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sábado, 5 de novembro de 2011

A separação (João Soares Neto)



Tudo tinha sido mais rápido do que ela imaginara. Um casamento de 36 anos havia ido para o espaço como uma balão a gás que desaparece entre as nuvens. Não havia motivo específico. Um cansara do outro. Não gostavam mais de conversar, liam jornais diferentes, cada um comia do seu jeito sem hora marcada e o quarto de casal era só dela, com todas as fotos da família que não lhe davam mais prazer, nem anestesiavam a dor do filho quase imberbe morto na Guerra do Golfo Pérsico, um dos poucos americanos que voltara para casa em caixão de zinco coberto pela bandeira nacional.

Foram apenas duas audiências na Corte Municipal de Manhattan. Advogados polidos, juiz entediado, meirinho solene e ninguém mais da família. O filho vivo casara cedo e morava em Detroit com a nora, a quem vira apenas em um desastroso Dia de Ação de Graças. Depois, falavam umas poucas vezes por ano. Tudo muito rápido, educado mas sem nenhum calor, honrando a polidez que herdara da fria avó inglesa.

O juiz apôs a data de 10 de setembro de 2001 e assinara a sentença da separação. Ela e ele fizeram o mesmo, em seguida, paradoxalmente com a velha caneta Parker azul dos tempos em que ainda se amavam e trocavam bilhetes. Os advogados, ávidos por seus honorários, rubricaram as folhas sem ler e assinaram, pois tudo tinha sido consensual e civilizado. Ela ficaria com o apartamento da rua 59, ele com a casa de Long Island.

O dinheiro aplicado conjuntamente durante toda a vida em um fundo conservador e confiável seria dividido igualmente entre as partes. A cada um caberia 670 mil dólares, já descontados os impostos.

Saíram polidamente da Corte, rumos diferentes, após terem marcado para o dia seguinte, às 8.30 da manhã, o encontro final do encerramento da conta conjunta e darem destino individual ao dinheiro.

Ela havia feito uma exigência esquisita: queria receber o seu dinheiro em espécie. Seu advogado tentou demovê-la, mas ela foi irredutível. Era como se toda uma vida ficasse representada pelas cédulas que gostaria de ver, contar, pegar e até reaplicar, mas precisava antes desse ritual. Telefonaram para o fundo e só o fato de serem antigos clientes é que fez o gerente concordar com a esdrúxula idéia.

Às 8:30h encontraram-se no grande hall, subiram calados as oito dezenas de andares que o elevador eletrônico vencera em segundos. Foram atendidos em sala especial pelo gerente. Mostraram a sentença do juiz, sentaram, assinaram documentos e uma gerente amuada abriu a caixa onde estavam os 670 mil dólares.

Ela pediu que colocassem o dinheiro em montes de cédulas com dez mil dólares cada em cima da mesa de tampo de vidro. Queria vê-los, senti-los como o produto material de uma vida comum que já não existia mais. Olhou para os 67 pequenos montes, respirou fundo, deu um muxoxo, e riu da coincidência: acabara de completar 67 anos. Fechou os olhos em devaneio e nunca mais os abriu.
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