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sexta-feira, 9 de março de 2012

Entrevista com o romancista Carlos Trigueiro (Hilton Valeriano)

(Originalmente publicado em www.poesiadiversidade.blogspot.com)

(Escritor Carlos Trigueiro)

1 – Quando ocorreu seu contato inicial com a literatura? Quais são suas influências literárias e quais escritores contemporâneos você destacaria na cena atual da literatura brasileira?

CT: Meu pai era Mestre de Banda Militar e, quando em casa, costumava cantarolar marchas, canções e dobrados. Versos musicados de Catulo da Paixão Cearense, Olavo Bilac, Evaristo da Veiga, dentre outros, embalaram meu sono e meus sonhos nas redes daquela Manaus do segundo pós-guerra. Por outro lado, minha mãe, nascida e criada à beira de rios e igarapés no interior do Amazonas, costumava recitar, durante as suas fainas domésticas, poemas que exaltavam a vida dos caboclos ribeirinhos e os mistérios e encantos da floresta. Versos do poeta regional, Hemetério Cabrinha, ficaram para sempre na minha memória. Mas a centelha que deflagrou o meu entusiasmo pela literatura foi o prêmio escolar que ganhei aos 10 anos de idade, já vivendo em Fortaleza, Ceará: As aventuras de Tom Sawyer – de Mark Twain – o primeiro livro de ficção que eu li – e também a minha primeira paixão literária.

sexta-feira, 9 de setembro de 2011

Conversa de Nilto Maciel com Gilmar de Carvalho

“Antecipei, de certo modo, o fim do romance.”

(Gilmar de Carvalho em foto de Francisco Sousa)

Esta conversa se iniciou, por correio eletrônico, no começo de julho de 2011. Tínhamos nos encontrado dias antes no Armazém da Cultura, que reeditou Parabélum. No salão não cabia mais uma só pessoa e todos queriam tocar em Gilmar. Curiosos se aproximavam dele, como se vissem um ser de outro mundo. Estudantes lhe faziam perguntas estapafúrdias (você existe mesmo?). Jornalistas puxavam-lhe pela manga da camisa. Jovens escritores se olhavam em espelhinhos. Fotógrafos pediam-lhe um olhar, mesmo que de desdém.

sábado, 2 de julho de 2011

Fundamentos da arte poética

Entrevista com o escritor, editor e poeta João Carlos Taveira. Por Marco Polo*.

(João Carlos Taveira)

O poeta João Carlos Taveira, nascido em Caratinga, MG, reside em Brasília desde 1969. Ao longo dos anos, tem participado de vários movimentos culturais, contribuindo ativamente com suas ideias e ações para a consolidação de algumas das mais importantes entidades literárias da Capital da República. Com formação em Letras Neolatinas, trabalha atualmente como revisor, copidesque e conselheiro editorial. Tem publicados os seguintes livros de poesia: O prisioneiro (1984), Na concha das palavras azuis (1987), Canto só (1989), Aceitação do branco (1991), A flauta em construção (1993) e Arquitetura do homem (2005). Participa com seus poemas de várias antologias nacionais e estrangeiras e figura no Dicionário de Escritores de Brasília, de Napoleão Valadares, no Dicionário de Poetas Contemporâneos, de Francisco Igreja, e na Enciclopédia de Literatura Brasileira, de Afrânio Coutinho e J. Galante de Sousa. Pertence à Academia Brasiliense de Letras, à Associação Nacional de Escritores e ao Instituto Histórico e Geográfico do Distrito Federal. Em 1994, recebeu do Governo do Distrito Federal a Comenda da Ordem do Mérito Cultural de Brasília, pela relevância de serviços prestados à comunidade artística e cultural.



segunda-feira, 20 de junho de 2011

Conversa de Marcia Barbieri com Nilto Maciel

“SE FOSSE ETERNA, JAMAIS ESCREVERIA”
(Marcia Barbieri)

Conversei com Marcia Barbieri por correio eletrônico. Eu em Fortaleza, ela em São Paulo. Não nos conhecemos pessoalmente. Marcia Barbieri é paulista. Formada em Português/Francês pela UNESP, pós-graduanda em Prática de Criação Literária, organizado pelo escritor Nelson de Oliveira. Tem textos publicados nas revistas literárias Coyote, Polichinello, Cronópios, Germina, Escritoras Suicidas, O Bule e Meio Tom. Lançou em 2009 o livro de contos Anéis de Saturno, pelo Clube de Autores. Lançará em julho um livro de contos intitulado As mãos mirradas de Deus, pela editora Multifoco. É colunista das revistas literárias eletrônicas O Bule e Sinestesia Cultural. Foi colunista da revista eletrônica Caos e Letras. Edita o blog: A Vida Não Vale Um Conto E-mail: marcia_barbieri@hotmail.com



sábado, 28 de maio de 2011

Belvedere Bruno entrevista Nilto Maciel

(Publicado originalmente em Literacia – literaciaentrevistasetc.blogspot.com, de 5/5/2011)



Literacia - Como você vê o atual cenário literário do país?
NM – Se a literatura nasce dos livros e da leitura, a utilização de livros e leitura se inicia na escola. Portanto, para que uma literatura se faça, é necessário que a escola exista e seja boa. No Brasil, a escola não conduz o aluno ao livro, à leitura. A maioria dos estudantes não sabe ler ou não tem o hábito de ler. O que salva a literatura brasileira é a lei natural que faz com que um menino ou menina se dedique a ler, tome gosto pelos livros e chegue a também escrever. É o caso de Machado de Assis, Lima Barreto e tantos outros escritores de origem pobre. A literatura é a irmã desprezada da família das artes. Aquela que os pais desprezam, os padrastos rejeitam, os vizinhos escorraçam, a polícia prende e machuca, os homens no poder chamam de loucos. Tirante um ou outro Paulo Coelho, não há um só escritor brasileiro que consiga se alimentar uma vez por dia, se depender da venda de seus livros. Todo escritor tem uma profissão: médico, advogado, funcionário público, bancário, etc. Apesar disso, temos tido ótimos escritores, que podem ser postos ao lado dos grandes do mundo. Talvez não tenhamos nenhum do tamanho de Camões, Dante e Shakespeare. Com o surgimento da Internet, este quadro tende a melhorar. O estímulo a ler e escrever é muito maior hoje. Assim como a publicar.

quinta-feira, 19 de maio de 2011

Entrevista de Pedro Salgueiro a Breno Fernandes

(Muito – Revista Semanal do Grupo “A Tarde”)

(Pedro Salgueiro)


Pedro Salgueiro (Tamboril, Ceará, 1964) é da geração que ficou conhecida como Geração 90, por conta da compilação homônima organizada por Nelson de Oliveira. Salgueiro tem editados os livros de contos O Peso do Morto (1997), O Espantalho (1996), Brincar Com Armas (2000), Dos Valores do Inimigo (2005) e Inimigos (2007), de contos; além de Fortaleza Voadora, de crônicas. Vencedor do Concurso Guimarães Rosa, da Rádio France Internationale, e do Prêmio de Contos da Biblioteca Nacional/Instituto Nacional do Livro para obras em curso, dentre outros. Tem contos nas coletâneas Contos Cruéis, Geração 90: manuscritos de computador, Os Menores Contos Brasileiros do Século, Quartas Histórias e Todas as Guerras.

sábado, 7 de maio de 2011

Pequena sabatina ao artista (Nilto Maciel e Fabrício Brandão)

Entrevista publicada, em 30/4/2011, na revista cultural eletrônica Diversos Afins (www.diversos-afins.blogspot.com), dirigida por Fabrício Brandão e Leila Andrade


Para definir um bom prosador, são necessárias palavras que se proponham a extrapolar os limites meramente expositivos de qualquer cenário narrativo. Contentemo-nos, pois, numa análise que sabe ir além de um simples artifício de contar histórias. Numa acepção densamente significativa, um contista, mais do que apresentar situações e tramas, deve ser capaz de dissecar o âmago dos seres apresentados. A partir daí, ganha corpo vigoroso uma noção de interioridade que sabe ser ingrediente fundamental de uma proposta textual rica e consistente. E tal perspectiva encontra abrigo no modo de pensar e agir do escritor cearense Nilto Maciel. Detentor de uma trajetória que contempla incursões predominantes na seara da prosa, o autor, natural de Baturité, revela-se um alguém peculiarmente envolvido de modo especial no fazer literário, qual seja o de se apropriar de modo pungente dos elementos presentes em seu espaço íntimo de abstração para depois transformá-los em matéria viva vertida em palavras e outros tantos signos. Nesse processo, Nilto mergulha no universo de sua catarse pessoal, convivendo de frente com a necessidade primeira de isolar-se do mundo até que o produto de sua viagem ao centro de si mesmo seja expelido sob a forma de texto. Alguns de seus livros renderam-lhe premiações de destaque em concursos nacionais e regionais. Sua obra contempla, dentre outros, Itinerário (contos, 1974, Scortecci Editora), Tempos de Mula Preta (contos, 1981, Papel Virtual Editora), Punhalzinho Cravado de Ódio (contos, 1986, Secretaria da Cultura do Ceará), A Última Noite de Helena (romance, 2003, Editora Komedi) e Carnavalha (romance, 2007, Bestiário). Durante o diálogo do escritor com a Diversos Afins, foi possível compreender certas razões capazes de justificar as imagens que cercam o engenhoso ofício da escrita. Em Nilto Maciel, temos o exemplo vivo e atinente de que escrever, acima de tudo, envolve um criterioso ritual de entrega humana, tudo compreendido num lapso que sabe a desvãos da alma.

quarta-feira, 13 de abril de 2011

"O poema e o conto são irmãos gêmeos" (Nilto Maciel)

(Entrevista concedida por Nilto Maciel a Selmo Vasconcellos, para o suplemento “Lítero Cultural”, do jornal Alto Madeira, de Porto Velho, Rondônia, e http://antologiamomentoliterocultural.blogspot.com/ em 5/4/2011)
(Nilto Maciel)


SELMO – Quais as suas outras atividades além de escrever?
Nilto Maciel – Antes de me aposentar, trabalhava num tribunal. Fui também redator publicitário; vendedor de livros, de porta em porta; caixa de restaurante; atendente de mercearia; entregador de carne em restaurante; auxiliar de escritório; almoxarife, etc. Porém, minha função principal sempre foi ler e escrever, quer quando estudante, quer depois de formado.

sexta-feira, 1 de abril de 2011

Conversa de Nilto Maciel com Pedro Du Bois


(Pedro Du Bois)

Como se trata de escritor desconhecido do chamado “público leitor” (que é bem pequeno), inicio a apresentação do meu interlocutor assim: Pedro Du Bois é um dos inúmeros escritores brasileiros que não estão nas poucas livrarias e bibliotecas públicas de nosso país. Sua obra (como a da maioria) se propaga em sites literários e livros de pequena tiragem. Tem mais de sessenta títulos editados por conta própria. Todos de poemas. Nasceu em Passo Fundo, no Rio Grande do Sul, em 16 de outubro de 1947. Vive em Itapema, litoral de Santa Catarina, há alguns anos. Isto é, não está incluído no roteiro literário do eixo-central do Brasil. Portanto, não está mais naquela fase de deslumbramento com a possibilidade de se tornar famoso nem frequenta a grande mídia. E foi isso também (primeiramente me encantei com a sua poesia) que me chamou a atenção. Por que não entrevistá-lo, mesmo sem o conhecer pessoalmente? Demorou um pouco a “conversa” (feita por correio eletrônico), ao longo de alguns meses: final de 2010 a março deste ano.

