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quinta-feira, 20 de março de 2014
terça-feira, 18 de março de 2014
Notícia de Portinha Aberta (Nilto Maciel)
O sujeito
cultiva bigodinho semelhante ao de Fernando Pessoa, usa a cabeleira de Castro
Alves e se veste como Dorian Gray. Redige “artigos” ou “ensaios” de tão difícil
entendimento que nem o mais sábio dos homens consegue entender. Apesar disso,
nunca recusaram uma só de suas pérolas. Pleiteia vaga na Academia Brasileira de
Letras. Sonha também com o Prêmio Nobel de Literatura. Imagina-se traduzido
para duzentas línguas. Copia daqui uma frase, dali uma informação, dacolá um
comentário. E arranja títulos pomposos: “A influência de Kafka na poesia de
Ferreira Gullar”; “Ariano Suassuna e os moinhos de vento”; “Do grão de areia ao
pequeno príncipe – um retrato de Guimarães Rosa”. De seu passado restaram duas
ou três afirmações (por ele negadas): abandonou a escola, ao chegar às
Montanhas Rochosas; da primeira à décima namorada, leu meia dúzia de sonetos
parnasianos, três contos (numa revistinha em cuja capa se viam seios fartos de
fêmea loira) e algumas páginas de romance (tradução brasileira), de autor
desconhecido. Apresenta-se, a editores de jornais impressos e revistas
eletrônicas, como ex-colunista do blog Senta
a pua na letra; ex-editorialista da folha O
lance de dados; tradutor da poesia de Dante Alighieri (de estrofe de uma
tradução brasileira da Divina
Comédia substituiu
substantivos por adjetivos e verbos). Todo dia, jornais o exibem ao lado de
acadêmicos federais e romancistas famosos no mundo inteiro. Seu “estilo
debochado” ― expressão
cunhada por um doutor em línguas neolatinas – seria resultado da intensa
mesclagem de idiomas latinos com línguas aglutinantes, além de sânscrito (ou
são cristo, segundo ele mesmo) e hebraico. Tem anunciado um romance: A vida
de padrinho Cicerone nos confins da estrela guia.
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quinta-feira, 6 de março de 2014
Dois capitulinhos (Nilto Maciel)
Confúcio
Galvez lembrava um galo: penas coloridas e esvoaçantes, bico afiado, esporões
de aço, andar de príncipe britânico, voz de cantor de ópera. No entanto, não
pensava em homem, não bicava ninguém, não esporava nem o vento, não morava em
castelo e mal sabia “Touradas em Madri”. Arriscava umas frases: “Eu fui às
touradas em Madri e quase não volto mais aqui”. Desafinava; riam dele. E
cresceu assim, com ares de ave e chão de estrelas. Sempre de bico aberto:
“Minha vida era um palco iluminado”. Andava pelo morro, subia e descia
ladeiras, de olho nas cabrochas com latas d’água na cabeça, “Sobe o morro e não
se cansa, lá vai Maria”. Experimentou rabiscar letras e rimas. As melodias,
noites mel dormidas. Talvez doces, quem sabe azedas. Também sambou,
desengonçado feito mamulengo. Viajou a Recife e encontrou o povo a pular nas
ruas. Diante do frevo, extasiou-se: queixo caído, vestimenta de lorde, pés em
transe. As meninas pareciam franguinhas ao sol do meio-dia. Misturou-se aos dançantes
e se abrigou à sombra do homem da meia-noite e dos mil e um bonecos de pano. Entre
passos e pulos, terminou grudado a certa pintassilga. Passado o carnaval, buscou
outras mulatas, cavalgou mulas sem cabeça pelos sertões de Minas, perdeu-se em
labirintos, maravilhou-se à frente da dança frenética dos bilros do Ceará e se fatigou
de tanto vadiar. Então se casou com Camilinha Petres. E tiveram muitos filhos.
E assim
se encerra esta história colorida. Porém, se inicia outra. A tragédia. Pois o
tal Confúcio Galvez resolveu mudar de vida, ao se sentir relegado aos cantos da
própria casa. Por todos os lados, televisões, computadores, celulares, viagens
de Camilinha (tornada Camilona e gorda). Confúcio procurou as penas coloridas e
nada encontrou, a não ser uma peruca dourada. E foi embora pra Pasárgada. Tempos
depois, aborrecido de sonhar, voltou às ruas da infância e da juventude.
Em
outro fevereiro, se enfeitou de urubu e conheceu Dalva de Oliveira, senhora
alegre, mas nem tanto. E lhe contou num
dia o equivalente a cem anos de solidão. Casara-se com fulano, blablablá;
passara a infância na serra da Meruoca, blebleblé; nascera filha, bliblibli; o
fulano vivia com sicranas e beltranas, bloblobló; beberam umas cervejas,
blublublu. O bicho velho se recordou, então, dos tempos de terreiro cheio de
galinhas e franguinhas e quis ser galo de novo. No dia seguinte, reparou bem a
filha de Dalva, grávida de alguns meses. Conversaram e cantaram durante noventa
dias e noventa noites, até nascer linda menina. E, alguns anos depois (para encurtar
o blablebli), ocorreu o capítulo trágico da vida de Confúcio. Blo-blu.
