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segunda-feira, 27 de junho de 2011

Peripécias sagazes de Valdivino Braz (Jorge Bechepeche*)

O “Gado de Deus”, de Valdivino Braz, pode ser considerado uma das referências insignes do romance brasileiro


A pertinácia escritural de Valdivino Braz é um cenário de incontido jorro fervilhante e contínuo de galopes fráseos, de lépidos e desvairados petardos estruturais, linguísticos; enfim, um perfilamento e culminação de um remodelismo conjuntivo de décadas literárias. A prosa, com “Cavaleiro do Sol” (1977), e a poesia, “As Faces da Faca” (1978), ressentem-se do assanho impactador de neófito que assoma os horizontes deslumbrantes e irresistíveis da criação literária, mas ainda subjugado pelo imediatismo das temáticas e das influências de autores impregnantes e irresistíveis (como João Cabral de Melo Neto, Carlos Drummond de Andrade, Lêdo Ivo.) que ainda não revelam aquele seu futuro buril raiado que ele instauraria nas publicações posteriores, fantasticamente aguçado, lépido, mordaz, joyceano. Contudo, não se pode negligenciar, além da perpetrante capa de Laerte Araújo para “Cavaleiro do Sol” (ele que sempre acrescenta arte à estetização dos autores), a presença de alvissareiro embrião de forte lampejo estilístico já literariamente representativo nos contos “A Face Oculta da Maldade”, “Que se Passa com Joana?” e “Cavaleiro do Sol”. Nestes, a dotação de linguagem, ao manejar o tema, se lhes cai bem.

sábado, 25 de junho de 2011

Impasses da literatura contemporânea (Alcir Pécora*)




Num debate recente com a crítica Beatriz Resende, organizado pelo Instituto Moreira Salles, expus minha impressão de que o campo literário se encontra hoje numa situação de crise, observável pela relativa perda da capacidade cultural da literatura de se mostrar relevante, não apenas para mim, mas para muitos que estão comprometidos com a cultura: como se alguma coisa se introduzisse nela (sem eventos violentos) e a tornasse inofensiva, doméstica. Um vírus de irrelevância, por assim dizer.

sexta-feira, 24 de junho de 2011

Como surgiu Canudos (Nilto Maciel)


Na comarca de Nova Vila de Campo Maior, depois Quixeramobim, Ceará, nasceu Antonio Vicente Mendes Maciel, no dia 13 de março de 1830, filho de Vicente Mendes Maciel e da parda Maria Joaquina de Jesus. O futuro Antonio Conselheiro foi batizado em 22 de maio. No registro consta apenas o nome da mãe. Vicente, o pai, bebia muito, mostrava-se colérico e apresentava problemas de audição. Certa feita, bêbado, esfaqueou a amante. Analfabeto, mantinha uma loja de fazendas, que ia comprar em Aracati. Quando sóbrio, se fazia cortês, obsequioso e honrado.

Domesticar (Pedro Du Bois)




Amanso o cão
recolho seus caninos
abano o seu rabo:


a fera
é bicho
de estimação
em barateado
contexto


domesticada fera
tomba ao passado: comida exposta
em descanso.
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quinta-feira, 23 de junho de 2011

Ângulos Imaginários (Carmen Silvia Presotto)




suas sombras
aves migratórias


Cada pétala
um dedo
uma folha
teias de tuas aquarelas


Evaporo
em pensamentos
roço palavras
brinco com os dedos
que assombram as paredes


Fenda nua
pelas janelas das ruas
me emolduro ao fantasma
em que me chamas


Sinto tua respiração
as sílabas silenciosas
e me guardo no sonho em que me esperas...