A entrevista:

Nilto Maciel – Você está inscrito como Editor-Autor junto à Biblioteca Nacional. Explique o que é isto, por favor. Como editor-autor, você edita artesanalmente suas obras e as distribui a bibliotecas, amigos e simpatizantes da literatura. Ou seja, você “trabalha” como editor e distribuidor de sua obra. Isto o satisfaz? Não lhe parece injusto este tipo de mercado?

Pedro Du Bois – Há menos de 10 anos comecei a escrever de forma sistemática. Sou tardio. Sem ter conhecimento do mercado editorial, e morando no interior, fui atrás do que seria necessário para publicar um livro. Descobri que sem “nome” e “posição” jamais conseguiria uma editora que não me cobrasse caro e que fizesse a distribuição comercial dos volumes. Beco sem saída. Informando-me, fui ao site da Fundação Biblioteca Nacional e cheguei ao ISBN. Verifiquei que poderia me inscrever como editor-autor e, assim, ficaria dispensado de contratar ou ser contratado por uma editora formal. Também, precisei resolver a questão da ficha catalográfica que, por lei, precisa ser assinada por bibliotecário registrado e em atividade junto ao Conselho Regional de Biblioteconomia, o que não temos em Itapema, Em Florianópolis, a bibliotecária (Biblioteca Estadual) disse-me que faria “por fora”, cobrando 30% do valor do salário mínimo; a CBL, respondeu-me cobrar para os não associados (e eu não poderia me associar) 20% do salário mínimo. Fui salvo pelo Clube dos Escritores Piracicaba, em convênio existente com a UNIMEP, através da sua bibliotecária. Passei a editar meus livros em casa, artesanalmente; uma gráfica local faz a grampagem e o refilamento; minha mulher, Tânia, cria as capas (além da revisão e organização dos poemas). Com tiragens mínimas, que distribuo entre escolas, bibliotecas, amigos e amantes da literatura. Assim, posso “ditar” as minhas edições, atualmente com cerca de 70 títulos. Busco pessoas com interesse na área e em meus textos, para apresentações e prefácios. Com isso, atendo apenas as minhas possibilidades em termos editoriais. Não me satisfaço como escritor, pois são restritas as minhas chances de aproximação com os leitores. Com editoras formais tenho apenas 3 títulos, Os Objetos e as Coisas, Scortecci, SP, como prêmio por haver vencido o Concurso Literário da Livraria Asabeça, 2005, na categoria poesia; A Criação Estética, Editora Corpos, Portugal, 2009, através do site WAF, contra a entrega dos direitos autorais; ainda à venda no referido site; e Seres, feito em casa, com o selo da Sarau das Letras, por deferência do editor-escritor Clauder Arcanjo.

Compreendo, caro Nilto, que o mercado editorial sobrevive de negócios. Em nosso país, poucos são os leitores e, mesmo assim, “abarrotados” em pseudo romances e auto-ajudas. Literatura, muito pouco. Prevalece o “negócio”, quase sempre no “toma lá, dá cá”. Os diversos níveis governamentais pouco querem saber da produção literária: há dinheiro para dança, capoeira, surf, carnaval etc e tal. Para uma ideia mais precisa, tanto no governo do estado de Santa Catarina, quanto na prefeitura de Itapema, a cultura (e nem falam em literatura) está incluída na Secretaria de Esportes, Cultura e Lazer.

Há a lei do mecenato, mas, por exemplo, ano desses comecei a preencher os questionários da Petrobrás, desisti antes da terceira página. Não há chance, a não ser que se contratem escritórios especializados, tal a complexidade burocrática que cercam tais eventos.

Tenho consciência de que, para alcançar público maior, teria de abrir mão da minha concepção criadora e redacional. Gosto do que faço, não tenho vontade, nem condições de alterar meu conteúdo e formato.

Acho injusto não ter a oportunidade de trabalhar meus poemas junto ao público, mas, satisfaço-me com os retornos que, diariamente, tenho recebido. Sem contar a gentileza encontrada em tantos sites e blogs que sempre estão a me acolher, como em seu espaço.

NM – Os blogs literários são substitutos das editoras? Não teria chegado a hora derradeira das editoras? Numa nova divisão do “mercado das letras”, às editoras caberia publicar a Bíblia, o Corão, pensamentos de gurus, romances de aventuras, etc. Ficaria com os blogueiros (escritores) a “tarefa” de divulgar poesia, contos, romances, crônicas, crítica literária, etc. Não precisa ser profeta para imaginar o novo mundo, mas você pode falar disso?

Pedro – Transformada em negócios, a literatura “como expressão da condição humana” não tem espaço nas editoras tradicionais. Até pode acontecer de um ou outro nome, aqui no Brasil; ou, quem sabe, em países mais estruturados do ponto de vista cultural. Agora, a “massa” de leitores é atendida em textos padronizados, homogeneizados, sem profundidade, sem lítero-filosofia, sem a abordagem do leitor como ser humano, contraditório, frágil, porém interessado em melhorar o seu relacionamento com a cultura dos diversos povos e das diversas visões. As editoras negociais se atêm aos romances novelísticos, aos poemas de mesmas coisas, e à indústria dos livros pagos por demanda. Difícil entrar em uma livraria e dela sair com a certeza de que estão vendendo literatura. Como a Feira do Livro de Porto Alegre, por exemplo, que mereceu o comentário do jornalista Juremir da Silva de que lá até havia objetos com o formato de livro, mas, livro, mesmo, quase nada. Outro exemplo de como estão invertidos os procedimentos reside nos tantos livros oriundos de scripts cinematográficos e ou televisivos, ou seja, troca-se a filmagem da história pela edição em papel do que foram as filmagens.

Gosto muito do formato papel, entendo que nada o substitui. Talvez seja a minha idade, o gosto em ter as mãos sobre o papel. A possibilidade da anotação ao pé da página; o sublinhar de algum diálogo e/ou palavra; a abertura do livro na página pré-demarcada.

De outro lado, vistos os “negócios” a cercar a edição dos livros e suas implicações em relação ao que entendo por literatura, com certeza a internet tem se destacado no surgimento de novos e bons escritores. Mas a rede é dispersa e esgarçada. Todos os dias sou surpreendido com novos (ou nem tão novos) escritores. Alguns, bem relacionados, são totalmente desconhecidos na página seguinte. São difíceis os retornos: escritores, parece-me, gostam de escrever; também são bons leitores, mas não são contumazes e constantes interlocutores. Até porque, salvo os escritores-acadêmicos que escrevem e descrevem o fazer literário (que em geral estão posicionados contra a internet como local de disseminação da literatura), mesmo que defendam com cada vez mais interesse e ímpeto as letras tradicionais (ouvi de um acadêmico da ABL, em Curitiba, que poesia é métrica e rima, pois, se não houver métrica e rima, como ele poderia efetuar a comparação?), no geral os escritores são pessoas que entendem ter algo para transmitir, mesmo que disso não tenham o conhecimento teórico, nem se valham de arcabouços pré-estabelecidos.

Tenho a internet como “campo” de resistência da nova e boa literatura, descompromissada dos “negócios” editoriais; libertário e renovador, mesmo que marginalizado, como parece ser – enquanto perdurarem as editoras tradicionais e a (não) visão cultural das autoridades constituídas – o futuro das letras.

NM – Você escreve todo dia, tem horário para escrever, entende que escrever é ofício, dedicação, ou espera a poesia acontecer? Seja como for, de onde vem a poesia? Dos livros, da memória, da vida fora de você (pessoas, coisas, animais, fatos), do espaço, do éter, de Deus ou dos deuses? É preciso buscá-la, fazê-la, ou ela É, Está, bastando ao Poeta captá-la, colhê-la, como se fossem borboletas, nuvens, mistérios em constante passeio?

Pedro – Caro Nilto, escrever faz parte do meu dia a dia. Basicamente, escrevo todos os dias, sem horário fixo. Nem ofício, nem dedicação, nem espera. Necessidade. E quando não estou escrevendo, geralmente, estou lendo e/ou revisando meus textos. Às vezes, as ideias me ocorrem: uma palavra solta, o sentido em alguma leitura, a visão antecipada e o diariamente. Todos e tudo concorrem como inspiração. Nada acontece por acaso. Mas nada se oferece como mistério. Gosto de trabalhar temas e palavras; decompor palavras em palavras menores. Da oposição existente em termos correlatos e/ou parecidos. Da grafia. Da recuperação do significado. Desenvolvi em minha vida profissional a capacidade de “ver” o indevido, o que está fora do padrão, o que está errado ou o que é dispendioso. Não gosto da perda. Afinal, tantas administramos em nossas vidas. Leituras me oferecem inspiração pela abertura em relação aos temas e assuntos. O que deixou de ser dito, o que está nas entrelinhas e por trás das palavras. A indistinção entre o humano, o animal e o objeto. A abstração: retirar da concretude a inexistência e a transformá-la em palavra.

NM – Qual o lugar da poesia escrita? Na estante de outros poetas? Nos livros didáticos, para ensinar meninos a ler? Nas bibliotecas públicas, para satisfazer a curiosidade de ensaístas malucos? No lixo, para ser reciclada, virar filme, música, game, objeto de decoração, suvenir, frente verso de camiseta?

Pedro – Todas as opções podem estar corretas. Mas acrescento a leitura por parte de interessados ávidos por poemas. Pessoas que verdadeiramente se interessam pela poesia como literatura. Obviamente que como não temos “escolas” poéticas, difícil fica internalizar o espírito da poesia. Incutir nas pessoas a faculdade de interagir com o texto, vivenciar e multiplicar metáforas, discutir e realizar o exercício poético necessário ao acompanhamento dos textos, por mais herméticos que sejam. Os “mentores” da nossa sociedade, consumista ao extremo, tentam objetivar o conhecimento e o raciocínio, mas, como sempre, boa parte da população – mesmo consumidores – (ainda) busca se realizar no plano intelectual. Tenho a pretensão de que a poesia não tem limite de validade, nem irá se acabar como literatura, pois a incerteza que permeia nossas relações em relação ao outro e aos outros, e sobre o nosso destino, sempre estará presente em cada pessoa, mesmo que no recôndito de suas almas. Ou num último estertor a separar nossos espíritos da materialidade que nos rodeia em objetos e coisas.

