti (1995), Bulcão deposita neste sentimento a origem da falta de deferência ao outro que caracteriza comportamentos de massa da estirpe do racismo. Consoante sua balizada formação autodidata em filosofia da ciência – entre inúmeros outros campos, atestando a erudição e a trânsito fluido entre as disciplinas exigidas nessa especialidade e no ensaio, gênero escolhido –, o autor mobiliza os conhecimentos hauridos nas ciências naturais, notadamente na biologia, no seu esforço de elucidação do fenômeno, prática inusual nas ciências humanas, inclinação maior do escritor.

Carneiros (Claudio Parreira*)




Sempre gostei de carneiros. Minha infância foi repleta deles: carneiros brancos, pretos, verdes; carneiros altos, sorridentes, inquietos, carneiros quadrados. À mesa também estiveram muitos carneiros, que mamãe preparava com um exagero de vinho e pimenta e hortelã.

quinta-feira, 7 de abril de 2011

Dois hojes (Carlos Nóbrega)




Oh menina de ar feliz
e olhar de camafeu
Se houvesse neste mundo
jeito de trocar os dias
trocaria este meu dia
por esse outro dia teu.


Visite Carlos Nóbrega no Jornal de Poesia

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'vida cachorra', de Mariel Reis (Ronaldo Ferrito*)




Certa crítica, se quiser de fato tornar-se contemporânea, deve reagir contra o distanciamento que cria entre si e as obras, quando paradoxalmente quer aproximar-se das mesmas com seus métodos. Lendo os contos do livro — sem maiúsculas — “vida cachorra”, de Mariel Reis, de imediato percebemos a simplicidade imprópria do método que alguns críticos consagraram à literatura que localizam nos subúrbios ou nas periferias. A análise majoritariamente feita (e malfeita) assevera que essa literatura é mimética. Para tais comentadores, a obra do autor espelha a sua realidade, devendo adequar-se a ela para ter sua fundamentação e embasamento. Uma concepção que, além de mutiladora, é irônica, posto que se uma obra não realiza por si o real, também o real — conclui-se — não poderia engendrá-la como obra sua. Não poderia ser, portanto, a base e o fundamento de sua adequação.

quarta-feira, 6 de abril de 2011

Ribalta nordestina (Clauder Arcanjo)





A tragédia realiza-se entre espinhos e cactos;
Dramas, entreatos de homens e bichos, famintos.
A trilha sonora é o ganido de cães lazarentos,
E o chafurdo incontido, cio das magras animálias.
A comédia só se apresenta, personagem vulgar,
Quando a cortina de Tânatos desce seus panos.
E o riso a espoucar nas bocas desdentadas, livres da desdita.
Bravos! Bravos! Bravos!... Ópera-bufa na ribalta nordestina.



Contato: aclauder@uol.com.br
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A grande onda (Ronaldo Monte)




Dentre as mais de trinta mil obras que Katsushika Hokusai deixou, a mais conhecida é a xilogravura “A grande onda de Kanagawa”, publicada em 1830 ou 1831. Ali o artista flagra o enorme contraste entre a força inexorável da natureza e a extrema fragilidade do engenho humano. Uma onda gigantesca ameaça engolir três barcos movidos a remo. Ao longe o Monte Fuji, impassível e soberano, testemunha o embate.

terça-feira, 5 de abril de 2011

Por que passar a vida sem ser notado? (Tânia Du Bois)


“O que é um livro em si mesmo? / É um conjunto de símbolos mortos. / Então aparece o leitor / certo, e as palavras saltam para a vida” (Jorge Luis Borges)

Podemos ser notados de muitas formas na vida. Algumas boas, outras ruins. Ambas ficam marcadas para sempre, como nesta frase, dita num encontro: “Me orgulho de chegar até aqui, sem ter lido um único livro.”

Insônia (Pedro Salgueiro)



Começo de madrugada. Cachorros ladram. Um burburinho chega da vizinhança. Agora um vento frio entra pela clarabóia. De quando em vez um galo canta, e espera a resposta dos outros. Um soluço corta o silêncio na casa ao lado: alguém chora um antigo amor? Um pai lamenta o destino da filha? Ao longe uma sirene, bem mais distante um sino toca. Seria já manhã? Ou todos os ruídos da noite confluíam para aquele quarto simples de subúrbio: todos os lamentos perdidos, súplicas vãs, soluços de arrependimento ecoavam pelas paredes, farfalhavam entre as folhas da acácia, resvalavam nas frestas da persiana — um milhão de minutos pingava no relógio da sala: os rostos dos familiares mortos ganhavam uma nitidez surpreendente. Outro galo confirmava a madrugada, a mesma madrugada de outras épocas, como aquela em que amarraram o bêbado Napoleão no centro da praça — merecido castigo por seu misterioso crime — quando se fecharam todas as janelas: menos uma, logo aquela... a culpada de tudo. Um grilo agora eternizava a madrugada, fazendo com que a manhã fosse uma esperança perdida, um sonho que nunca se realizaria.
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segunda-feira, 4 de abril de 2011

Meus cães, minhas diabinhas (Nilto Maciel)



Acordei tarde, num apetite danado. Passei a noite diante da televisão, a ver mulatas na Sapucaí. Fui à cozinha, fucei a geladeira, voltei à copa. Imaginei mordidas numa pera exposta na pequena fruteira sobre a mesa. Não, melhor me conter e aguardar o bife acebolado e quente do restaurante. Para enganar a fome, rasguei o envelope encontrado na caixinha do correio. Espantei-me: uma revista de capa colorida e meu nome em grandes letras, ao lado de um Peter, de um Otto, de uma Annette. Quase não acreditei no que via. Como fora meu nome parar na parte exterior daquela publicação germânica? Sim, o magazine vinha da Alemanha: Welt der Buchstaben. Embasbacado, ouvi o grito da sirene. Quem seria? Corri ao portão, meti a cara na folha metálica e me assustei: três diabinhas a pular na calçada. Só de uma lembrei-me: Carla Pimentel, a Carlinha da semana passada. Abri o portão, com pressa de celerado. As três saltaram ao meu pescoço e quase me levaram ao chão. Não façam isso! Olhem o povo! Vestiam-se como diabretes, rabos empinados e a balouçar, rostos pintados, toquinhas de variadas cores, saiotes curtos. É carnaval, poeta, é carnaval! Vamos dançar. E se balançavam na direção da porta, arrastando-me feito boneco de Olinda. Por que vieram sem me avisar? Precisa avisar? Quem são suas amigas? Esta é Fabíola, mas pode chamar de Fabi. Abracei-a, beijei-a, de olho na terceira. E você quem é? Eu sou Gabriela, a Gabi. Convidei-as a se meterem na casa: Introibo ad altare Niltei. Carla se apimentou mais: Diabo é isso, meu?