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quarta-feira, 22 de junho de 2011

O Alquimista Kafka* (Emanuel Medeiros Vieira)



Franz Kafka (1883-1924),
três quilos mais magro,
enigmático sorriso no canto da boca,
renasceu numa repartição do INSS,
misteriosa demanda. .
O velho Franz esperou em cadeiras mofadas,
“falta um documento” (voz do sub-burocrata mor)
“o carimbo do órgão K”,
esperou, envelheceu.
Kafka: quieto, longilíneo, gentil e protocolar
(como o seu próprio estilo: cartorário- sutil
relatório para ser lido nas entrelinhas),
contempla uma barata passeando nas bordas
do processo, castelos sonâmbulos,
américas perdidas (inúteis caravelas),
Esperou mais – sorriso insubornável,
Franz Kafka retira-se –
plagas que não conhecemos.

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*Este poema obteve o 3° lugar – concorrendo com mais de 700 trabalhos em evento de âmbito nacional – no III Varal de poesias da UNIFAMMA – Faculdade Metropolitana de Maringá, Paraná, 2008.

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O poeta se despede (Carlos Nóbrega)


 
Fechar o zíper dos cílios,
fechar a braguilha do olhar:
Calmar o falo do olho
que em tudo que vê quer tocar.
Parar de ter fome e sede
por toda palavra que há,
Jogar o corpo na rede
jogar a alma no ar,
Deixar a alma brincar
o jogo da amarelinha
até que ela chegue ao Céu
Até que não seja mais minha.
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Do livro Árvore de manivelas

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segunda-feira, 20 de junho de 2011

Conversa de Marcia Barbieri com Nilto Maciel

“SE FOSSE ETERNA, JAMAIS ESCREVERIA”
(Marcia Barbieri)

Conversei com Marcia Barbieri por correio eletrônico. Eu em Fortaleza, ela em São Paulo. Não nos conhecemos pessoalmente. Marcia Barbieri é paulista. Formada em Português/Francês pela UNESP, pós-graduanda em Prática de Criação Literária, organizado pelo escritor Nelson de Oliveira. Tem textos publicados nas revistas literárias Coyote, Polichinello, Cronópios, Germina, Escritoras Suicidas, O Bule e Meio Tom. Lançou em 2009 o livro de contos Anéis de Saturno, pelo Clube de Autores. Lançará em julho um livro de contos intitulado As mãos mirradas de Deus, pela editora Multifoco. É colunista das revistas literárias eletrônicas O Bule e Sinestesia Cultural. Foi colunista da revista eletrônica Caos e Letras. Edita o blog: A Vida Não Vale Um Conto E-mail: marcia_barbieri@hotmail.com



Sem objeto (Mariano Shifman*)

Tradução: Ronaldo Cagiano



Não sou Wallace Stevens descrevendo
dois amigáveis marcianos

Nem William Carlos Williams conduzindo
o presumido sonho americano,
nascido entre os estilhaços de um hospital

Apenas sustento esta lenta vigília
amarelecida antes de se esverdear
funesta fruta sem suco

prisioneiro de sua feroz consciência.


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*Nasceu em Lamas de Zamora (1969), onde vive. Formado em Direito, tem publicações em diversas antologias e revistas literárias. É autor de “Punto Rojo” (De Los Cuatro Vientos Editorial, 2005), que obteve o 1º lugar no XI Certame Nacional de Poesia e Narrativa; e “Material de interiores” (2010).

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domingo, 19 de junho de 2011

Pai (Teresinka Pereira)



Foste a seiva compartilhada
que se transformou em minha vida.
Quando eu nasci me registraste
e pelo resto da vida
confirmaste este incondicional
amor de pai.

sábado, 18 de junho de 2011

Duzentos livros indispensáveis (W. J. Solha)


(Homero)

Will Durant – filósofo, historiador, escritor americano – fez, há muitos anos, uma lista dos cem livros que ninguém, culto, poderia deixar de ter lido. Mas o rol me pareceu, de imediato, muito sujeito ao lugar e à época em que nasceu e viveu seu autor, donde deduzi que uma relação minha teria de ser em grande parte diferente da dele. E aqui está ela, a pedido do poeta de Ilhéus, Fabrício Brandão, claro que sujeita às minhas limitações. Uma delas foi a de que não consegui levantar cem, mas duzentas obras sem as quais não poderíamos nos dar por satisfeitos.