NM – Você escreve todo dia para quem? Para Tânia, para leitores desconhecidos e conhecidos ou para você mesmo? Você se esforça para que a sua poesia não se pareça com anúncio publicitário, notícia, comentário, informação (é o que mais se lê por aí) ou essa dicção é natural em você?

Pedro – Talvez a resposta tenha sido, em parte, respondida na pergunta anterior, quando disse sobre as minhas razões para escrever. Escrevo para o “outro”; seja eu mesmo, seja efetivamente o outro, mesmo que tal não esteja plenamente consciente em mim. O “outro”, como meu interlocutor, permite a fluência dos textos. Por mais hermético, pessoal ou íntimo, todo poema, para mim, é forma de diálogo. Aqui, como na questão anterior, também as demais respostas estão corretas. A Tânia é minha frequência como inspiração e complemento; os conhecidos e os desconhecidos leitores habitam meus temas com suas leituras e retornos. Também sou meu leitor, porque a palavra é meu inconsciente aflorado, mesmo que metaforicamente. Afinal, de quantas infâncias somos feitos, não?

Quando comecei a escrever, metódica e sistematicamente, tive o cuidado de fugir ao lugar comum. Não que me pretenda “difícil” ou “pedante”, mas porque não há razões para eu iniciar a escrever, depois de certa idade, se não for para produzir algo que fuja ao corriqueiro, mesmo que me utilize de formatos não revolucionários, ou que meu palavreado não se esgarce em citações e/ou termos de difícil entendimento. Procuro fazer com que a palavra comum, diria, possa se estender em significados, sendo significante além do estrito sentido do termo. Essa é a minha dicção, naturalmente, sem necessidade de esforço, contenção e desdobramentos acadêmicos.

NM – Não sei o que mais lhe perguntar. Se você quiser, faça sugestão de pergunta. Agradecerei muito. Ou então encerre a entrevista com um recado aos seus leitores.

Pedro – Caríssimo Nilto, agradeço pela sua paciência para comigo. Não tenho como me fazer qualquer pergunta. Aos leitores digo que a leitura – sempre e sempre – é o motor cultural. Existem outras formas de expressão, mas todas passam pela leitura: esboço, arcabouço, traço, letras, palavras. As explicações necessárias ao entendimento da obra – mais das vezes – passam pelo relato, recado, cartas e bilhetes. Mesmo que os textos, ao serem lidos, não sejam do nosso agrado e não nos alterem o sentimento nem os sentidos, são necessários ao entendimento do todo e, principalmente, à possibilidade de vermos neles o futuro. Recomendo a leitura atenta e diária. As anotações. O sublinhar. A atenção despertada em entrelinhas. Quando me canso da leitura, escrevo. E procuro transmitir com as minhas palavras o tanto aprendido e apreendido nas leituras. Interessantes essas minhas colocações, pois, ontem, minha neta mais velha teve o prazer da leitura pela (sua) primeira vez. Deliciou-se. E quer mais.

Fortaleza (CE)/Itapema (SC), março de 2011
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terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

W. J. Solha: Todas as artes a Arte


(Conversa de Nilto Maciel com W. J. Solha: romancista, contista, poeta, dramaturgo, libretista, pintor, roteirista, cineasta, ator, compositor, produtor de teatro e cinema. Só não é tenor e bailarino por falta de boa voz e não saber dançar.)


(W. J. Solha)

Conheço W. J. Solha há alguns anos. Não pessoalmente. Primeiro li o livro dele A Canga. Se não me engano, em 1978. Ou terá sido Israel Rêmora? Ele também me leu. E, assim, nos fizemos amigos. Ele na Paraíba (mas é paulista de nascimento), eu no Ceará e depois em Brasília. Trocamos muitas cartas. Lamentações por não termos editor, pela falta de leitor, por isto, por aquilo. Apesar disso, nunca deixamos de ler e escrever. Persistimos como escritores. Passados 40 anos, decidimos manter uma conversa séria, severa, para que outros o conheçam. Porém, ainda por correspondência. Se nos veremos um dia, quem há de saber? Enquanto isto, leiamos o que Solha tem a dizer. “Nasci em Sorocaba, SP, 1941. Radiquei-me na Paraíba a partir de 62, quando tomei posse no BB de Pombal, PB. Foi aí que, por influência do meio e de um colega do banco, em especial – José Bezerra Filho – envolvi-me com teatro, literatura e cinema. Já colaborei muito com a imprensa de João Pessoa, atualmente mando toda semana duas matérias para o blog www.eltheatro.com, de Elpídio Navarro, geralmente um artigo e um "ensaio ilustrado".

Ao final desta conversa há um currículo de Waldemar Solha. Agora é a vez das perguntas e respostas.

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Entrevista

Nilto – Você contava apenas 21 anos de idade, quando se mudou para o interior do Nordeste. Sem querer um relato de sua infância, fale dessa mudança. O que levou na bagagem? Como se deu em você a passagem para o sertão? Que tipo de impacto sofreu?

Solha – Foi um dos momentos mais importantes de minha vida, Nilto. Eu vinha de uma família pobre – meu pai era carpinteiro da Estrada de Ferro Sorocabana – para uma agência do Banco do Brasil. O salto pra classe média foi significativo. Livrava-me, ao mesmo tempo, de todo o constrangimento que sofre um jovem na casa dos pais. O mais importante, no entanto, foi que saí de um meio culturalmente frio, para outro bastante aquecido, o que foi surpreendente, pois vinha de Sorocaba, SP, e estava tomando posse em Pombal, no alto sertão da Paraíba, 1962. Como exponho no romance Relato de Prócula, ali encontrei não apenas colegas envolvidos com teatro e literatura, como grandes amizades locais que me assombraram por uma imensa cultura. O Dr. Atêncio Wanderley, personagem desse meu livro, é real. Médico, tio de minha mulher, ele ouvia noticiários da BBC em inglês, gostava imensamente do latim de César no De Bello Gallico, de ler os grandes economistas e filósofos, adorava literatura de cordel. As conversas em rodas de calçada, com médico, padre, professor e juiz, em Pombal, mostraram-me um mundo de que sequer desconfiava. Um dia tive um sonho que me impressionou muito, botei-o por escrito, e um colega – o hoje escritor José Bezerra Filho – mandou-o para um professor da UFPB em João Pessoa, que o publicou numa antologia à base de mimeógrafo... e foi assim que produzi meu primeiro conto. Logo depois, um colega novo, ao tomar posse do banco depois de nós, pediu-me para escrever uma peça sobre a morte do estudante Edson Luiz, no restaurante do Calabouço, Rio, e tivemos nossa estreia três meses depois do fato acontecido. Tornei-me, assim, dramaturgo e ator. No ano seguinte, o mesmo Bezerra decidiu fundar uma empresa cinematográfica lá mesmo, em Pombal, e rodamos o primeiro longa-metragem de ficção, da Paraíba, em 35 mm. E me vi, de repente, como produtor e ator de cinema. Quando saí de Pombal, era outro.


(Cidade de Pombal, Paraíba)

NM – Menino e adolescente pobre, que livros você lia? Quem os fornecia ou indicava? Ou você saía fuçando bibliotecas, sebos, livrarias, como eu fiz, lendo o que lhe chegasse às mãos? Lendo tudo, desde livros didáticos, jornais e revistas, até pedaços deles, jogados ao lixo?

WJS – Minha mãe, apesar dos quatro filhos, nenhuma empregada, costurando para fora com sua velha máquina Singer, era uma leitora de romances típica daquela época (anos quarenta, cinquenta, sessenta): parecia não ver nenhuma diferença entre um Machado de Assis da maturidade ou Tolstói e autores de livros chamados "flor de laranja", tipo M. Delly, ou – mesmo – o Machado da primeira fase. Como ela tirava frequentemente essas edições da biblioteca da Estrada de Ferro Sorocabana, acabei lendo alguma coisa do gênero, na adolescência. Lembro-me de que o primeiro romance que li foi John, o Chauffeur Russo, de Max du Veuzit. O primeiro, brasileiro, Coração de Onça, de Ofélia & Narbal Fontes. Mas isso foi muito epidérmico. Como lia muito gibi desde muito pequeno, o que me influenciou muito, nesses primeiros tempos, foi uma revista nobre de Histórias em Quadrinhos chamada Epopéia. Nela, embarquei em épicos com títulos como Miguel Strogoff, Tourada Trágica, A Esfinge Negra, Parsival, Aquila Maris, Kim, e Kumiak o Esquimó. Nas quartas capas havia sempre a reprodução de uma pintura clássica – Mona Lisa, A Batalha do Avaí, Napoleão nos Alpes – e nas terceiras, o resumo de uma grande ópera de Verdi, Wagner, Donizetti, Puccini ou Carlos Gomes. Passei a ouvir todos os programas de rádio com música clássica, passei a estudar pintura, primeiro com um alemão – Ludoviko Prohaska –, depois um italiano – Flávio Gagliardi. Devorei todo o Tesouro da Juventude e, uma vez por mês, ia a São Paulo, assistir aos Concertos Matinais Mercedes-Benz, no Teatro Municipal. Como vi que não levava jeito pra nada, larguei tudo e fui estudar contabilidade... que me levou ao Banco do Brasil.

NM – Então, em Pombal, com emprego certo e bom, você pôde se dedicar a escrever. Como nasceu A Canga, peça teatral e depois romance? Isto se deu logo após a sua chegada ao sertão? Foi seu primeiro livro escrito ou houve outras tentativas?

