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quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

Resumo das manhãs (Ronaldo Monte)



Nossos pés descalços na praia descalça caminham esta manhã que mal começa e já nos deu tudo o que pode uma manhã. Um azul luminoso, um vento generoso e um espelho de mar ávido de horizontes. As casas ainda sonolentas jorram pessoas sonolentas em busca dos mais diversos destinos. Mas nossos passos andam alheios a qualquer destino. Tudo o que temos a decidir é o momento da meia volta que nos mostrará o lado da manhã que se ensaia às nossas costas. Pouco importa o nome dos passarinhos que brincam de ir e vir com as lâminas de água que avançam e recuam pela orla. Não sabemos bem o que eles fazem, mas parecem se divertir. Claro que o ritual deve ter uma finalidade para o bem da espécie. Somos nós que brincamos de ver. Nesta manhã luminosa, somos dois seres despidos de qualquer gravidade. Nossos sentidos e nossa razão estão alheios a qualquer coisa ou acontecimento que exceda os limites deste invólucro de ar, luz e mar. Somos por um instante o casal primordial, anterior a todo mal, todo pecado. E bem melhor seria se assumíssemos a condição dos bichos, imersos na manhã sem a consciência da manhã. Como parte dela, apenas. Mas somos humanos, meu amor. E sabemos o destino das manhãs. Mas não tentemos prever o destino desta manhã. Deixemos por enquanto que ela nos leve até onde nossos pés possam caminhar. Até onde nossos olhos possam se deixar inundar da sua beleza. Até onde todos os nossos sentidos se espantem com a eterna novidade dos dias que começam. Foram muitas as manhãs que caminhamos. E muitas delas, em muitos e diferentes lugares, se ofereceram assim ao nosso espanto. E por sermos íntimos das manhãs, sentimos que esta pode muito bem ser vivida como o resumo de todas as manhãs que amanhecemos juntos.
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