Desvio de função (Ronaldo Monte)


A partir de certa idade, o que mais nos faz perder tempo é o que chamo de desvio de função. Esclareço. Se eu estiver indo em direção à cozinha pegar um copo d’água, não me peçam para apagar ou acender uma luz. Daí eu posso ver se o portão lateral está fechado, depois vou aguar as plantas e depois me sentar no terraço para terminar de ler o jornal. Somente aí é que vou me lembrar que estou com sede. E saio de novo em direção à cozinha na esperança de que não me peçam para apagar ou acender nenhuma luz.

sexta-feira, 17 de junho de 2011

A cor do medo (Tânia Du Bois)


(Pormenor de pintura hindu representando Kali, a deusa associada à destruição e morte.)

A cor do medo é transparente e por vezes (in)visível como em Pesadelo, cantado por Maurício Tapajós e Paulo César Pinheiro, “... olha o muro, olha a ponte / olha o dia de ontem chegando / Que medo você tem de nós.../ Você corta um verso eu escrevo outro / você me prende vivo eu escapo morto...”

quinta-feira, 16 de junho de 2011

Escritores (Pedro Salgueiro)



I - Esses viventes estranhos, metidos a querer saber de quase tudo, a ser “antenas da raça”. São seres falíveis, feito quaisquer unzinhos; cheios de defeitos, pululam por aí emitindo opiniões sobre o planeta e arredores. Dariam uma enciclopédia em cem volumes todas as previsões, dicas e besteiras que proferiram pelos tempos afora.

quarta-feira, 15 de junho de 2011

Carmélia Aragão e a transparência dos seres (Nilto Maciel)


(Pedro Salgueiro, Carmélia, Nilto, Aíla Sampaio e Raymundo Netto, numa festa literária, em Fortaleza)

Achava-me numa praia, sentado na areia. Ninguém à vista, nenhum banhista, nenhum pescador. À esquerda, centenas de pequeninas tartarugas corriam para as águas. Como se aquilo eu visse todo dia, voltava a olhar para o mar. Que fossem cumprir seu destino. Pássaros sobrevoavam as ondas. Aqui e ali, salpicavam luzes na crista agitada do monstro. Ondinas em constante saltitar. Uma delas, porém, me pareceu mais nítida, insistente, como se viva estivesse. E crescia aos meus olhos ou de mim se aproximava. Que seria? Como me fazia falta um binóculo! Não, não precisava disso. O corpo, cada vez mais próximo de onde eu me encontrava, lembrou-me uma sereia. Primeiro vi os cabelos molhados, longos, escuros. Rosto de mulher. Mostraram-se o pescoço, o colo, a veste branca. Não nadava, flutuava. Assustei-me, cocei a cabeça, esfreguei os olhos. Meu Deus, vinha ao meu encontro aquela mulher saída do mar! A sorrir, faceira, pernas à mostra.

terça-feira, 14 de junho de 2011

Friedrich (Mariano Shifman*)

(Tradução: Ronaldo Cagiano)



Suprir o cinza das leves vitórias,
o tempo das horas, o ouro da areia;
roçar os fundos e não rezar
por um princípio de água igual.
Perder-se no eco de um castigo.
Gozar o espanto da derrota.

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*Nasceu em Lamas de Zamora (1969), onde vive. Formado e m Direito, tem publicações em diversas antologias e revistas literárias. É autor de “Punto Rojo” (De Los Cuatro Vientos Editorial, 2005), que obteve o 1º lugar no XI Certame Nacional de Poesia e Narrativa; e “Material de interiores” (2010).

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Certos versos de um domingo (Silmar Bohrer)



Nuvenzinha tão bonita
nas paragens ali do céu,
parece rima favorita
ambulando de déu em déu.

segunda-feira, 13 de junho de 2011

Pindorama (Raymundo Netto)




Que pesavam sobre as caravelas,
Escaras velhas,
Monótonos fados enfadados
Lusos emboabas mascates
Mascotes de Império
Em pústulas, postulantes de epístolas de apoderação

Poder Ação
E Morte.

