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quarta-feira, 8 de agosto de 2012

Os poetas de setenta anos (Ivo Barroso)

Ao Sr. A. Rimbaud



E o Velho, então, fechando o livro do dever,
Exausto e satisfeito ia dormir, sem ver
Que à força de se impor prorrogações horárias
De trabalho, arriscava as frágeis coronárias.

O dia inteiro esteve a traduzir-te; faz-se
Incansável; no entanto, a azulidez da face
Deixa ver claramente acres hipocondrias!
Em meio ao corredor, seguro às esquadrias
Da porta, já sentiu tonteiras, quase a perda
Do equilíbrio, e essa mosca em sua vista esquerda.
A noite no escritório é sempre igual: um foco
De luz dicróica sobre o micro, o mouse, um bloco
De anotações e a tela acesa a piscar… Tarde,
Extenuado, a zumbir o ouvido, a vista que arde,
Antes de se deitar, contudo se demora
No banheiro, onde fica a ler por mais uma hora.


Quando, em plena manhã, na varanda que esplende
Ao sol, por um momento em seu sofá se estende
Olhando para a verde aba das altas palmas,
Tentando refrescar a mente das incalmas
Preocupações da noite, o drama recomeça.

Coitado! Ergue-se e vai correndo a toda pressa
Para o computador, achando que encontrara
A rima que buscou o dia inteiro, a rara,
E se acaso, afinal, a solução lhe brota,
Põe-se a falar sozinho e a rir como um idiota!
Já ninguém o visita: os amigos só pelo
Telefone, receando acaso interrompê-lo,
Chamam pela mulher; perguntam pelo “ausente”;
Ela diz que vai bem, que está dormindo — e mente!

Aos setenta sonhava imprimir em off set
Os versos que escreveste em teu caderno, aos sete,
Cheios de rios, sóis, savanas! — Recorria
A todas edições anotadas que havia
Bem como a traduções inglesas, italianas.
Quando, avançada a noite, exausta das poltronas
— Às duas da manhã — a mulher reclamava
Que assim era demais, ele ainda teimava
Em ficar mais um pouco olhando para a tela
Do micro, a salvar tudo e a sair, enquanto ela
Cansada de esperar, apaga a luz do quarto.
— E o pobre, sem saber que escapara do enfarto,
Dormia com teu livro aberto sobre o peito.

Temia essas manhãs de domingo, o suspeito
Passeio pela praia, o olhar discricionário,
Enquanto abandonava o Livro e o dicionário,
Embora em sua mente, ao caminhar, os visse.
Já não amava o mar, achava uma tolice
A exposição ao sol, aqueles corpos nus
Banhando-se na densa e xaroposa luz
De um êxtase vital que já não compreendia.
— Amava a noite que trocara pelo dia,
As vigílias sem fim, os encontros furtivos
De palavras que não se encontram nos arquivos!

E como preferisse as coisas mais herméticas
Buscando penetrar as alquimias poéticas
Dos versos em que os sons têm cores de aquarelas,
Metia-se no quarto e fechava as janelas
E assim, nesse escafandro em fundas culminâncias,
Via os peixes azuis das rimas e assonâncias,
Das métricas sem par, dos ritmos em conflito!
De volta do mergulho, entre alumbrado e aflito,
Um momento se punha a descansar na cama
De lona, a pressentir longinquamente a fama.
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