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quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

O conto perdido (Assis Coelho)





Já inúmeras vezes, repetia a mesma pergunta para sua esposa. Não havia visto um conto que deixara sobre a mesa de seu escritório? Era impossível haver algum canto da casa que não houvesse sido esquadrinhado. Por mais inadequado que fosse o local, não deixou de procurar. Sabe-se lá o que o entorpecimento alcoólico é capaz de fazer? Talvez a ânsia de não ser plagiado e a busca irrefreada pelo  reconhecimento o fizeram esconder em local inacessível, que até ele mesmo não era capaz de conceber tal esconderijo. Sabia da aversão e indiferença de sua mulher pelos livros, sobretudo por tudo que fosse ligado a literatura, coisa que ela considerava de somenos importância ou mero passatempo de desocupados. Aquele conto, entre outras coisas, seria também capaz de mudar a opinião sempre depreciativa da sua mulher que por anos perguntava: o que esta tal de literatura te traz de bom? Por que ela não te ajuda a sair dessa vida de merda que levamos? Por que tu e teus parceiros perdem horas e horas esvaziando garrafas e falando de um tal de Kafka, um tal de Dostoi não sei o que, um  tal de Guimarães  Rosas e  outras criaturas de nomes esquisitos, me diga pra quê? Dessa vez ela saberia. Até que enfim conseguira o que sempre sonhou. Recentemente havia escrito o conto que sempre sonhara. Logo estaria fazendo parte de antologias em todas as livrarias brasileiras e, talvez, em antologias estrangeiras. Calaria a boca de muitos escritorezinhos que haviam publicado alguns continhos em alguns jornalecos e se consideravam uns Tchekhov ou, no mínimo, um Maupassant. Sabia que agora, sem a cegueira da auto-afirmação e sem os arroubos do narcisismo, havia escrito o conto definitivo de toda sua vida obscura de contista.
           

quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

Lirismos e rapapés nas tardes do mundo (Nilto Maciel)



(Manuel Bandeira)


Estou em falta com Pedro Du Bois, Carlos Nóbrega e Valdemar Neto Terceiro, meus amigos e colaboradores do blog literaturasemfronteiras. São quatro publicações (duas de Pedro), presenteadas ainda em 2012, porém lidas somente agora: A personificação da máscara (Balneário Camboriú/SC: Edição do Autor, 2012) e Via rápida (Passo Fundo: Projeto Passo Fundo, 2012), de Pedro Du Bois; Lápis branco (Guaratinguetá: Editora Penalux, 2012), de Carlos Nóbrega; e Ipumirim soberbo (Fortaleza: Expressão Gráfica, 2011), de Valdemar Neto Terceiro. Os três vates são quase meus confidentes. Eu lhes mando lamentações (em prosa), eles me respondem com poesia. Leio (talvez muito antes dos demais editores) suas composições. Nada tenho a acrescentar ou a diminuir (como sugestão), e muito menos a mudar. Pois são poetas da primeira linha.

terça-feira, 29 de janeiro de 2013

Sobre "Cordel de algodão e sal"



(Tanussi Cardoso)


“Cordel de algodão e sal” (resenha de Poemas cuaze sobre poezias , de Cleyson Gomes; Algodão e sal , de Antonio Francisco e Maria Maria Gomes; e Misto Códice/ Códice Mestizo, de Paulo de Tarso Correia de Melo, tradução de Alfredo Pérez Alencart, publicada no blog no dia 24/1/2013) mereceu o seguinte comentário do poeta e crítico Tanussi Cardoso: "Caro Nilto, o que dizer sobre um grande contista que, ao fazer uma análise crítica, "brinca" com as palavras de tal forma que, ainda que não queiramos, nos vemos no prazer de continuar seguindo o pensamento até o fim, presos pela enorme habilidade de contar que Deus lhe deu? Ao término, sou tomado pelo espanto da velocidade verbal de quem nos escreve! Lúcido, objetivo, perfeito! Ah, se todos os críticos tivessem a lealdade e a beleza textual sua, meu irmão... Parabéns! E obrigado por nos deixar aprender com você. Abração do Tanussi"
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Beija-flor (Clauder Arcanjo)