Três momentos de poesia (Nilto Maciel)


(As três musas)

Infelizmente, não tenho tempo e disposição para resenhar os livros que me mandam. Peço desculpas a meus amigos e àqueles que mal me conhecem. Pois livro é para ser lido, comentado, estudado, divulgado. Semana passada, escrevi pequeno artigo a respeito de quatro coleções de prosa de ficção. Hoje é a vez do verso. São apenas três: Borboletário (Rio de Janeiro: Confraria do Vento, 2011), de Maria de Fátima Maia; Estesia (Brasília: André Quicé, 2010), de Napoleão Valadares; e Poemas / Versek (Goiânia: Kelps, 2011), de Alice Spindola e Lívia Paulini.

domingo, 12 de junho de 2011

As dimensões eólicas da poesia de Dimas Macedo (Inocêncio de Melo Filho)

(Dimas Macedo)

 
“Um poeta é sempre irmão do vento e da água: deixa seu ritmo por onde passa”. Estes versos de Cecília Meireles traduzem o sentido da vida do poeta Dimas Macedo e de sua obra. Sua poesia se irmana às águas do Rio Salgado e ao vento que percorre os caminhos da sua literatura.

sábado, 11 de junho de 2011

Jesus, cidadão romano? (Clemente Rosas)





Já refletiram os leitores sobre o curioso fato de que não há qualquer registro da vida do famoso rabi da Galileia, também chamado Cristo, entre seus doze e trinta anos? Esse claro na história do grande místico oferece espaço para escritores não religiosos, seguindo uma tendência da literatura moderna, tecerem nele a sua ficção, como Dan Brown, em “O Código da Vinci”, e outros menos cotados.

Socialismos (Manuel Soares Bulcão Neto)



O professor Paulo Sandroni, no opúsculo que escreveu para a “Coleção Primeiros Passos” (Teoria da mais-valia. São Paulo: Editora Brasiliense, 1985), conta que, certa vez, em visita a um amigo marxista, conversavam sobre as arbitrariedades da ditadura militar, prisão de operários e quejandos, quando um menininho, filho do anfitrião, interrompeu-os e, cheio de indignação, disse: “A culpa é dos hamburgueses!”.

sexta-feira, 10 de junho de 2011

Esconde-esconde (Ronaldo Monte)



A memória brinca de se esconder comigo. Certos fatos correm de mim agora, e só mais tarde ou nunca mais mostram sua cara. Esta semana mesmo, a memória me pregou uma peça. O escritor Nilto Maciel, um caro amigo virtual, mandou um e-mail dizendo que tinha postado uma crônica minha no seu blog. Fui lá conferir e tomei um susto, pois o texto estava ilustrado com uma foto da pequena Ana Torrent no filme “Cria Cuervos...”, do Carlos Saura. Intrigado, perguntei ao Nilto se ele era algum médium sensitivo pitonisa, ou se tinha algum informante dentro da minha casa, pois de alguma forma ele sabia que eu tinha comentado o “Cria cuervos...” no sábado passado, no cine-clube do Zarinha Centro Cultural. O Nilto não demorou muito para desfazer minhas suspeitas sobrenaturais. A informação sobre o filme estava justamente na minha crônica que ele havia publicado. Eu simplesmente tinha me esquecido deste detalhe.

Fatos (Pedro Du Bois)




Rarefeito em esperas


apresso o fato: pelas esquinas


ventiladores espalham efeitos


em papéis de balas




(descumpro a promessa do encontro


e me encastelo em nobre causa)




avanço o instante


e me deparo em retorno




fujo ao contato




(desarrumo os papéis sobre a mesa


e me instalo: a campainha


toca ao recado).

