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terça-feira, 8 de abril de 2014

O estranho telefonema (Carlúcio Bicudo)




Tudo transcorria na mais perfeita paz. Na sala, Veridiana lia o livro Mistério de Marie Roget, do grande escritor Edgar Allan Poe.
O enigmático livro tem por base um fato verídico ocorrido em 1841, nos arredores de Nova York, com o aparecimento do corpo da jovem Marie Roget.
Poe acabou ficcionando e ambientando a trama da história na cidade de Paris.
Veridiana, muito empolgada, degustava cada palavra, linha ou parágrafo, como se fosse a última coisa a ser feita na vida. Lá fora, o tempo estava fechado. Uma ventania soprava um ar aquecido e com ele o cheiro de terra.
Já era tarde, final de sábado. Ela estava sozinha. Seu filho havia saído com amigos para uma festa.
Subitamente o telefone toca insistentemente.
Veridiana, empolgada com o livro, não tinha coragem de parar de ler para atender ao telefone, que tocava insistentemente...
Não teve escolha, e acabou cedendo aos apelos do aparelho, atendendo a contragosto.
— Alô!
— É da casa da D. Veridiana?
— Sim. Sou eu mesma. Do que se trata?
— Aqui é o inspetor Adalberto. Estou ligando da delegacia para dizer que houve um acidente com seu filho André.
— Como é? Acidente? Com o meu filho? Ele está bem?
— Por favor, senhora, tenha calma! A senhora pode vir até a delegacia?
— Sim! Já estou de saída.
— Okay! Aguardo a senhora aqui na trigésima quinta D. P.
Veridiana, muito nervosa, ligou para o irmão e marcou de encontrá-lo na delegacia.
Assim que chegaram ao distrito policial, foram direto procurar o inspetor.
— Por favor, estou procurando o inspetor de polícia  chamado Adalberto.
— Aguarde só um minutinho, que irei chamá-lo.
Veridiana, não parava de esfregar as mãos. Fumava um cigarro após o outro. O nervosismo era tanto que não conseguia ficar parada. Andava de um canto a outro.
— Pois não, sou o inspetor Adalberto.
— Por favor, diga-me logo o que aconteceu com o meu filho?
— Tenha calma! Seu filho André sofreu um capotamento perto do Rio Itabapoana, próximo à curva da ferradura. Seu corpo foi encontrado às margens do rio, infelizmente sem vida.
— Não! Meu filho, não!
Abraçada ao irmão, Veridiana chorava copiosamente.
— Para onde levaram o corpo do meu filho?
— Foi levado para o necrotério de Itabapoana.
Saíram, apressados, para a cidade vizinha.
Inesperadamente o telefone toca, e Veridiana acorda assustada. O livro de Poe repousava aberto  sobre o seu peito.
Veridiana passa as mãos sobre o rosto e percebe que tudo não havia passado de um grande pesadelo. Levantou-se do sofá, foi ao banheiro, abriu a torneira, molhou o rosto ainda carregado pelo pesadelo e sorriu!
 “É, tudo não passou de uma brincadeira de Edgar Allan Poe, comigo”.
                                                        
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