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segunda-feira, 3 de outubro de 2011

A poesia (in)definida de Luciano Maia (Inocêncio de Melo Filho)

(Luciano Maia)

De Platão aos nossos dias, não tem sido fácil definir. Mas definimos assim mesmo com a finalidade de sintetizar, esclarecer, determinar e explicar... Esta circunstância nos conduz à poesia de Luciano Maia que se define por ação em todos os sentidos. Pode-se dizer agora que a poesia de Luciano Maia encontra-se absolutamente definida? Se considerarmos que a obra é aberta – Umberto Eco – ainda há muito que dizer. E de fato há. Neste contexto o leitor poderá se dar o exercício literário e apresentar novas definições significativas. É o que faz Francisco Carvalho na sua avaliação crítica:

“As raízes épicas da poesia de Luciano Maia mergulham nas origens da terra nordestina e resgatam os mitos que se entrelaçam nas alegrias e tristezas do seu povo. É uma poesia do homem e para o homem. Uma poesia que celebra a luminosa constelação dos seres e das coisas, as aleluias da vida e os réquiens da morte, os mistérios e revelações da outridade. Uma poesia que se abre para as alvoradas da criação, e que não se fecha em si mesma, à semelhança dessas catedrais herméticas em que se cultuam as metáforas da solidão”.

Luciano Maia tem sido brilhante em todas as suas publicações, por isso não podemos excluí-lo do rol dos nossos melhores poetas. Sua poesia não se mostra inferior à de José Alcides Pinto, Francisco Carvalho e Artur Eduardo Benevides. Vale salientar que os ecos épicos de sua poesia não se mostram indiferentes, mas simpatizantes ao que há de melhor no gênero.

O que afirmamos anteriormente fundamenta-se em Rostro Hermoso (1997), Seara (1994) e As Tetas da Loba (1995), onde se percebe o compromisso social, a latinidade e a nordestinidade, que tornam a poesia de Luciano Maia universal e cosmopolita em função das línguas latinas, das quais o poeta é profundo conhecedor.

A poesia de Luciano Maia encontra-se entre bocas quentes, vai à feira, vai à “missa dos legumes”, persegue longos itinerários, não caduca no tempo, tornando-se urgência e insubmissão. O vento faz-se voz em sua poesia, personificando-se, sendo anunciador “das lendas ancestrais”, fazendo “dormir os remansos”.

O poeta pode até se isolar, mas não renega o brio e a consciência. Pode até clamar no deserto, mas clama. Não estamos a falar de uma poesia panfletária, que defende a “cultura da reclamação”. O que está em questão é uma poesia florescida no nacionalismo, isenta de ufanismos. Os poemas “Décima”, “Curriculum” e “Nada?”, do livro Rostro Hermoso, reiteram o que estamos a argumentar.

Eis um tempo de causas e motivos
pra cantar o pesar de uma nação
e sofrer por seus filhos que hoje são
ou bastardos ou órfãos de pais vivos
Os poetas se isolam pensativos
ante a falta de brio e consciência.

O poder é o foro da excrescência
é mais forte quem for sagaz e vil:
eis um tempo em que o nome do Brasil
anda junto do nome da indecência.

No meu país o tempo causa dor.
Os meses são contínuo desespero.

No meu país o dia é um suplício.
(Ainda que a luz do céu desça no vento
os ares do Brasil
estão impregnados de enfermidade).
No meu país a covardia é curricular
A miséria é uma instituição
O cinismo um diploma.

Num país assim um povo rejeitado
por inteiro
andando descalço sobre lixo
respirando o bafo de parlamentares bufões
nada tem a fazer a não ser...

A não ser. Ainda no mesmo livro encontra-se o poema “Mérito” repleto de lirismo, desprovido da fúria, onde a promessa, o desejo e o sonho se unificam com o propósito de atingir um único fim, ou seja, a satisfação plena:

Ainda te dou um dia inteiro
de risos lúcidos e sinceros
e te presenteio ainda
antigas ilusões que alimentaste
quando os teus olhos se deslumbravam
num domingo adolescente.

O tecido poético de Luciano Maia renova-se como as águas do Jaguaribe, mostrando-se inédito em cada manifestação, sejam elas líricas ou épicas. A cumplicidade com a história e com seu resgate norteia a arte deste cearense, que nos honra com sua literatura. Que sua poesia nunca abandone as tetas da loba, que outrora alimentaram Rômulo e Remo e hoje alimentam a latinização que se espalha pelo mundo.
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