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quinta-feira, 9 de junho de 2011

Reflexos maternos (Carmen Silvia Presotto)




O Poço

Chuva de soleira


tiro a roupa do poço.


De uma vagorosa calha


sonolenta,


revejo-me em minha mãe

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Quatro livros de prosa de ficção (Nilto Maciel)



Como tenho dito em crônicas ou comentários, recebo muitos livros. Não leio tudo, por falta de tempo e disposição. Se não leio na íntegra, não tenho como escrever resenha. Termino em rascunho de notícia. Para facilitar o trabalho, separo os livros por gênero ou origem. Sendo assim, hoje me dedicarei a quatro volumes de contos e crônicas recebidos em abril e maio de 2011. Dois vieram de Minas Gerais, um de Santa Catarina e o outro daqui mesmo. São eles: Galos e solidão (Cataguases: Do Autor, 2009), de P. J. Ribeiro; Silas (Natal: Jovens Escribas, 2011), de Sérgio Fantini; Entre oito paredes (Fortaleza: Gráfica LCR, 2008), de Brennand de Sousa; e Pequeno álbum (Blumenau: Editora Hemisfério Sul, 2009), de Viegas Fernandes da Costa.

quarta-feira, 8 de junho de 2011

Endereço (Emanuel Medeiros Vieira)



Perdi (perdemos) o endereço de Deus.
Perdi (perdemos)?
Estará no bolso da calça, na segunda gaveta, no trapiche da Praia de Fora,
no Parque da Redenção, na Praça Castro Alves, na esquina da São João com
a Ipiranga?
Perdi o endereço de Deus.

Estará escondido na clandestinidade, dormindo em quartos com cheiro de mofo – Neocid
para as pulgas –, ou nos interrogatórios no DOPS?
Nas fugas apressadas?
Perdemos o endereço de Deus,
mas temos todos os aparelhos eletrônicos,
da China, do Paraguai, dos Estados Unidos.
E sempre quereremos mais, mais,
cerveja gelada anunciada pela loira gostosa, o carrão com a estrela da TV,
o último produto – ansiedade perpétua, e continuaremos ansiando:
e, quando chegar a noite, desmoronaremos.

Não te preocupes (Carlos Nóbrega)

(Toulouse Lautrec, Crouching Woman Red Hair, 1897)


ao ficares nua


o meu olhar te veste


com a veste mais linda


que já tiveste.

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terça-feira, 7 de junho de 2011

Talvez... (Tânia Du Bois)

“Talvez a felicidade / não possa ser descrita, dita / cantada em prosa e verso.” (Pedro Du Bois)



É curioso o destino que a palavra Talvez recebe dos escritores. Eles misteriosamente optam pela multiplicação do silêncio, do que o multiplicar das páginas. Talvez... são dúvidas que abrem caminhos.

Manuel Bulcão e o tremeluzir das deusas (Nilto Maciel)



(Bulcão, o gordinho)

Numa noite de 2007, no bar do Assis, na Gentilândia, Pedro Salgueiro e eu bebíamos cerveja e falávamos da eterna e diária lengalenga de escritores que se acham gênios e, apesar disso, não conseguem, sequer, um lugarzinho nas chamadas antologias de poemas, contos ou crônicas. Trazida (pelo próprio Assis) a quarta garrafa, propus-me ir ao banheiro e, distraído, me ergui. No entanto, por um triz não volvi à posição de frequentador de boteco ou não tombei morto, tal o susto tomado: cercavam-me dois indivíduos corpulentos, risonhos e tagarelas. Boa noite, boa noite. Minha primeira sensação, logo desfeita, me lembrou a de vítimas de assalto. Salgueiro tratou de fazer as apresentações: Nilto, este é o contista Felipe Barroso; e este é o filósofo Manuel Bulcão. Como ando sempre a delirar com as palavras e os nomes próprios, imaginei ser Felipe sobrinho de Juarez Barroso, e o outro, neto de Soares Bulcão. Gerada a confusão, todos a falar ao mesmo tempo, ouvi (ou suponho ter ouvido) vagos elogios ao velho poeta cearense e à sua filha Florinda, a atriz. Vieram-me à lembrança cenas do filme Investigação sobre um cidadão acima de qualquer suspeita, a que assisti no Cine Diogo, se não me engano.