Fortaleza,
4 de fevereiro de 2014.
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terça-feira, 24 de dezembro de 2013
O Natal de cada um (Nilto Maciel)
Chapeuzinho Vermelho beijou papai e mamãe, deitou-se na caminha e se preparou para dormir. Papai e mamãe se afastaram da menina, fecharam a porta do quarto e se esgueiraram pelos cantos. Feito gatos borralheiros, iriam tocaiar monstros, enquanto não dormissem.
À meia-noite, Papai Noel subiu ao telhado da casa, encontrou a telha vã e avistou o corpo dormido da garotinha. Alisou a barba, lambeu os beiços e se pôs a descer pelo escuro, feito rato de botas.
domingo, 22 de dezembro de 2013
Presentes de Natal (Luiz Martins da Silva)
Cena I
Pai:
–
Filho, quero de você um presente!
Filho:
–
Não enche, velho.
[Mas,
naquele Natal o “velho” não ‘encheu’ e o filho não se drogou].
Cena II
Esposa:
– Amor! Posso lhe pedir um
presentinho de Natal?
Esposo:
– Pode, não!
[Mas,
naquele Natal o marido ‘não bebeu’].
Cena III
Neto:
– Vô, você vai aparecer na Noite de
Natal?
Avô:
– Querido, eu trabalho de Papai
Noel...
[Mas,
naquele Natal, o “bom velhinho” foi o próprio Vovô].
Cena IV
Namorado:
– Amor! Neste Natal, adivinha o que
eu quero!
Namorada:
– Sem camisinha, não vai rolar!
[Mas,
naquele Natal, fizeram um teste de HIV].
Cena V
Doente:
– Na Noite de Natal, me dê um
sonífero!
Enfermeira:
– Pode deixar, você vai sonhar com
Papai Noel!
[Mas,
naquela Noite de Natal, houve confraternização no Hospital].
Cena VI
Assaltante:
– Criança! Avise lá que o Papai Noel
chegou!
Criança:
– Mãe! Tem um homem lá fora, dizendo
que ele é Papai Noel!
[Mas, naquela
Noite de Natal, o assaltante virou convidado].
Cena VII
Carcereiro:
– Indulto de Natal! Feliz Natal!
Preso:
– Adeus! Feliz Ano Novo!
[Mas,
depois daquele “saidão”, o beneficiário retornou].
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domingo, 24 de novembro de 2013
Pão (Clauder Arcanjo)
“A prosperidade, assim como a depressão, também
cria as suas filas de pão.”
(E. B.
White, em Aqui está Nova York)
Migrara
para a grande cidade em busca da riqueza. Mas, veio a depressão, e tudo —
sonhos, esperança e vagas — foi para o ralo, na correnteza da crise.
Hoje,
a metrópole, feericamente iluminada, palpita. As manchetes dos jornais, em
letras graúdas e escuras, anunciam o boom
do crescimento — sonhos, esperança e vagas a desfilarem pelas ruas e avenidas.
No caso de Silveirinha, na longa fila do pão, restou-lhe tão somente a crise,
renhida crise, da prosperidade.
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quarta-feira, 30 de outubro de 2013
Viajante (Clauder Arcanjo)
“Esses homens talvez morram com uma tremenda quilometragem
a seu crédito, mas nunca foram a lugar nenhum”. (E. B. White, em Aqui está Nova York)
Quando
criança, o choro. Chave para subir nos braços da mãe e caminhar. Pra lá, pra
cá. Pra cá, pra lá.
Jovem,
a decisão: pé na estrada. A descobrir novos horizontes, segredo para entrar nos
céus de outras cidades. Pra lá, pra cá. Pra cá, pra lá.
Adulto,
a escolha do meio de vida: viajante. Com a bolsa de produtos a tiracolo, a
descobrir clientes. Pra lá, pra cá. Pra cá, pra lá.
Hoje,
cansado, olhos baços postos nos chinelos puídos, e uma dor no peito magro.
Preso no asilo, e com a cadeira de balanço a ringir, ao sabor da monotonia. Pra
lá, pra cá. Pra cá, pra lá.
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quinta-feira, 15 de agosto de 2013
O livreiro (Clauder Arcanjo)
Para
Ronaldo Cagiano
Encimando
a prateleira principal a frase, em letras góticas e vermelhas: “Um país se faz
com homens e livros.” — Monteiro Lobato.
A
mulher sempre a queixar-se do ramo que abraçara. “Nós vamos morrer de fome,
Zacarias. Este é um país de analfabetos, homem!”
O
negócio aberto pontualmente às sete da manhã. Aproveitava o vazio das primeiras
horas para limpar os volumes expostos. Lá, o encontro com Machado de Assis,
Dante, Eça de Queirós, Shakespeare, Balzac, Victor Hugo, Dostoiévski, Herman
Melville, Gregório de Matos, Goethe, Cervantes, Camões... Velhos companheiros,
sob uma fina camada de poeira.
O
ajudante Nicolau Bartolomeu estranhava por que Seu Zacarias sempre escolhia
arrumar a estante menos visitada.
—
É ela que precisa de um bom espanador, meu caro. Os demais são sempre limpos
pelos próprios dedos dos incautos!
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