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sábado, 24 de setembro de 2011

Caminhada (Assis Coelho)


Os dois caminhavam, tombando. Pareciam levados pelo vento. Um, mais abastado, possuía um chinelo. O outro descalço. Seguiam indiferentes a todos. O menos bêbado sobraçava um saco de papel. Era fácil imaginar o conteúdo. O descalço parava tentando suspender a bermuda que relutava em cair. Por estar menos bêbado, ainda mantinha uns resquícios de decência.

Parece que levavam a certeza de que tinham de ir em frente. Para onde? Para quê? Continuavam indo em frente, embora tudo lutasse pelo contrário.

Paravam, de vez em quando, tomando sôfregos goles que caíam em suas barbas crescidas e amareladas pela nicotina.

Na tentativa de manter certo equilíbrio, o baixinho, descalço, empunhava a barriga para frente, arqueando o corpo, dando-lhe um ar patético, mas necessário para seguir em frente. Mesmo com grande dificuldade de equilíbrio, parecia andar levemente. O outro seguia em frente, tentando demonstrar um ar de superioridade, por estar um pouco menos embriagado.

Por um momento, o baixinho encostou-se num poste, articulando palavras incompreensíveis e gestos que indicavam pedidos de espera ao companheiro que seguia em frente.

O outro seguia, determinado a chegar a algum lugar que ele mesmo não sabia dizer qual era. Relutava, também, em parar e perder o equilíbrio. Cair naquele momento seria inaceitável, pois não atingiria o objetivo traçado num momento fugaz de lucidez.

Com essa vontade inexorável de avançar, o baixinho passou sem perceber o sinal vermelho, atravessando-o, sem olhar para os lados e sem ouvir os xingamentos que se seguiram. Seguiu indiferente. Súbito, olhou para trás, lembrando-se do companheiro. Viu muita gente parada ao redor de um corpo caído. Não conseguia distinguir quem estava no chão. No meio de tanta gente, não identificava o companheiro. Será que tinha caído, como era de costume, e ficado pelo chão? Melhor seguir em frente. Depois se encontrariam.
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