segunda-feira, 6 de junho de 2011

Olha só o Solha! (Ivo Barroso)

(Publicado originalmente no blog gavetadoivo.wordpress.com)

(W. J. Solha)


Já li e recomendo O relato de Prócula, desse homem dos sete (só?) instrumentos: poeta, romancista, jornalista, ator de teatro e cinema, pintor impressionista, expressionista e outros istas, autor de libretos de ópera, conhecedor profundo de cinema, seus astros diretores etc. – enfim, o factótum literário mais realizado que conheço: W. J. Solha. O livro é um conflito entre o sentimento religioso do padre Martinho e sua vocação carnal desenfreada. E a tese do porquê da defesa de Jesus por Pilatos, uma revelação até agora insuspeitada. Solha, paulista de Sorocaba, radicou-se em João Pessoa-PB, aumentando a valorização daquele território onde se pode encontrar o maior número de intelectuais por metro quadrado no Brasil. O livro tem profundidade ideológica, além de ser uma conquista estilística entre o sinfônico e o cordel, ganhador de uma bolsa da Funarte e finalista do prêmio Jabuti. Mas Solha é muito mais que isto: sua História Universal da Angústia escarafuncha as profundidades anímicas de Saul e Parsifal, de Édipo e de Hamlet, etc. fazendo deles personagens dialogáveis entre nós. Seu Trigal com corvos (prêmio João Cabral de 2005) é uma palheta transbordante de cores e de sons poéticos. O blog em que escreve, www.eltheatro.com, é um espetáculo de erudição pictórica. E vai por aí. Confiram.

Mulher (Teresinka Pereira)




Mulher,


dona de viver a metades


e de solidão,


de entregar o amor total


e de ser solidária


sem descanso.


Mulher,


algum dia chegará


a hora de gozar


do poder de teus sonhos!

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domingo, 5 de junho de 2011

A volta (Silmar Bohrer)






O bom retorno à praia
é fato sempre alvissareiro,
além do verso companheiro,
os eflúvios da essência gaia.


Os nossos céus de brigadeiro
com esses ares litorâneos
trazem bafejares consentâneos
pra versejar o dia inteiro.


Nestas frias calendas de maio
tenho me feito de aio
alguma rima a apascentar,


Caminhando pelas areias
desamarro minhas peias
e me vou longe a divagar.

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sábado, 4 de junho de 2011

Da boca vinha uma brisa (Nuno Gonçalves)


da boca vinha uma brisa, uma fresca com gosto de rede. da boca vinha uma espera que em nada lembrava promessa, uma ardência lambuzada de melancolia, vinha algo difícil de descrever. ao menos com essas palavras que me deram, essas que vêm desde antes mesmo d’eu nascer. às vezes me sinto um rio largo desesperado com as águas das chuvas, com sua insuficiência em matar minha sede e aplacar a fúria do sangue de minha memória. daquela boca vinham tempestades, lembro um dia que dela saiu uma asa, aquela boca era uma rota,

Joan Edesson: plantador de borboletas e outros seres (Nilto Maciel)



(Joan Edesson)

Não conheço Joan Edesson. Falavam-me dele: escreve bons contos, mas ainda não publicou livro. Encontrei umas narrativas dele em revistas e concordei com os críticos. Quando me dedicava à elaboração do estudo Contistas do Ceará, ele me enviou um conjunto de histórias curtas, que reuniu no volume O plantador de borboletas (Fortaleza: Expressão Gráfica e Editora, 2011), uma das obras selecionadas no Edital de 2010 da Secretaria da Cultura do Ceará, Prêmio Moreira Campos (categoria conto). E me enviou pelo correio.