WJS – A Canga surgiu de uma espécie de novela que fiz, hoje perdida, composta de uma série de contos, cada um se passando numa época. Depois de uma cena em plena Pré-História, saltava-se para o sertão nordestino (A Canga), daí para o faroeste americano, para a segunda guerra mundial, etc. A primeira imagem a me vir na cabeça, ao criar essa estória, foi a de um pai, desprovido de bois para arar, pondo os filhos no lugar deles, na canga. Eu era o chefe da carteira agrícola da agência do BB em Pombal, na época, conhecia aquela gente toda na intimidade. Com a ideia, acabei, sem querer, criando uma imagem emblemática do despotismo. Mas o conto daria em nada se não me surgisse o convite de montar uma peça curta a ser exibida numa festa (dentro da campanha para a escolha da Miss Paraíba 1968) em que – além da beleza das meninas locais – Pombal pretendia mostrar alguma coisa da cultura local, Aleluia! Montei o espetáculo e fiz o mesmo papel – aos 29 anos – que faria no hoje famoso curta do Marcus Vilar – aos 60 (em 2001): o do pai que, de chicote em punho, põe os filhos sob o mesmo jugo que impunha aos bois, impelido pela necessidade de plantar. Aí ressurgiu na Paraíba um de seus grandes filhos, há muito no sudeste: o irmão de Chacrinha, Jarbas Barbosa, um dos grandes produtores do cinema brasileiro, inclusive do Deus e Diabo na Terra do Sol. Ele vinha atrás de montar um polo cinematográfico em João Pessoa, e precisava de grandes roteiros. Foi quando fiz A Canga para ele. Mas todo o projeto deu em nada, por que Jarbas faliu, e, sem nada nas mãos, exatamente como começara, resolvi transformar o script em romance, donde saiu A Canga, 2º. Prêmio Caixa Econômica de Goiás, que mereceu ao ser publicado pela editora Moderna de São Paulo – única e exclusivamente – um comentário seu, Nilto, pelo que, mais uma vez, lhe agradeço. Mas esse não foi meu primeiro livro. Em 1974 concorrera ao Prêmio Fernando Chinaglia de Literatura com A Canga e... Israel Rêmora. Como a censura, na época, era terrível, A Canga, que deveria ganhar o certame, ficou com uma menção especial... e Israel Rêmora ganhara a parada, sendo editado, em 75, pela Record.


(Praia de Tambaú, João Pessoa)

NM – Você tem se dedicado à literatura, mas também ao teatro, ao cinema, à música. Você sente necessidade disso, de ser múltiplo, de abarcar diversas modalidades da Arte? A literatura não o satisfaz? Você se explica ou se aceita complexo?

WJS – Vou produzindo, sempre, o que o momento me pede, Nilto... e nunca me arrependi por isso. De repente me chega Rinaldo de Fernandes pedindo-me um conto a partir do Dom Casmurro, para sua coletânea Capitu Mandou Flores e vislumbro a delícia de uma reconstituição histórica e de botar, de uma vez, a malandra pra transar com Escobar. Ou então me pede algo em cima do conto "Sarapalha", do Guimarães Rosa, para outra organização sua que veio a ser Quartas Histórias, lembro-me de que Guimarães considerava esse o pior de seus trabalhos e associo tudo ao conto de Cortázar em que um grupo de cinéfilos, apaixonados pelo trabalho da atriz Glenda Jackson, resolve tirar os defeitos de filmes em que ela teria trabalhado. Aí me chega o maestro Eli-Eri Moura e me convida pra fazer o libreto da primeira ópera armorial, já com estreia marcada no festival Virtuosi, no Teatro de Santa Isabel, no Recife, e vejo imediatamente um dueto de Ariano Suassuna com seu ídolo, Cervantes, os dois cantando um martelo agalopado em português e castelhano. Na estreia dessa Dulcineia e Trancoso, Daniel Aragão me vê subindo ao palco e resolve: "É o seu Francisco!", referindo-se ao personagem do longa O Som ao Redor, do Kléber Mendonça Filho, papel que acabei fazendo. Na última semana desse filme, Marcelo Gomes me chama para um teste para seu terceiro longa – Era uma vez Verônica – e na última semana desse filme fui convidado para um curta no sertão, o Antoninha, do Laércio Ferreira. Essa série de trabalhos (em que se incluiu um episódio-piloto de Carlos Dowling para TV) custou-me uma ausência de quatro meses no poema longo em que trabalhava e trabalho desde que terminei o romance Relato de Prócula, há cerca de dois anos. E por que o poema longo? Porque, apesar da bolsa da Funarte que ganhei com esse romance, fato que me ajudou a publicá-lo pela A Girafa, encontrei dificuldade para lançar o romance anterior – Dricas (que permanece inédito), sentindo-me o mesmo desconhecido de sempre, em que umas editoras veem um mau negócio. Como o poema longo anterior – "Trigal com Corvos" – me consumiu catorze anos, decidi partir para trabalho na mesma linha, avaliando que, nos 70 anos que faço em 2011, dificilmente terei como me preocupar com um livro posterior. Por outro lado, deixei a pintura em 2004, depois de uma grande exposição que fiz em João Pessoa. E o teatro em 1990, pelo mesmo motivo: a conclusão de que, nessas áreas, eu não tinha mais o que dar.

O que me move, então, são as encomendas? Como se vê, nem sempre. Ninguém me encomendou um poema longo e estou cavalgando nesse enorme dragão pela segunda vez. O problema é que todas as artes me encantam. Pena que não tenho boa voz e não danço, ou seria tenor e bailarino, também. Você não imagina o que é contracenar com a grande atriz Hermila Guedes (de O Céu de Suely), dirigido por um Marcelo Gomes: é o mesmo que trabalhar com Sophia Loren num filme maravilhoso como o Um dia muito especial, dirigido pelo Ettore Scolla. A realização de um romance é um quebra-cabeças estupendo, e trabalhar com as palavras, sem a dependência de uma narrativa, torna a poesia insuperável. Fazer uma parceria com uma Ilza Nogueira, um maestro José Alberto Kaplan, um maestro Eli-Eri Moura é outra experiência única. Não há como descrever o espetáculo de grandes solistas, coro, orquestra e um grupo de dança botando no palco o que você escreveu. Por outro lado, como as palavras sempre me conduzem a uma angústia frequentemente insuportável, imagine o que foi, para mim, passar nove meses sem me servir de nenhuma delas, pintando as 36 telas que compõem o retângulo de 7,20m de largura – "Homenagem a Shakespeare", que está lá no auditório da reitoria da UFPB. E tudo isso me dá subsídios para escrever. No Relato de Prócula transferi a emoção que tive ao fazer Pilatos durante três anos, num grande espetáculo ao ar livre, ao meu personagem principal. A namorada dele escreveu muitos de meus versos. A outra, faz fotomanipulações que na verdade são muitos de meus quadros. O narrador... produz o primeiro longa-metragem paraibano de ficção em 35 mm, presepada que também vivi com o colega do BB e escritor José Bezerra. E assim vai...




NM – Não precisamos nos lamentar como escritores (ou artistas), porque a lamentação já é uma obra de arte. Entretanto, não temos leitores, os jovens não sabem ler, não há bibliotecas, os livros são caríssimos, não há divulgação de literatura na grande mídia, etc. Como você (frágil criatura que se arde em arte) enfrenta essa realidade (dragão a soltar labaredas na direção de frágeis criaturas que criam dragões e outros seres)? Sonhando mais ou criando para matar monstros?

WJS – Nilto, eu simplesmente faço porque não posso parar. Quanto ao mercado, lembro-me de que todos nós, na Paraíba, reclamávamos do apoio nenhum que tínhamos no teatro – do Poder e do Público – restando-nos, apenas, o irrestrito (nunca pude reclamar disso) da Mídia, aí chega o Luiz Carlos de Vasconcelos e monta o Vau da Sarapalha, com o grupo Piollim, de João Pessoa. Caramba. Quando fui ver a peça, estávamos, na plateia, eu, minha mulher, o Buda Lira (irmão de dois dos integrantes do elenco) e mais duas pessoas. Perguntei ao Luiz Carlos; "Vai dar o espetáculo só pra gente?" E ele: "Vai valer como ensaio". Resultado: vi o espetáculo, deslumbrei-me, cheguei em casa e fiz um artigo profetizando que o grupo iria fazer sucesso "até nas estranjas", e foi dito e feito. O público danou-se a crescer e vimos que o povo apenas vai ver aquilo que quer ver, condicionado a isso ou não. Digo-lhe sinceramente: toda semana publico um artigo e um "ensaio ilustrado" no blog eltheatro, de Elpídio Navarro. Jamais recebi, dos leitores, uma palavra sequer de aplauso ou crítica. Nada. Porra nenhuma. Acostumei-me. É como atirar uma pedra num poço e não ouvi o baque dela n’água.Van Eyck sempre assinava seus quadros e escrevia embaixo: "Faço o que posso". E é isso: Faço o que posso. Não gostam? Um e outro gosta. Mas frequentemente a coisa vai às raias do martírio. Passei os últimos dez anos do Banco do Brasil sem almoçar, pra poder escrever. Eu precisava criar! Quando trabalhei, no último quadrimestre, nos filmes de Kléber Mendonça, Marcelo Gomes, Carlos Dowling e Laércio Ferreira, passava as noites em claro, fumando e tomando cerveja (duas coisas que raramente faço) ensaiando sem parar. "Vou pagar caro por isso", eu me dizia. Mas que fazer? Quando terminei o périplo, no dia 23 de dezembro, às vésperas do Natal, estava "morto". Tive que ir a um cardiologista, passei a tomar três comprimidos por dia, pra me reaprumar, o que ainda não aconteceu, e você acha que vou ganhar prêmio de melhor ator em Cannes, Brasília, Gramado, São Paulo? Claro que não: há centenas de pessoas vivendo o mesmo calvário. Formamos um caldo de cultura de que um e outro dará resultado, e – pelos meus 70 anos – jamais eu. Que é que posso fazer? Reclamar do povo, do governo, de Deus? Não faz meu gênero. Vou continuar trabalhando, curtindo esse amor – eterno enquanto dura – às Artes. Todas elas.

NM – Há novidades boas na literatura publicada na Paraíba, nos outros Estados do Nordeste e no Brasil? Muitos têm acreditado no espaço da Internet como tábua de salvação e aparecem em blogues e revistas eletrônicas. Você está neste meio? Lê essas obras?

WJS – Ainda na manhã de hoje terminei de ler os originais do primeiro romance de Marília Arnaud, daqui de João Pessoa, já conhecida como grande contista. Esse novo livro dela – cujo título não estou autorizado a divulgar (talvez ela queira participar de algum concurso) é ótimo. Texto primoroso, andamento narrativo seguríssimo, enorme sensibilidade. O Brasil vai gostar. Li, também, os originais do romance O Autor da Novela, do Tarcísio Pereira – que ganhou a bolsa Funarte de incentivo à literatura no ano passado. É, também, muuuito bom. Mas na verdade não tenho tempo pra acompanhar tudo que se faz por aqui, pelo Nordeste, pelo país, muito menos pelo mundo, tão centrado vivo nas minhas próprias coisas.

