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domingo, 30 de outubro de 2011

Coisas Engraçadas de Não se Rir XII: Literatura Para Quem? (Raymundo Netto)



Nunca gostei ser chamado, ou às vistas, de intelectual. Claro, o criar, como o escrever, é ação intelectual, pois de empregar mente e espírito. Por outro lado, quando o intelectualismo prima da racionalidade em despeito às emoções, perde para mim toda a graciosidade. Prefiro vejam-me artista, é como me gosto ser, mesmo apoucado, aprendiz, seja como for ou quiserem. A arte, cuja matéria-prima é a palavra, esta sim, me apraz.

Os intelectuais, forma geral, são por demais atentos, leem de tudo e escrevem sobre, discursam, trocam ideias, confabulam, e pela humanidade da qual não escapam — embora uns ambicionem emergir a ela em sobranceria estomacal — glorificam-se de deléveis vitórias em debates cerebrais. O mundo precisa deles, não resta dúvida, mas longe de mim, dessa forma não sou e anuncio, resultando em estranhamento, até em antipatia, por alguns a entenderem como arrogante o meu desapego à honraria que sequer mereço nem faço questão.

Confesso: não gosto de ler de tudo; por das vezes, escapo-me às leituras recomendadas. Dias há a desligar-me de todas as coisas do mundo: política — atemoriza-me a visão de fotos em acenos sorridentes cuja legenda traz a palavra “aliança” —, economia, conflitos mundiais e da violência — páginas de nunca ler nem assistir, bastantes as de me chegar involuntárias.

Enfim, sou apenas assim, ligado a saber mais, e não só, das coisas do âmago das gentes, de suas vidas corriqueiras, das coisas engraçadas de não se rir, ou mesmo daquelas de se lascar de rir, mas de íntimas humanidades, folhas de não se deixar levar ao vento.

Outros há que fazem pirotecnia da sua literatura. Escritores de preferir — e precisar malsofridamente — o apavonado reconhecimento de intelectual. Acham-se cultos, no sentido erudito — quase exclusivo — do termo, e escrevem com monotonia ou ilegibilidade, em experimentalismos a acobertar-lhe a ausência ou excessos de conteúdo pelo garimpo artificial do vernáculo. Curiosamente, se enfurecem com o não reconhecimento de seus palavrórios a deixar o leitor a ver navios, isto é, se inda conseguir proporcioná-lo ao menos esse deleite.

Sou livre: não leio nada que não seja do meu gosto. Dou-me sempre, porém, a chance de arriscar ou de surpreender-me — felizmente, muito acontece. Não sou ensaísta, resenhista, nem crítico. Leio por gostar e pouco me impressiona assinatura de autor. Na minha simples, talvez ignorante, visão das coisas, conheci picassos que não deixaria enfearem minhas paredes.

Acho lindo quem sabe de cor poemas inteiros, frases marcantes, nomes de personagens e títulos de livro. Tenho vários amigos queridos de ser assim. Adoro escutá-los e aprendo com eles. Eu, pobre desmemoriado a não saber nem do número do próprio telefone, sem pressa de publicar ou de me chegar onde não sei, por aqui, atrevo-me em perigoso direito de pensar alto. Entre tantos, na primeira vez de ler “Os Maias”, quanto mais eu o lia, mais ânsias me tomavam. Motivo? O livro precipitava uma conclusão. Passava dias a deixá-lo quieto, de canto, diante do temor de encarar o instante do cerro da quarta capa, tão companheira e bela me era a sua leitura nos dias chatos, enjoado que sou, de quase todos os.

Raymundo Netto. Contato: raymundo.netto@uol.com.br
blogue AlmanaCULTURA: http://raymundo-netto.blogspot.com
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