sexta-feira, 3 de junho de 2011

Sempre gostei de rosas vermelhas! (Daniel Lopes)




Difícil é te explicar porque foi que eu resolvi escrever depois de tanto tempo. Tudo parece tão absurdo que eu não consigo sequer imaginar um meio de começar a te contar. Talvez pelo início seja o melhor meio, mas é difícil também saber onde e quando tudo se iniciou. Vou começar então por onde a gente terminou. Naquela manhã chuvosa de domingo em que te perdi pra sempre. Talvez tudo tenha começado exatamente naquele momento, quando comecei a descer as escadas pra fugir do teu quarto e continuei a descê-las, mesmo quando cheguei ao porão. E continuei a descê-las, mesmo quando não havia mais escadas e eu arranquei as lajotas com as mãos e continuei a cavar e a descer até me embrenhar entre os vermes, longe das flores. Você sabe, sempre gostei de rosas vermelhas, embora aqui embaixo nunca tenha havido muitas delas.

Quando morre um poeta (Pedro Salgueiro*)

“Eu sou eu, íntegro e inviolável dentro de mim mesmo. (…) O que está no limiar e afogado no abismo.” (José Alcides Pinto, 10/09/1923 — 03/06/08)

(José Alcides Pinto)
 
Quando morre um poeta o mundo fica lastimavelmente mais pobre. Terrivelmente mais triste. Inevitavelmente mais feio. Às 11h15min de um sábado, dia 31 de maio de 2008, um imenso dragão, disfarçado de motocicleta, atacou impiedosamente o velho poeta, de 85 anos, José Alcides Pinto, em plena Rua General Sampaio, bem em frente ao palacete conhecido como Vila do Barão, de ladinho da Praça da Bandeira, nos arredores da Faculdade de Direito do Ceará.

quinta-feira, 2 de junho de 2011

Elizabeth Taylor (Teresinka Pereira)




Todas queríamos ser
Elizabeth Taylor.
Uma vez pintei
meu cabelo de negro
e calçava sapatos
com saltos tão altos
que não podia equilibrar-me
sobre meus anos juvenis.

Dar/win (Mariano Shifman)

(Tradução: Ronaldo Cagiano)



... las mariposas oscuras sobreviven sobre las cortezas oscuras...
las mariposas oscuras sustituyen a las mariposas claras...
“Las raíces de la vida” - Mahlon Hoagland


E se nasces mariposa em Birmingham
– a obstinada vida impõe suas regras –


Tudo se resume a adaptar-se
ou morrer;


negras deverão ser tuas horas
para a ilusão da hora nova.


A fóssil árvore que te ampare,
a fuligem em que te convertes


terão a cor de um céu
que espera
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*Nasceu em Lamas de Zamora (1969), onde vive. Formado e m Direito, tem publicações em diversas antologias e revistas literárias. É autor de “Punto Rojo” (De Los Cuatro Vientos Editorial, 2005), que obteve o 1º lugar no XI Certame Nacional de Poesia e Narrativa; e “Material de interiores” (2010).

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quarta-feira, 1 de junho de 2011

Literatura fantástica no Ceará (Nilto Maciel)


Apesar de a literatura, seja ela oral ou escrita, ter se originado da necessidade de um homem contar a outros o não-visto, o não-ouvido, o não-sabido, o não-sentido, o não-explicável ou o inexplicável, demorou muito até os estudiosos se debruçarem sobre a literatura do mistério, do estranho, do ilógico, do irracional, e a aceitarem como uma das vertentes da arte. Antes de Todorov, ninguém se ocupou tanto dela. Ninguém se preocupou em lhe dar nome certo: literatura fantástica. Nos compêndios de história liam-se apenas expressões como “fulano tem imaginação prodigiosa”, “sicrano vai da fantasia mais pueril ao...”. Passados anos e estudos, a literatura fantástica ainda é vista com certo desdém. Como o são a literatura policial, a literatura erótica, a literatura infantil e outras.