Quanto a publicar pela Internet, não acho que isso deva ser encarado como alternativa. "Você não consegue editora, põe na web". Parece aquela coisa de acabar com os predadores e ver os alces perdendo as melhores qualidades da espécie. Vejo a Internet como mais uma opção. Meus "ensaios ilustrados", por exemplo, não seriam, jamais, veiculados em jornais ou revistas, pela extensão – vinte a trinta páginas cada um. Mando-os, por isso, semanalmente, a meus amigos Elpídio Navarro – daqui – e Hugo Caldas – do Recife, que os publicam mui caprichosamente em seus blogs eltheatro e Unlimited. E se mal tenho como me manter mais ou menos atualizado com respeito a livros impressos, imagine com os eletrônicos. Sinto até um certo sufoco físico ao entrar numa grande livraria, como a Cultura, do Recife, que frequentei muito quando fazia laboratório – no Paço Alfândega, que fica ao lado dela – para o filme do Marcelo Gomes. Senti sufoco igual quando cheguei a Pombal, nos anos 60, e dei com tantos livros nas casas dos amigos, felizmente quase sempre clássicos. Devorei Gogol, Turguenief, Dostoiévsky, Tólstoi, Tchékov, Puchkin, depois Soljenitsen, Pasternak, mais um e outro e me senti quites com a literatura russa. Li Homero, os filósofos gregos, mais Ésquilo, Eurípedes e Sófocles e – bem, "botei os melhores helênicos no bolso". E assim tirei meu atraso com franceses, ingleses, americanos, italianos – A Divina Comédia! –, alemães – Que sacrifício engolir Fausto! – portugueses – devorar os Lusíadas! –, espanhóis, os hispanoamericanos e... fiquei em relativa paz. Mas como selecionar tudo aquilo em torno de que ainda não assentou a poeira?

Por outro lado, sinto-me mal dizendo isso, pois estou no meio da cambulhada: o Éric Obsbawn, em A Era dos Extremos, num balanço do que foi a arte no século XX, pergunta: que outro nome surgiu nas artes plásticas, para ombrear com o de Picasso? Que outro livro teve consenso universal, depois de Cem Anos de Solidão, de 67?

NM – Tenho muito a perguntar, você tem muito a dizer. Porém, precisamos dizer “até logo”, porque o rio é caudaloso, há peixes de todos os tamanhos e espécies, as águas ora são turvas, ora límpidas, e navegar é preciso. Encerre esta conversa, por favor.

WWJS – Eu é que lhe agradeço, Nilto. Muitíssimo.

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CURRÍCULO DE WALDEMAR JOSÉ SOLHA (W. J. Solha)

Peças teatrais escritas e montadas por ele:
– A Canga – 1968, em Pombal, PB
– A Batalha de OL contra o Gigante FERR – 1986, com o Grupo Bigorna, em João Pessoa
– A Verdadeira Estória de Jesus – 1988, idem, idem

Peças teatrais escritas por ele e montadas por outros:
– Burgueses ou Meliantes? – dirigida por Ubiratam de Assis, Grupo Bigorna, 1982
– Papa-Rabo – dirigida por Fernando Teixeira, idem, 1982
– A Batalha de Oliveiros contra o Gigante Ferrabrás, dirigida por Ricardo Torres, em Brasília, 1991
– A Bagaceira – dirigida por Fernando Teixeira

Roteiro para balé:
– Caldo da Cana – música do maestro Carlos Anísio, coreografia de Rosa Ângela Cagliani

Romances publicados:
– Israel Rêmora – Prêmio Fernando Chinaglia 1974, publicado pela Record em 75
– A Canga – editado pela Moderna em 1978, reeditado pela Mercado Aberto em 84. Menção especial Prêmio Fernando Chinaglia 74, 2º. Lugar Prêmio Caixa Econômica de Goiás 75, menção honrosa Prêmio Remington de Literatura 1977
– A Verdadeira Estória de Jesus – Ática, 1979
– Zé Américo Foi Princeso no Trono da Monarquia – Codecri 1984
– A Batalha de Oliveiros – Prêmio INL 1988, ed. Itatiaia 1989
– Shake-up – Ed. UFPB 1997
– Relato de Prócula – A Girafa, 2009, Bolsa de Incentivo à Criação Literária da FUNARTE 2007. Prêmio UBE, Rio, 2010

Coletânea de contos, roteiro cinematográfico e dois romances:
– História Universal da Angústia – Ed. Bertrand Brasil, 2005, Finalista do Jabuti em 2006, Prêmio Graciliano Ramos, da UBE, Rio, 2006

Poesia:
– Trigal com Corvos – Ed. Palimage, de Portugal, 2004, Prêmio João Cabral de Melo Neto, da UBE, Rio, 2005

Parceria com compositores:
– Via-Sacra, Oratório de Semana Santa, com música de Ilza Nogueira, apresentada na Igreja de São Francisco, na semana santa de 2005, sinfônica regida pelo maestro Carlos Anísio, balé com coreografia de Rosa Cagliani, Coral Villa-Lobos
– Cantata pra Alagamar, com o maestro José Alberto Kaplan, 1979. Gravada pela Marcus Pereira, SP
– Réquiem Contestado – para o maestro Eli-Eri Moura, gravado pela UFPB em 1998
– A Ópera Dulcineia e Trancoso – para o maestro Eli-Eri, estreia em 2009, no Teatro de Santa Isabel, no Recife

Pintura:
– Tem um painel – Homenagem a Shakespeare – no auditório da reitoria da UFPB, composto de 36 telas (uma para cada peça do Bardo), formando um retângulo de dois metros por 7,40, além de um quadro de 1,60 por 3,60 – A Ceia – no Sindicato dos Bancários da Paraíba

Cinema:
– Produção – com José Bezerra Filho – do primeiro longa-metragem de ficção em 35 mm da Paraíba, O Salário da Morte, dirigido por Linduarte Noronha
– Roteiro de A Canga – curta-metragem de Marcus Vilar com 23 prêmios nacionais e internacionais
Como ator, participação nos curtas A Canga e A Casa Tomada, bem como nos longas O Salário da Morte, Fogo Morto (Marcus Farias), Soledade (Paulo Thiago), Lua Cambará (Rosemberg Cariry) e Bezerra de Menezes (de Glauber Filho, Joe Pimentel)
– No último quadrimestre de 2010 trabalhou como ator nos longas O Som ao Redor e Era Uma Vez Verônica, de Kleber Mendonça Filho e Marcelo Gomes, ambos no Recife. De volta à Paraíba, trabalhou no episódio-piloto para TV A Arte e A Maneira de Abordar seu Chefe para conseguir Aumento, de Carlos Dowling, em João Pessoa, e no curta Antoninha, de Laércio Ferreira, no alto sertão da Paraíba

Romance inédito:
– Dricas – que talvez saia neste ano pela Escrituras, SP

Em andamento:
– Marco do mundo – poema longo
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domingo, 23 de janeiro de 2011

Conversa de Nilto Maciel com o poeta Carlos Nóbrega



(O poeta Carlos Nóbrega)


Como a maioria dos escritores brasileiros, Carlos Nóbrega é um desconhecido. Mora em Fortaleza (como outras dezenas de bons poetas, contistas e romancistas), não aparece nos jornais (e quem aparece?), publicou cinco “livrinhos” (por pequenas editoras, é claro) e, vez por outra, sai de casa ou da empresa onde trabalha, para tomar um chope e conversar com os poucos amigos, também escritores. Um deles sou eu, que gosto de ser jornalista (do tipo antigo, sem formação em curso de jornalismo) e de ouvir quem tem muito a dizer. Conversei com ele (via correio eletrônico) durante alguns dias do final do ano passado. Só então fiquei sabendo de seu nome completo: Carlos Alberto Medeiros Nóbrega, descendente de paraibanos. “Nasci no Henrique Jorge (bairro popular da capital cearense), poucos anos depois da inauguração do Conjunto Residencial Casa Popular. Foi uma infância bárbara, selvagem, no mato. Tão maravilhosa que ainda hoje, 45 anos depois (tenho 55) me fornece alumbramento. Depois cresci, fiquei careca, fiz um curso de Gerência Financeira na UFC, casei, descasei, recasei, extraí cinco filhos daí, e escrevi uns versinhos bobos que ficaram enfeixados nos livrinhos A sono solto, Outros poemas, Breviário, Árvore de manivelas, O quanto sou e 8verbetes. Mais nada que mereça ser relatado, lembrado ou registrado, a biografia é magrela mesmo”.




sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

Conversa com Wilson Gorj

Nilto Maciel


(Wilson Gorj)

Conheço Wilson Gorj há pouco tempo. Encontrei-o em omuroeoutraspgs.blgospot.com (mantido por ele). Sua dedicação ao microconto me chamou a atenção. Passamos a trocar ideias e livros. E o convidei a me conceder uma entrevista. Em sete dias deste novembro de 2010 enviei-lhe perguntas e recebi respostas, por correio eletrônico. E aqui está a teor da conversa.

Wilson Gorj (1977 - Aparecida, SP) é autor dos livros Sem contos longos (2007) e Prometo ser breve (2010), ambos constituídos de micronarrativas. Tem participação em várias antologias, revistas e sites. Obteve alguns prêmios, como o de finalista do Mapa Cultural Paulista 2010 (categoria: crônica). Por seis vezes esteve entre os premiados do Concurso de Contos “Aconteceu em Aparecida”, classificando-se, por três anos consecutivos, em primeiro lugar. É membro-fundador do Grupo Valefoco, formado por poetas e escritores que buscam fomentar a literatura no Vale do Paraíba. Escreve para os jornais O Lince e Comunicação Regional. É editor do selo 3x4 microficções, da editora Multifoco/RJ.

Entrevista

NM – Quando/como começou em você a "vontade" de escrever contos curtos, curtinhos, os chamados minicontos, microcontos, nanocontos? Quem/o que detonou o estopim em você?

WG – Alguns fatores contribuíram para que eu me concentrasse nos minicontos. A prática deles começou meio sem querer. Sempre me ocorreram ideias literárias, as quais eu transformava em sinopses e, mais frequentemente, em episódios e fragmentos, aproveitáveis talvez em algum conto futuro ou quem sabe (imaginava eu) num possível, para não dizer improvável, romance. Creio que assim, involuntariamente, ensaiava meus primeiros passos na direção dos minicontos. Depois, com a prática e a confiança em minha escrita, apliquei-me na confecção de contos mais elaborados. Ganhei alguns concursos, mas me sentia muito insatisfeito com a qualidade dos meus textos. Tal insatisfação levou-me a procurar auxílio nos conselhos de escritores renomados: tornei-me um leitor compulsivo de entrevistas literárias; fuçava a internet à cata de possíveis técnicas e recursos que pudessem melhorar o estilo e aprimorar a escrita; adquiri livros sobre a arte de escrever. Dos conselhos dados pelos autores percebi que o mais recorrente era a busca pela clareza e concisão. “É preciso saber cortar”, “corte sempre”, “não tenha dó de extirpar do texto aquilo que não lhe faz falta” – eram as dicas com a quais eu mais me deparava. Resolvi seguir o conselho. Amolei meu senso crítico e me pus a cortar as excrescências de alguns contos alongados. Um deles, então, após uma boa podada, chegou a faturar o primeiro lugar num concurso municipal. Com o prêmio, recebi o convite para escrever em um encarte cultural, que depois se transformou no Jornal O Lince, para o qual até hoje escrevo (quase sempre, minificção). Do dono do jornal, o prof. Alexandre Barbosa, também veio o incentivo para publicar meu livro, o Sem contos longos, todo feito de micronarrativas – boa parte delas publicadas anteriormente nas páginas d’O Lince. E foi assim que os textos minimalistas tomaram conta da minha produção literária.

