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quinta-feira, 9 de agosto de 2012

A solidão segundo Bruce Chatwin (Franklin Jorge)

(Bruce Chatwin)

Bruce Chatwin pertence à mesma tribo de homens misteriosos que procurou inculcar em seus escritos, nos quais opôs o deserto gelado da Patagônia, os desertos ardentes da Austrália e o vil comércio humano numa feitoria da costa africana, onde se mercadejavam homens capturados em suas tribos, para serem vendidos como escravos em distantes colônias do Novo Mundo.

Obcecado pela geografia humana, entregou-se apaixonada e deliberadamente a uma deambulação sem fim pelo imaginário do planeta, buscando a si mesmo ou a deus, pois era dotado de uma religiosidade essencial, nunca, porém, declarada. Homem duma inteligência viva e instigante, amou a solidão e os solitários, sempre à espreita do homem-lobo. E, como todos nós, intentou curar a dor com a dor.

“Na Patagônia”, livro que me introduziu em seu universo mental, transcria a realidade vivida e observada, não por um escritor igual a tantos outros – capazes tão somente de escrever com correção –, mas por um artista excepcionalmente provido duma aguda percepção e duma técnica apta a construir a expressão adequada. “Utz”, livro algo kafkiano, estranho e obsessivo, leva-nos ao labirinto de Praga e ao mundo secreto dos porcelanistas e colecionadores obsessivos, como o próprio Bruce Chatwin, colecionador de almas e de remotíssimas culturas e paisagens selvagens. Um escritor ultrassofisticado.

Criador e artífice, Chatwin faz bem tudo o que faz. Ele parece não se cansar de nos ensinar que a arte começa pela disciplina. Que não há bons enredos se não sabemos reconhecer, num detalhe qualquer, o mundo contido num grão de areia. Amando as culturas milenares, simpatizando com o raro, descobrindo o exótico, desvelando o mistério de vidas frustradas e anônimas, criou com a sua arte essa magia ilusionista que os livros propagam.

Ávido de vida, cada livro que escreve o aproxima mais da morte, levando-o um pouco mais além em sua busca da forma perfeita e do estilo adequado, sede, aliás, jamais satisfeita por esse escritor em trânsito que carrega em si um criador incontentável.

Que procurava Bruce Chatwin, numa perpétua e insatisfeita peregrinação pela superfície da terra? Qual o enigma de sua alma? Enfim, morremos todos com o nosso mistério. O de Bruce Chatwin, um cidadão dos mais enigmáticos da República das Letras, morreu com ele, aos cinquenta anos, quando atingia aquela idade que, para Marguerite Yourcenar, aproxima o escritor de um alto grau de percepção, consubstanciando a experiência – entendida como técnica – com a lucidez e a maturidade, a expressão e o conteúdo de sua arte.

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