Para José Nicodemos de Souza

A tarde se abraçava com uma tristeza inconsútil. Daquelas que se achegam como quem não quer nada e vão, insidiosas e trigueiras, jogando seu manto melancólico sobre o nosso colo, tornando-nos sensaborões silentes, casmurros como quê.
Assim eu me encontrava, caro leitor, domingo último. Espezinhado por aquele fim de semana, resolvi sair. Pus um bermudão florido, camisa de meia com mensagem ecológica, chinelos surrados, e fui à rua. “Quem sabe não me dou de cara com a Ventura!” — pensei. Melhor, desejei.

segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

De meu sol nado ao vário ocaso nosso – II (Nilto Maciel)





Publicado o primeiro capítulo do De meu sol nado, recebi diversas mensagens. Todas muito interessantes. Roberto Prym, Jorge Tufic e Gerado Lima não quiseram me deixar preocupado. Outros, porém, me fizeram ficar de orelha em pé. Dimas Macedo me alertou: “Não confie muito nessa gente excessivamente genial. Mas não deixe de tirar o máximo proveito de suas escrituras”. Referia-se a James Joyce e Machado de Assis. Respondi assim: “Tenho lido gênios e medíocres também. A vida não pode ser feita só de alturas. É preciso chafurdar na lama também. Ser porco alguma vez”.

2013, presente! (Teresinka Pereira)











Podemos dançar na chuva
no hemisfério sul
ou na neve do norte,
até reviver a magia
do universo ameaçado...
Pela manhã de cada dia,
podemos ver a luz do sol
no verde-esperança
do jardim de todos,
e pela tarde, descansar
na sombra da paz,
vivendo em íntima liberdade,
pois todo o bem evita
a fronteira do mal, se entra
em nossa vontade com
luz, paz e solidariedade.
Viva o 2013 que começa
pulsando em nossa esperança

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domingo, 27 de janeiro de 2013

De meu sol nado ao vário ocaso nosso — I (Nilto Maciel)





Não sei se a leitura do conto “Giacomo Joyce” teve alguma influência no que irei relatar aqui. Durante a manhã de ontem, li metade dele. Fui dormir depois do almoço. No final da tarde, não me aproximei mais do livrinho (são apenas 40 páginas, edição bilíngue, tradução de Roberto Schmitt-Prym) e me apeguei à revisão de Gregotins de desaprendiz, conjunto de artigos cuja primeira edição pretendo para este ano.

Agora me lembro de como surgiu a ideia de tecer estas linhas. Deu-se à noitinha. A televisão ligada. Moviam-se e dialogavam personagens. Trama corriqueira. Pus-me, então, a imaginar um modo de dar publicidade contínua aos tais gregotins. Aproveitaria meu blog e nele poderia inserir, diariamente, mensagens sucessivas e de variadas formas. Principalmente comentários curtos de leitores. Como uma ideia puxa outra, vi mais possibilidades no tal diário. Sim, poderia fazer do blog também um jornal pessoal (apenas meu flanco literário). Deixei para trás o filme, fui ao dicionário e me pus a fazer anotações: “Notas breves ou não, resumidas e até enigmáticas. Pequenas notícias (literárias) minhas, como recebimento de livros, mensagens e textos literários (dar nomes aos mensageiros). Apontamentos para contos, poemas, crônicas, etc. Notícias editoriais de meus livros. As notas podem ser diárias ou não; ou mais de uma por dia, dependendo da necessidade ou possibilidade”. Qual seria o título do “projeto”? Depois de alguns minutos, decidi: “De meu sol nado ao vário ocaso nosso”. Viria seguido de numeração romana e de meu nome entre parênteses.