NM – A prática do miniconto pode levar o escritor a se repetir ou a se tornar chato? Muitos "minicontistas" (este vocábulo já foi cunhado?) se tornam meros piadistas. Você não teme se tornar um escritor de piadas?

WG – Tornar-se chato e repetitivo é um risco ao qual estão sujeitos escritores de todos os gêneros. Chatice e repetição não decorrem necessariamente de formatos e tamanhos, mas principalmente da falta de motivação e criatividade. Muitos autores se forçam a escrever sobre qualquer coisa que lhes ocorra durante a escrita; não partem de uma idéia para escrever seus textos; em vez disso, vão encadeando palavras e palavras na expectativa de que a ideia surja em meio ao emaranhado de frases gratuitas; certamente reside aí o perigo da repetição, da chatice. De uns tempos para cá, tenho recorrido à escrita apenas quando me ocorre uma ideia que valha a pena, ou melhor, a tinta, pois meus textos são paridos à caneta (o computador é onde se desenvolvem). Às vezes passo dias sem escrever uma única linha; a mente seca, estéril. E mesmo quando ela entra no cio, depois de fertilizada por algum pensamento, evito precipitar no caderno a ideia concebida. Deixo-a em processo de gestação. Se for fraca, o aborto será espontâneo; se não, a caneta fará sua parte. A maioria das minhas ideias nascem travessas, brincalhonas. De onde concluo que o humor seja meu gene predominante. Daí muitos dos meus minicontos soarem como piada. Alguns, suponho eu, conseguem transcender este caráter meramente anedótico. Nestes casos, o humor é apenas um meio, não o fim. A piada, então, torna-se uma máscara a encobrir algo mais profundo.

NM – A criação do blogue “O Muro & outras páginas” é consequência de sua dedicação ao miniconto. Imaginemos os muros das cidades, as pichações. Os muros são o papel onde se escrevem frases de amor, de protesto ou de mera revolta dos desajustados socialmente, dos renegados, dos que não têm voz. É isto ou não? O miniconto é um gênero literário ou um subgênero?

WG – O nome do blog é uma referência a um dos minicontos do meu primeiro livro, o Sem contos longos. Conta a história de um escritor que não consegue encontrar publicação para suas obras. Isso o leva a recorrer às pichações. Termina assim: “Até ser apanhado em flagrante, fez dos muros da cidade as suas melhores páginas”. Obviamente que o escritor deste miniconto pertence a uma época anterior à internet. Afinal, nos dias de hoje, há meios mais eficazes de os escritores exporem seus textos. Os blogues se prestam melhor à literatura do que os muros.

Em resposta à outra pergunta, lamento, mas não tenho muito a acrescentar. Saber se o miniconto é um gênero ou subgênero, é uma questão à qual sou indiferente. A mim, interessa escrever minhas histórias da melhor forma que posso, sempre me norteando pelo critério da concisão. Busco ser conciso sem, no entanto, me prender a convenções de tamanho como, por exemplo, o número de caracteres que distingue um microconto de um miniconto, ou este de um conto. São regras que não me interessam.

NM – Quem você destaca na prática do miniconto? Dalton Trevisan está entre os seus mestres? Fora do Brasil onde mais se pratica este gênero?

WG – Sem dúvida, há em nossa literatura autores que se destacam como minicontistas. Alguns deles, inclusive, foram publicados pelo selo 3x4 microficções, da editora Multifoco, RJ. A quem quiser conhecê-los recomendo o blog do selo: . Além desta, outra referência on-line é a Revista Veredas, editada pelos escritores Marcelo Spalding e Ana Mello, também expoentes da micronarrativa brasileira. A bem da verdade, não nos faltam autores cujos minicontos merecem destaque: Marina Colasanti, José Eduardo Degrazia, Eno Teodoro Wanke, Elias José, Leonardo Brasiliense, para citar apenas os nomes que agora me ocorrem. Dalton Trevisan também é outra referência. No entanto, prefiro identificar meus mestres para além dos minicontistas. Machado de Assis, Graham Greene, Galeano, Borges, Nabokov, Quintana, Pessoa... Enfim, busco tirar proveito de tudo que leio. Desta leitura variada se nutre a minha escrita e, consequentemente, meus minicontos.

De fato, o Brasil não é o único lugar onde o miniconto tem encontrado praticantes. Argentina, Colômbia, México, Venezuela, Espanha e Portugal são países em que a microficção vem se projetando significativamente e, pelo que apurei, alguns deles levam vantagem em relação à projeção em nosso país.


(Wilson Gorj)

NM – No início desta conversa, você falou em romance. Há mesmo o projeto de escrever um romance? Na fala acima, você diz que prefere identificar como mestres Machado, Pessoa e outros poetas, romancistas e contistas que não são (ou foram) praticantes do miniconto ou minipoema (exceção, talvez, do Quintana). Há, em você, o entendimento de que romance, conto longo e poema mais encorpado são obras mais elaboradas do que minicontos e minipoemas?

WG – Por enquanto não tenho nenhum projeto de romance. Tenho, sim, algumas ideias, um monte de esboços e rascunhos. Pode ser que um dia eu empreenda a produção de um enredo com mais fôlego e elaboração. Pode ser, mas não me frustrarei se isso não ocorrer. No meu entender, não é a extensão ou a categoria de uma obra que a torna superior à outra. Se há uma escada de evolução literária, os degraus certamente não são formados por gêneros ou tamanhos. Evoluir como escritor é aprimorar-se, elevar o nível da escrita, buscar um texto cada vez envolvente e eloquente, não importa se curto ou longo. A mim é preferível ver uma idéia estourar em uma única frase a vê-la diluída em muitas. Prefiro a certeza de que escrevi alguns minicontos bons a suspeita de ter publicado contos ou romances ruins.

NM – Há minicontos famosos, repetidos, imitados, como aquele do dinossauro (Monterosso), um de Hemingway, além daqueles mais espichados, com cerca dez linhas, como alguns de Kafka. Apesar disso, o miniconto parece não ter alcançado o prestígio do haicai. Como você isso?

WG – O miniconto (ou micronarrativa, como se convencionou chamá-lo) ainda terá o merecido reconhecimento. Em outros países isso não está longe de acontecer. Na Colômbia, por exemplo, há seis anos realizam um Congresso Internacional de Minificção. Pelo visto, ao menos por lá, os minicontos alcançam prestígio. Por aqui, é só uma questão de tempo. Até porque o haicai, a que você se refere, não se firmou da noite para o dia. De Bashô a Leminski permeiam quase dois séculos e meio de literatura. Cito, ainda, outro grande poeta nosso, igualmente associado ao haicai: Guilherme de Almeida. O que poucos sabem é que este deixou um pequeno livro cujos textos podem perfeitamente passar por minicontos (Histórias, talvez – Edições Melhoramentos). Aliás, não só o “Príncipe dos Poetas”, mas até Drummond publicou uma obra semelhante: Contos plausíveis, Editora Record. À época dessas publicações, esses textos curtos não eram apresentados (como atestam os referidos títulos) como minicontos. Tivessem sido lançados agora, aposto que não escapariam a essa associação.

NM – Em entrevista publicada recentemente, Vítor Nascimento Sá, do site Verbo 21 fez a seguinte pergunta a Astrid Cabral: “Nesse tempo de muita informação em pouco tempo, proliferam-se as modalidades de literatura curta (o miniconto, o microconto, os haicais) e o uso de diversos suportes como alternativas ao livro (os sites, blogs, microblogs). Qual o destino da literatura? Isso é algo que lhe preocupa?” E a poetisa respondeu assim: “O futuro da literatura não me preocupa. Acho que o ser humano, em que pesem as mudanças contínuas, preserva uma identidade de eterna insatisfação. Assim sendo, a arte e a religião são sempre absolutamente indispensáveis para suprir a sede da alma. A remotíssima história sempre nos apresenta formas do uso superior e não utilitário da palavra, hinos religiosos, oráculos, cânticos de trabalho, de guerra, de embalar crianças. Digamos que as formas e os suportes mudam ao correr dos tempos. Passamos dos tijolos cuneiformes da Babilônia aos e-books cibernéticos, mas o ímpeto criador e o pensamento feito palavra sempre sobreviverão”. Como se participássemos de um debate, como você responderia a pergunta?

WG – Não creio no fim da Literatura, mas prevejo-lhe, talvez, um destino parecido ao da Música Clássica, hoje delegada a um público ainda mais restrito do que em outras épocas. É notório que a Literatura vem perdendo terreno para outras formas de entretenimento e expressão como a televisão e a internet (embora esta última também lhe conceda novos espaços). Mas isso não chega a me preocupar, pois sei que a Literatura é insubstituível, insuperável. É mais do que divertimento e fonte de informação. É, sobretudo, libertadora. O convívio com os grandes livros nos liberta da estupidez: dos limites que esta nos impõe. Reafirmo o que disse em outra entrevista: no meu conceito a Literatura está acima da religião; se esta pretende nos salvar, tornando-nos melhores, aquela realiza esse propósito com mais competência e profundidade. A Literatura nos melhora porque potencializa nossas faculdades (expande nosso conhecimento, aguça nossa sensibilidade, dilata-nos a capacidade de compreensão e discernimento) e descortina novos horizontes, outras perspectivas.

NM – É possível alguém escrever mil minicontos bons? Ou, de um total de mil, poderão se salvar apenas dez, vinte ou mesmo cem? Parece-me que minicontos são meros exercícios de escrita. Entretanto, toda obra literária (artística, lato sensu) tem muito valor para seu autor. É o possível para ele. Os Lusíadas, para Camões; Dom Casmurro, para Machado; Ulisses, para Joyce. Pois o poeta português “só” escreveu “um” grande poema, embora sejam grandes todos os seus sonetos e poemas menores (em número de versos). Machado “só” escreveu quatro ou cinco romances excelentes. Joyce compôs “apenas” dois ou três romances fundamentais. São obras canônicas. Por outro lado, milhares de romances dos fulanos, milhões de contos dos beltranos, bilhões de poemas dos sicranos, que não são reconhecidos pelo cânone literário, são publicados infinitamente em livros, jornais, revistas e agora em blogues. A grande maioria dos minicontos não é apenas isto: o lixão da literatura?

