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sábado, 10 de dezembro de 2011

Posfácio de ouro* (Antenor Laurentino Ramos)


Li, gulosa e gostosamente, “Gente de Ouro”, mais um dos admiráveis livros de Franklin Jorge. Nunca vi alguém pra escrever tão bem assim!

Os seus personagens são verdadeiros, são de carne e osso. Quem não os conhece? Que descrição notável de tipos humanos, essa de Franklin! Estão bem pertinho de nós. Existem em todos os lugares e em todos os tempos. É verdadeira galeria.
Costumo dizer que todas as cidades do interior se parecem. São as mesmas, as figuras folclóricas: o Padre, o Juiz de Direito, o Delegado, o Prefeito, um doido, uma rapariga famosa, um bêbado, um gay... Desconfio que Franklin Jorge não escreve ficção. É tudo tão real ali.

Além disso, a sua maneira singular de contar uma história. Repito o que dele tenho dito: não se sabe quem narra o fato ou quem dele participa, quem é o leitor. Há uma cumplicidade constante; eles se confundem. Quando menos se espera, lá estamos, também, dentro da narrativa.

Em suas paisagens humanas, os tipos são parentes nossos; há um certo ar de familiaridade entre eles e nós, e é isso o gostoso de sua prosa.

Não sou crítico literário, mas acho que, como leitor, encontro confirmação nos que o leem.

O homem que era doente, que nasceu prematuro e que devia se chamar Felipe, mas não foi. Toda hora, a se negar de falar sobre sua vida, e sempre falando... E o comerciante que, na sua loja de tecidos, só tinha fiado para mulheres bonitas. Terminou falido! Existe gente mais engraçada do quem esta? E a mulher, sempre otimista, vendo, tal Candide de Voltaire, o lado belo da vida? “– Oh, que beleza!” Pode a gente não se rir ou não se emocionar com personagens assim? E o casal mentiroso, a mulher a reforçar as mentiras do marido com mentiras também? A da agulha é demais!

E segue, sem cessar, esse desfile de tipos marcantes! Só num Balzac, por ele citado, a gente encontra. Franklin Jorge é o nosso Balzac papa-jerimum. Dá-nos um belo retrato de toda uma sociedade plena de figuras humanas. Em cada livro que escreve, mais figuras conhecemos. É delicioso!

A mulher barbada e o homem que arengava com as pessoas que tomava banho. Para ele, uma ofensa imperdoável à saúde. Parabéns, grande escritor!

É pena que pessoas haja em nossa província, os medíocres ilustrados daqui que, por meio do Saber Oficial, os chamados guardiões das Letras, não nos deixem melhor conhecer e saborear a beleza de sua obra. De uma beleza que só tem paralelo, ousamos afirmar, na gostosa e invulgar prosa de um José Lins do Rego ou no dizer expressivo e simples de um Câmara Cascudo porque de pessoas que sabem escrever.

São mais partidários, isso sim, do “cria fama, deita na cama”.

Franklin é filho múltiplo do solo potiguar. Não é escritor de um lugar só. Como memorialista, é filho simultâneo do Ceará-Mirim, do Assu, de Macau, de Mossoró. Quantas histórias e quantos personagens nelas se repetem! Eu, que carrego nas veias, o sangue de Nova Cruz, sinto-os perto de mim, perto da cidade Rainha do Agreste. São todas elas, Ceará-Mirim, Assu, Macau, Mossoró e Nova Cruz, cidades-gêmeas pelo que delas se conta e por seus habitantes, personagens incomparáveis, e é Franklin quem faz isso! Que belo retratista que ele é!

Com sua narrativa magnífica, cheia de humanidade, torna-nos partícipes desse maravilhoso conluio literário que é o de vivermos a sós e ao mesmo tempo, num só universo ficcional. Há nesse lugares, tratados poeticamente pelo autor, um ar de proximidade que nos toca.

O nosso idioma é o mesmo, o da sensibilidade pelo que é belo na palavra, menos no seu aspecto exterior e muito mais por sua essência. É ele, Franklin, criador dessa proeza sem igual, já que escrever bem não é para todo mundo.

Merece ser mais lido e considerado pelos cultores das letras do nosso Estado. Que explicação há para o silêncio em torno desse grande poeta? Acho que só a inveja ou o medo explicam isso. Medo do seu talento ou inveja de se sentirem ofuscados por aquilo que de bonito produz em nossa literatura. Acredito que, num dia próximo ou distante, terá esse reconhecimento, e não será favor nenhum!

Não é novidade, por fim, que entre nós, artistas do seu porte, não diria, sejam ignorados, mas pouco divulgados. Sua obra é vasta e da melhor qualidade. Nada impedirá o seu sucesso literário. Continue, Franklin! Eu repetiria o que Nabuco disse de Rui em seu livro “Minha Formação”. Você é uma celebração, uma máquina gigante de Saber. Não é à toa que traz, em seu DNA, a herança intelectual de um Edgar Barbosa, meu ex-professor da antiga Faculdade de Direito e o maior estilista da Literatura Potiguar que conheci.

Salve, Franklin!

*Posfácio ao livro "Gente de Ouro", de Franklin Jorge [inédito].
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