O que significa o título? Alguns leitores terão decifrado o suposto enigma, imediatamente após a leitura dele. Outros necessitaram da leitura deste esclarecimento. Trata-se de verso de algum canto pouco divulgado? Quem será o vate? Desconheço tal peça e tal poeta. Dirão: Ora, é um decassílabo. Sim, e isto não quer dizer que seja frase poética. E poderá ser. Machado de Assis (não sei de outros exemplos), no Dom Casmurro, inaugurou o que ora ousei imitar. Deu ao narrador Bento Fernandes Santiago, o Bentinho, depois transformado em Dom Casmurro, a autoria de dois versos. Seriam o primeiro e o último de um soneto: “Oh! flor do céu! oh! flor cândida e pura!” e “Perde-se a vida, ganha-se a batalha!” Alguns sonhadores tentaram completar o poema. Francisco Carvalho (nascido em 1927, em Russas, Ceará, Brasil) inventou alguns sonetos (o “restante”) para dar continuidade ao “soneto não concluído” de Bentinho.

(27/janeiro/2013)
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sábado, 26 de janeiro de 2013

O Homem Desoriental - VI (Mariel Reis)












Não, não gaste apenas com palavras
A sua adorável língua,
Não a utilize para o escarnecimento alheio
Não se sirva dela para ofensa
É para o beijo o seu melhor proveito.
Não, não arruíne seus ouvidos
Com as maledicências,
Nem os esgotem as discussões enfaradas
Orna-os com pérolas
É para a confissão de amor seu melhor proveito.
Não, não se sirva dos seus olhos
Para mirar apenas os desertos,
Embora seja incerto o destino
Que os homens têm a cumprir
Avista a paisagem amorosa
Contemplar o ser amado é o seu melhor proveito.
Não, não gaste apenas com palavras
A sua adorável língua,
Ó Allah, abençoa-me com a sorte
Conduz-me para a solução do enigma
Antes que o amor me encaminhe para a morte.

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sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

Uma descida ao inferno da loucura (Adelto Gonçalves*)





I
            
Se como diz a filosofia popular, de médico e louco todos têm um pouco, a um médico louco não há o que acrescentar. Foi a esse personagem insólito que o médico e neurocientista Edson Amâncio recorreu para empreender a sua terceira incursão no romance com Diário de um Médico Louco (Taubaté, LetraSelvagem, 2012). Com um tanto de autobiográfico – que fica claro quando se sabe que o autor realizou nos anos 80 uma viagem a São Petersburgo e Moscou, ainda à época do comunismo –, este relato é um diálogo que Amâncio faz não com a literatura médica a que teve acesso como profissional da área de Saúde, mas como autores que marcaram a sua vida de ficcionista, especialmente Fiodor Dostoievski (1880-1880), a quem estudou em profundidade, até porque atraído pelas ligações que pode haver entre genialidade e esquizofrenia ou até mesmo com o desequilíbrio mental.
            

quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

Cordel de algodão e sal (Nilto Maciel)




 Diante de mim, três livros editados recentemente no Nordeste do Brasil. A eles me apegarei nesta crônica quase resenha, neste misto de algodão e sal, tudo branco. Ou preto no branco: letras impressas em papel claro. Além dessa circunstância, não conheço nenhum dos três aedos. Nunca os vi, nunca os li. Minto, já examinei um compêndio de Paulo de Tarso. Os impressos são estes: Poemas cuaze sobre poezias (Teresina, PI: Fundação Municipal de Cultura Monsenhor Chaves, 2011), de Cleyson Gomes; Algodão e sal (Mossoró, RN: Sarau das Letras, 2012), de Antonio Francisco e Maria Maria Gomes; e Misto Códice/ Códice Mestizo (Mossoró, RN: Sarau das Letras / Salamanca, Espanha: Trilce Ediciones, 2012), de Paulo de Tarso Correia de Melo, tradução de Alfredo Pérez Alencart.

quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

Escolha (Inocêncio de Melo Filho)



 

 










Para Lêdo Ivo

A morte chegou
Não tem jeito
Tem escolha
Tem partida
A morte chegou olhou a todos
Pousou os olhos no poeta
Abriu-lhe a blusa
Tocou-lhe o peito
E se foi
Deixando-o enfartado. 


(23/12/12)

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