WG – De certa forma, todo texto é um exercício de escrita, principalmente para quem está começando. Os minicontos, porém, são mais do que isso; pelo menos, para mim. Muitos dos meus textos demoram meses para ficar prontos. Dedico a eles o mesmo tempo e empenho que dedicaria a um conto ou romance. Às vezes acerto com eles, outras não. A probabilidade de escrever mil minicontos bons não é menor do que a de escrever mil poemas bons. Contudo, acho natural que se aproveite pouco do muito do que se escreve. Também é natural que dos textos aproveitados para publicação nem todos encontrem reconhecimento ou, quiçá, alguma permanência. A mim, no entanto, não me preocupa “permanecer” como escritor. Afinal de contas, se a posteridade não se lembrar de mim como tal, não estarei aqui para me frustrar. Mais do que o futuro, interessa-me o presente. Interessa-me escrever – e fazê-lo da melhor maneira que posso, eis tudo. Se escrevo minicontos é porque me dão prazer, me instigam, me provocam e, sobretudo, me estimulam a investir na literatura. Agora, se o que escrevo merece apreço ou desprezo, se deve ser mantido ou descartado, caberá o leitor decidir. Aliás, se encontrássemos este tal “lixão da literatura” seria difícil retirar de lá os minicontos imprestáveis, pois esses se perderiam na esmagadora profusão de outros textos ruins – romances, contos, poemas, crônicas – que nele já foram depositados.

Fortaleza/Aparecida, novembro de 2010.
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sábado, 20 de novembro de 2010

Conversa com Caio (Parte 3)


NM – Como você recebeu a indicação de seu livro Trapiá para o vestibular da Universidade Federal do Ceará e como se sente com a 4ª edição de O sal da terra? Para nós, seus amigos, admiradores, leitores, sua obra merece muito mais que indicações para concursos e reedições. Você se sente pouco prestigiado? É assim mesmo? Um dia reconhecerão o seu imenso valor?


Caio – Não sei nem como de fato lhe responder. Há muitos prós e contras. Dou alguns rápidos exemplos. O romance O sal da terra está com duas adaptações para o cinema. Esteve a ponto de ser filmado. E não foi. Está com tradução pronta para o francês e ainda não publicado na França, embora já tenha saído na Itália e Líbano. O meu livro de contos O Casarão, que ganhou o Jabuti de 1975, da Câmara Brasileira do Livro, esteve a ponto de ganhar o prêmio Governador do Estado de São Paulo. Houve indecisão entre os jurados durante vários dias e perdi por um voto. Em compensação, o meu livro de contos Os meninos e o agreste, que ganhou o prêmio da Academia Brasileira de Letras, em 1971, ficou empatado com o livro da filha do Guimarães Rosa, Vilma Rosa, autora de Acontecências. Tristão de Ataíde, depois de dias, desempatou a meu favor. E assim muitos outros balanceios. Quando o Trapiá foi indicado para o Curso de Letras da Universidade do Ceará, claro que fiquei satisfeito. E fiquei mais ainda quando ele foi indicado no ano seguinte e alguns contos dele estão sendo filmados no Ceará. Então, meu amigo, quem se mete com letras passa por essas coisas. Vou lhe dizer uma, e não é modéstia: é meu feitio. Nunca me promovi nem lutei para conseguir alguma coisa nas Letras. O que veio recebi com agrado, mas sem exaltação, sem euforia, e não me pergunte por que... Nunca cogitei de entrar para uma Academia, embora pertença a uma Academia de Letras de Brasília, fundada por Almeida Fischer, ao Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo, ao Pen Club, a uma Academia em Buenos Aires (e nunca fui lá)... e sócio-correspondente da Academia Cearense de Letras. É uma questão de temperamento. Se me oferecerem, muito bem. Do contrário, não perderei o sono. O que vale é que tenho amigos valorosos no País inteiro que, por um motivo ou outro, gostam do que escrevo. O resto, meus livros dirão por si no futuro. Mais só uma coisinha: o meu conto "O pato do Lilico", do livro Trapiá, está em 14 antologias de contos e sempre me pedem para publicar em outras. Vou acrescentar uma coisa que me agrada: fiz a apresentação de aproximadamente uns 300 livros e não fiquei rico. Se eu tocasse rock a conversa seria diferente. Sou muito apegado às minhas raízes. Estou em São Paulo há pouco mais de 50 anos e já voltei ao Ceará umas 90 vezes. Em breve estarei retornando à terrinha.

NM – Creio que tocamos nos pontos essenciais. Podemos dar por encerrada a entrevista. Porém, deixo com você o ponto final. Tem algo a dizer mais? Fique à vontade.

Caio – Creio que falei até demais, eu que sou sucinto em tudo, a não ser em bate-papos.
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Conversa com Caio (Parte 2)


NM – Depois de longos anos de leituras e escrituras (fale de suas primeiras leituras e também de suas primeiras experiências como "criador"), você se sente mais próximo do sonho (ou não era sonho?) ou todo caminho é o mesmo?: poeira, arbustos aos lados, céu nublado aqui, sem nuvens adiante, solidão. O homem se contenta com a solidão? Ou o escritor menos que o homem que apenas passa?


Caio – Creio que o escritor é um grande solitário. Não a solidão que se anula em si mesma. A outra, indefinível e talvez meio cósmica, que leva o escritor a escrever e outros se voltam às demais Artes. Eu, de minha parte, comecei muito cedo. E – curioso – desde muito jovem eu desenhava razoavelmente. Deixava perplexos os professores do primário e do seriado, no Liceu do Ceará. Intuitivamente, eu tinha muita noção de perspectiva. Um dia, no primeiro ano do seriado (hoje ginásio), o professor de desenho mandou que desenhássemos uma garrafa. Fui o único que desenhou a sombra da garrafa. Ele me perguntou quem me ensinou aquilo. Eu lhe disse que ninguém. Mas desviei-me para a escrita porque eu lia muito. Comecei escrevendo crônicas e poesias. Empolguei-me tanto que escrevi um romance em cadernos. Ainda os possuo. Eu tinha os meus 13 ou 14 anos. Li muito os livros de Karl May sobre o Far-West. O meu herói dava de chinelo em Tarzan. Não parei mais, abandonando em definitivo o desenho. Escrever é o meu destino. É o destino de quem traz consigo os demônios interiores e luta com eles a vida inteira. Nem por isto deixei de viver a vida plenamente. Brinquei, dancei, namorei, tomei umas e outras etc... A literatura é a minha sombra, o meu contra-espelho, pulsação da minha alma... O homem não se contenta com a solidão referida. A solidão do escritor é aquela outra, ilocalizável e que nos acompanha como um anjo bom ou mau. O que lamento é ter abandonado o desenho. Talvez eu não chegasse a ser um Portinari, mas teria pintado alguns quadros. Visito e me deslumbro com tudo que para mim é belo ou esteticamente diferente. Extasio-me com a música popular ou erudita. Talvez eu tenha aquele mal de que falava o compositor Ataulfo Alves: buscar a Arte em tudo... Fazer o quê? Parar?... Aí, sim, cairia na solidão que se anula em si mesma e me tiraria o sentido da vida.

NM – Você disse que escrevia para você mesmo, desde o início, adolescente. E nunca jogou fora os primeiros escritos, que quase sempre são meros exercícios. O que você lia nesse tempo? Queria imitar algum desses escritores? E depois, quando se sentiu certo de que escrevia bem, continuou lendo? Quem ou o quê? Então lia para quê? Por curiosidade ainda? Por necessidade de aprender mais? Por hábito? E hoje, a maior da obra (a sua) realizada, ainda lê? Para quê? Por quê?

Caio – Eu lia tudo que caía às mãos. Dos gibis aos livros de aventuras. Mas nunca li as obras do Tarzan. E – curioso – nunca procurei imitar ninguém, sem buscar originalidade, porque ainda não tinha parâmetros críticos. Mas sempre busquei uma certa originalidade, dar uma marca pessoal ao que escrevia. Daí, talvez, as quantas tolices que escrevi. O primeiro trabalho que publiquei, aos meus 11 ou 12 anos, foi uma croniqueta – “Ave, Maria”, na revistinha dos padres sacramentinos da Igreja de São Benedito, de Fortaleza, onde eu estudava catecismo. O padre Teófilo publicou a baboseira. Tenho comigo guardada. Começa assim: “A Ave, Maria é uma bela oração, senão vejamos:” e transcrevi a oração em baixo e assinei o meu nome. O padre publicou com destaque e eu me julguei igual aos melhores escritores que eu conhecia. Daí porque os amigos, quando conto isto, dizem que eu sou plagiário desde que comecei... Desde muito jovem eu já lia os regionalistas de 30. Curiosamente, porém, maravilhei-me com as obras de Lúcio Cardoso e de Cornélio Penna, escritores voltados para os conflitos interiores e as solidões humanas. E eu era tão jovem. No Ceará empolguei-me com os livros do Fran Martins e acabei, muitos anos depois, escrevendo a apresentação para toda a obra dele, a pedido do Dr. Martins Filho, Reitor da Universidade Federal do Ceará e irmão dele.
Por que eu lia e leio? Creio que vou viver eternamente lendo. Talvez porque isto se tornou a minha própria sombra. José Mindlin, que possuía uma das maiores e raras bibliotecas particulares do Brasil, costumava me dizer que não viveria sem os livros. Volto a repetir: vivo a vida, mas me encanto sempre com o que se escreveu e se escreve do passado ao presente. Volto sempre aos escritores medievais. Talvez por isto bacharelei-me em História. Minha leitura é muito variada e diversificada. Leio muito poesia, comento livros de poesia, e poeta não sou... li escritores de toda a América Latina, os norte-americanos, portugueses, franceses, russos etc. Se eu tiver de destacar um nome apenas que me sirva de símbolo do que seja escrever, não deixarei de citar, como cito sempre, o Mestre Machado de Assis. Fico por aqui.

NM – E ler-se? Você se lê? Faz modificações nos seus livros publicados? Ou, quando os publica, os considera definitivos? Dizem que Murilo Rubião escreveu pouco (pode ter escrito muito e publicado pouco), apesar de ter vivido muito, e suas poucas obras (contos) são as mesmas, com títulos diferentes. Reescrevia tanto que conseguia transformar um conto em outro. Você é mais pródigo (esbanjador de imaginação) e menos exigente?

