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terça-feira, 3 de dezembro de 2013

A música em Proust[1] (Franklin Jorge)





A sonata clássica, segundo Otto Károlyi (in “Introdução à Música”, Ed. Martins Fontes), estrutura-se basicamente como exposição de motivo, desenvolvimento e recapitulação, processo apropriado literariamente por Marcel Proust, em sua obra polifônica – “Em busca do tempo perdido”. Para Thomas Mann, escritor dotado de uma grande sensibilidade musical, a polifonia manifesta-se apenas como algo vago e generalizado.

É sabido que a pintura e a música lhe davam muito alegria, sobre as quais discorre ao longo da sua caudalosa obra que rompe com os limites do gênero. Segundo Proust, se o romancista tem muito a aprender com o pintor, deve também se instruir junto ao músico.

Vinteuil, obscuro e genial compositor provinciano, construído segundo a inspiração impressionista, irradia ao longo da ópera magna proustiana essa lição exemplar, haurida no conhecimento profundo de Cesar Franck e de Debussy, magistralmente demonstrada pelo escritor sob a forma de uma “pequena frase” musical ou leitmotiv.

Nele (Proust), como na sonata clássica, a exposição é repetida com variações técnicas e emocionais que desenvolvem e ampliam os conflitos num cenário recorrente, autotransformante, onde os personagens readquirem o seu equilíbrio, mas, em função da vivência acumulada ao longo de uma vida, sofrem sutis mutações que enriquecem substancialmente o conhecimento do leitor.

Como um virtuose da composição musical, Marcel Proust usa em seu romance-rio o recurso tonal da modulação, fugindo assim da monotonia de um relato linear, contrário à ideia da memória involuntária.


[1]Fragmento de conferência na Aliança Francesa de Natal (1997).