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quarta-feira, 31 de outubro de 2012

O tempo existe (Francisco Miguel de Moura*)





Existe um tempo que sequer sentimos,
existe um tempo que sequer pensou-se,
existe um tempo que o tempo não trouxe,
existe um tempo que sequer medimos.

Existe mais: um tempo em que sorrimos,
diferente do tempo em que chorou-se,
e um tempo neutro: nem amaro ou doce.
Tempos alheios, nem sequer são primos!

Existe um tempo pior do que ruim
e um tempo amado e um tempo de canção,
existe um tempo de pensar que é o fim.

Tempo é o que bate em nosso coração:
um tempo acumulado em tempo-sim,
e um tempo esvaziado em tempo-não.

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*Poeta brasileiro, nasceu em 16.6.933, em Picos, PI, mora em Teresina. Formado em Letras, com pós-graduação em Crítica de Arte, em Salvador.

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A dupla face (João Carlos Taveira)











(Stéphane Mallarmé por Edouard Manet)


Dentro do verso,
meu universo:
tudo é possível
e tudo é nada.

Dentro de mim,
dor e cetim:
minha loucura,
meu alicerce.

Sou e não sou,
ao mesmo tempo,
voz e luxúria.

Não basta ao vento
a sua fúria?
Basto-me louco.


(Do livro A Flauta em Construção, 1993)

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terça-feira, 30 de outubro de 2012

Ganga bruta (Guido Bilharinho)



A Obra-Prima de Humberto Mauro


                           Se de filme para filme amplia-se e solidifica-se o domínio de Humberto Mauro (Volta Grande/MG, 18971983) sobre o entender e o fazer cinematográfico, em Ganga Bruta (1932) esse aprimoramento atinge sua plenitude, revelando cineasta perfeitamente consciente do fenômeno cinematográfico.
                       

A força do silêncio de Mariel Reis (Daniel Osiecki)




O ato de escrever é solitário e silencioso. O ato da leitura também exige silêncio. A complexa prática da leitura exige um silêncio externo, mas internamente, quanto mais inquietos permanecermos durante a leitura, melhor. Esse silêncio metafísico oprime o verdadeiro leitor, mas não é uma má opressão, antes uma opressão que leva à reflexão, e é isso que importa. Portanto, não basta haver silêncio pura e simplesmente, mas um silêncio rangente e intimista. Elementos que não se aplicam apenas à literatura, mas (principalmente) à vida.

segunda-feira, 29 de outubro de 2012

Franchetti: o poeta e suas influências (Adelto Gonçalves*)




                                                           I

            Professor titular de Literatura da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e autor de estudos críticos sobre a poesia brasileira, o romance oitocentista em português e o exotismo, com destaque para os ensaios sobre Camilo Pessanha (1867-1926), Paulo Franchetti vem construindo também, ao longo dos últimos anos, uma trajetória poética de respeito, marcada por uma cosmovisão que se tem mantido coerente, baseada na cultura clássica, mas saudavelmente contaminada pelo bom gosto de alguns nomes representativos da poesia brasileira do século XX.
           

Fumo (Carlos Nóbrega)





Não sei nunca
quantos gramas negativos
a fumaça pesa,
Calculo que leve em si
em levas muito leves
os mesmo motivos
que o esquecimento leva.


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sábado, 27 de outubro de 2012

Sebos (Emanuel Medeiros Vieira)



Em memória de Eric Hobsbawm



“Não creio que haja coisa pior no mundo do que a leviandade, pois os homens levianos são instrumentos prontos a tomar qualquer partido, por mais infame, perigoso e pernicioso que seja; sendo assim, é melhor fugir deles como se foge do fogo”. (Francesco Guicciardini)


Bibliotecas, museus, sebos, cheiro de papel.
Nada me dizem os aparelhos eletrônicos de última geração – e logo virão outros.
Nostalgia, passadismo?
Eis a memória do mundo.
Essa é a “modernidade” que nos foi dada?
(Que palavra é essa?)

sexta-feira, 26 de outubro de 2012

Oncologista com câncer (W. J. Solha)



 
(Solha, no centro, em cena de O Som ao Redor)

Foi com esta frase de mau gosto que respondi à pergunta de um jornalista sobre como me sentia ao passar da criação literária para o trabalho de ator em filmes:
– Como um oncologista com câncer.

quinta-feira, 25 de outubro de 2012

Da leitura de Ádlei, Cagiano, Whisner e Kelmer (Nilto Maciel)





Ganhei, recentemente, três livros. Como não me sinto mais disposto a resenhar tudo o que leio, darei apenas notícia deles. Um registro, como faziam os antigos. Dolor Barreira (1893 1967), o maior historiador da Literatura Cearense, se valeu muito desse tipo de anotação, para construir o monumento de quatro grossos volumes intitulado História da Literatura Cearense. Não tenho tais pretensões. Sobretudo, porque não me confino à província de José de Alencar.

quarta-feira, 24 de outubro de 2012

O Nada (João Soares Neto)


 

Eu não sou um guarda-chuvas. Sou uma guarda-nada. O nada é o que prefiro guardar, escrever, ler e sentir. Se fosse um guarda-chuvas protegeria alguém, mas como sou um guarda-nada a quem posso proteger?
No meu nada estou incluído, dele vim e a ele voltarei. Leia as belas frases de Clarice, mas eu sou eu e o nada está por perto. Sempre mais perto do que o tudo. E chove. Estou sem guarda-chuvas e não sinto nada. O nada é também uma expressão de sentimento. E a água que me afaga também pode me afogar. A diferença é um nada. Veja como um nada faz a diferença.
Não, esta conversa não é sem sentido. Ela tem começo com a Clarice e belos arranjos com guarda-chuvas e os meus arranjos são com nada.
Assim, deixo o nada com você para que coisa nenhuma aconteça.
Não bebi nada. Não pense que isso é fruto de nada. Não é. E é.
A decisão é sua ou do nada que sempre nos acolhe ou encolhe, virando quase nada, um nadinha.
Se você não entendeu o que escrevi. Nada contra.

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