Caio – Leio-me muito pouco. Talvez por medo. Sempre que me releio encontro coisas a modificar. Então deixo como está. De todos os meus livros reeditados, modifiquei pouquíssimas frases. Sigo aquilo que sempre afirmo: O livro é daquele instante e daquele tempo. Daí porque, ainda hoje, insisto com o poeta Francisco Carvalho para publicar os dois primeiros livros dele, que ele os considera muito fracos e tirou-os da relação das suas obras publicadas. Acho que não é por aí... Agora: é uma opinião pessoal. Leio e releio muito o que escrevo, mas antes de publicá-los. Há outros que se comportam diferente: Não se conformam nunca com o que escreveu e ficam modificando e modificando. Para mim isto artificializa um pouco a criação. O grande novelista Aníbal Machado, em cada edição do único livro dele acrescentava mais uma novela e fazia uma limpeza nas anteriores. Eis por que há escritores que publicam pouco e sofrem muito no ato da criação. Também não sou relaxado. Quando não gosto de um conto que escrevi, guardo-o na gaveta e vou relê-lo bem depois. Às vezes surgem reformulações novas e reescrevo o conto. Outras vezes não: permanece na gaveta. Mas publiquei, acabou. Parto para outra. Agora mesmo estou reeditando a 4ª edição do meu romance O sal da terra. A editora me pediu que o lesse e fizesse as modificações que quisesse. Li-o todo e tirei quatro ou cinco palavras. Sabe por quê? Eu não quis modificar o tempo em que foi criado. Sou exigente comigo mesmo. Mas um livro é um tempo e um momento criador.

(continua)

Conversa com Caio Porfírio Carneiro (Parte 1)

Nilto Maciel
(Caio Porfírio Carneiro)


Entre os dias 18 e 28 de outubro de 2010, conversei com Caio Porfírio Carneiro. De longe: eu em Fortaleza, ele em São Paulo. Não por telefone, mas por e-mail. Um escritor não pode ser entrevistado por jornalista, que quer informações. Escritor não dá informações. E, se as der, não as dará como as querem os jornalistas. A não ser que sejam informações para biografia. No entanto, minha intenção não é escrever biografia. Nem de Caio nem de outro escritor. Minha intenção é cutucar o entrevistado. Desnudá-lo, expô-lo como ser humano, como inventor, criador. Dizem que ficcionista (escritor, cineasta, compositor, pintor, etc.) não copia a realidade, por mais realista que seja. Caio é um realista. Mas também naturalista, surrealista, fantástico.


Caio Porfírio (de Castro) Carneiro nasceu a 1º de julho de 1928, em Fortaleza, Ceará. Dedicou-se muito moço ao jornalismo, na terra natal. Bacharelou-se em Geografia e História pela Faculdade de Filosofia de Fortaleza. Transferiu-se para São Paulo em 1955. Desde 1963 é secretário administrativo da União Brasileira de Escritores de São Paulo. Assinou a apresentação de dezenas de obras, dos mais diversos gêneros Alguns dos seus livros alcançaram várias edições. O romance O Sal da Terra foi traduzido para o italiano e árabe e adaptado em roteiro técnico para o cinema. Contos seus estão incluídos em duas dezenas de antologias do gênero e traduzidos para o espanhol, italiano, alemão e inglês. Caio foi agraciado, em 1968, com o Prêmio Afonso Arinos pela coleção Os Meninos e o Agreste. O livro de contos O Casarão recebeu, em 1975, o Prêmio Jabuti, da Câmara Brasileira do Livro, e segundo colocado no Prêmio Governador do Estado de São Paulo. Menção Honrosa do Pen Clube de São Paulo.

Obras publicadas:
Trapiá (contos), Ed. Francisco Alves, Rio, 1961. Mais quatro edições posteriores: Coleção Saraiva, São Paulo; Editora Cátedra, Rio de Janeiro; Ribeirão Gráfica Editora, Franca, SP e Editora da Universidade do Ceará. O conto “O Padrinho” foi traduzido para o alemão e o “Come-gato” adaptado para a televisão.

Bala de Rifle (novela policial), em capítulos no jornal Última Hora, SP, 1963. Não levada ao livro.

O Sal da Terra (romance), Ed. Civilização Brasileira, Rio, 1965. Mais duas edições pela Editora Ática, São Paulo e uma pela LetraSelvagem. Traduzido para o italiano e árabe. Adaptado em roteiro técnico para o cinema.

Os Meninos e o Agreste (contos), Ed. Quatro Artes, SP, 1969; 2ª edição pela mesma editora, em convênio com o Instituto Nacional do Livro. Prêmio Afonso Arinos, da Academia Brasileira de Letras. Menção Honrosa do Prêmio Governador do Estado de São Paulo.

Uma Luz no Sertão (romance-reportagem), Editora Clube do Livro, SP, 1973; 2ª edição, Editora Claridade, São Paulo, 2007.

O Casarão (contos), Ed. do Escritor, SP, 1975. Prêmio Jabuti, da Câmara Brasileira do Livro, S. Paulo. Menção Honrosa do Pen Clube de São Paulo.

Chuva – Os dez cavaleiros (contos), Ed. Hucitec, SP, 1977. Adaptado em roteiro técnico para o cinema.

O Contra-Espelho (contos), Traço Editora, SP, 1981.

10 Contos Escolhidos, Coleção 10 Contos - Ed. Horizonte, Brasília, 1983, em convênio com o Instituto Nacional do Livro.

Viagem sem Volta (contos), Ed. Seiva, SP, 1985.

Quando o Sertão Virou Mar... (Lit. Juvenil), Cia. Ed. Nacional, SP, 1986.

A Oportunidade (novela), Ed. Mercado Aberto, P. Alegre, 1986.

Profissão: Esperança (Lit. Juvenil), Ed. do Brasil, SP, 1986.

Da terra para o mar, do mar para a terra (Lit. Juvenil), Ed. FTD, SP, 1987. Várias edições.

Três Caminhos (novela), Ed. FTD, SP, 1988. Várias edições.

Dias sem Sol (novela), Ed. Illa Palma - S. Paulo/Palermo, Itália, 1988.

Rastro Impreciso (poesias), Ed. Scortecci, SP, 1988.

Os Dedos e os Dados (contos), Ed. Pontes, Campinas, S. Paulo, 1989.

Primeira Peregrinação (reminiscências), Ed. Scortecci, SP, 1994.

A Partida e a Chegada (contos e narrativas), Ed. Toda Prosa, SP, 1995.

Cajueiro sem Sombra (Lit. juvenil), Ed. Saraiva, SP, 1997. Várias edições.

Mesa de Bar (quase diário), Ed. Toda Prosa, SP, 1997.

Contagem Progressiva (memórias), Universidade Federal do Ceará, 1998.

Perfis de Memoráveis (autores brasileiros que não alcançaram o terceiro milênio), RG Editores, SP, 2002.

Uma Nova Esperança (Lit. Juvenil), Editora Nativa, (em parceria com Maria José Viana e Paulo Veiga), SP, 2002.

Maiores e Menores (contos), Alpharrábio Edições, Santo André, SP, 2003.

A Vocação Nacional da UBE – 62 Anos (histórico da UBE desde a sua fundação), em parceria com J. B. Sayeg, RG Editores, SP, 2004.

Gramíneas (miscelânea literária), Ed. Scortecci, SP, 2006.

Respingos de uma viagem (opúsculo literário), SP, 2008.

O copo azul (contos), Ed. Scortecci, SP, 2009

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Nilto Maciel – Por que você continua escrevendo, se as editoras brasileiras não investem em escritores brasileiros, se a grande maioria dos livros publicados no Brasil por brasileiros (em pequenas edições de 100, 200, 500 exemplares) é distribuída apenas a "amigos e parentes"? Como anda o seu desânimo resultante disso? Ou você não vê assim?

Caio – Escrevo por uma necessidade imperiosa que trago comigo desde que me conheço nas Letras, desde os primeiros rascunhos que escrevi, publicados ou não. Antes do meu primeiro livro – Trapiá (de contos) – eu já escrevia muito para mim mesmo e para o fundo das minhas gavetas. Com um detalhe: nunca rasguei nada que escrevi. Tenho comigo uma tonelada de tolices, com algumas coisas razoáveis no meio. Claro que a publicação é fundamental, mas não é tudo. Talvez venha das minhas raízes. O meu avô materno, muito culto, era primo do escritor Adolfo Caminha. O meu pai foi um intelectual frustrado porque nunca publicou nada, mas era amigo de escritores da época, inclusive do poeta Antônio Sales, que conheci pessoalmente. Ele já velho e eu menino. Creio que não conseguiria viver sem escrever. Creio que se dá o mesmo com quem pinta, compõe, esculpe... Fazer o quê? Com editora ou sem editora, com a velocidade dos vôos da internet, sem sabermos onde vamos parar, só existe um caminho: continuar fazendo o que se trouxe do berço: escrever e escrever.


NM – Se escrever é uma necessidade quase fisiológica, você não vê a arte ou a obra de arte como uma "coisa do espírito"? O fazer é o espírito? Ou a alma, como querem outros? É possível "fazer arte" sem realizar obra de arte? Numa sequência: "necessidade imperiosa" ou fisiológica, criação/realização da obra, a obra feita, a fruição da obra (leitura). É assim?

Caio – Como afirmei anteriormente, escrever é uma necessidade imperiosa aos que possuem sensibilidade e ímpeto de "criar", não importa se com bons resultados ou não. O homem da pré-história traduzia isto através das belezas rupestres. Há os que não escrevem nada, ou só escrevem o necessário, e vivem bem. Refiro-me aos que, por dom ou castigo, trazem isto do berço. O ótimo compositor popular Ataulfo Alves costumava dizer que a Arte, para ele, estava em tudo, até no ato de calçar os sapatos. Quem escreve, sentindo por este lado, é, como afirma o escritor Rodolfo Konder, "ele e seus demônios." Creio que para uma pergunta como esta não há, conforme disse, uma resposta plausível e completa. É o homem tentando somar alguma coisa ao imediato e palpável. Ou, como dizia o escritor Lúcio Cardoso, a eterna luta contra a morte. Perguntaram a Picasso, ele já no fim da vida, famosíssimo, o que era Arte, e ele respondeu: "Se eu soubesse o que é Arte eu não diria para ninguém." Creio que é a busca de alguma coisa que se some àquilo que se vê, sente-se etc. É uma espécie de libertação dos demônios referidos. É o instinto de perpetuar-se para além do sopro da vida passageira. Na verdade, não visualizamos bem o que isto seja. E, talvez por isso, tentamos... tentamos... tentamos...

(continua)

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