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quinta-feira, 10 de julho de 2014

O DIÁRIO DE NILTO MACIEL: CADERNOS DE ATREVIMENTO (João Carlos Taveira)




Acabo de ler o diário de Nilto Maciel. Trata-se de anotações críticas sobre literatura, sem prejuízo, no entanto, de confissões e questionamentos pessoais. Os cadernos compilados em Menos vivi do que fiei palavras (Editora Penalux, 2012), sem nomeação de dias e meses, estão datados de 1986 a 1992, período em que o autor de Vasto abismo ainda vivia em Brasília. Pelo que declara em algum trecho, abandonou de vez o exercício desses apontamentos. Não quer mais saber do assunto. Publicar os velhos compêndios em livro já lhe custou grande esforço, muita coragem. Basta!

Ao contrário de Nilto Maciel, sempre li diários. Tenho gosto pela vida alheia, quando esquadrinhada pelo próprio autor. Primeiro foi Kafka. Depois, Sérgio Milliet e alguns outros escritores. Aprecio esse exercício catártico, às vezes auto-imune, de exposição consciente. O diário de Anne Frank, por exemplo, deixou forte impressão na minha juventude, na minha vida, tanto quanto as anotações de viagem de Hermann Hesse e Graciliano Ramos. Isso sem falar nas biografias, naquelas páginas em que se revelam particularidades e pormenores da vida de uma pessoa tão distante de nós.

Também tive arroubos confessionais destilados em cadernos escolares. Ou em folhas avulsas. Coisa de 20, 30 anos atrás, que dificilmente irei publicar. Há outras prioridades. Mas, neste momento, não pretendo me imiscuir naquilo que abandonei faz tempo. Agora basta a utilização da primeira pessoa, com interferência direta. Prática que às vezes abomino e condeno. Exceto em romances e contos, que não escrevo. E em situações como esta, previamente pensada.

O escritor Nilto Maciel, já analisado por mim diversas vezes, é dos mais profícuos da moderna literatura brasileira. Percorre todos os gêneros, sempre com o mesmo perfeccionismo que o identifica desde Itinerário, publicado em 1974. Isso talvez decorra do seu apreço pelos livros e, sobretudo, da constância do hábito de leitura. Nilto escreve bem, lê bem e sabe analisar uma obra literária como poucos. Seu estro não tem limites. Fato esse, aliás, conhecido por todos aqueles que leem seus escritos. O elogio, a essa altura, já se tornou lugar-comum.

Pois bem. Menos vivi do que fiei palavras consegue atingir uma culminância estilística de fazer inveja. O tratamento vocabular e a estrutura frasal são notórios, considerando-se a perfeita simetria da construção verbal. A linguagem é rica e expressiva, sem ser piegas ou ultrapassada. (Há, entre nós, autores que escrevem como se estivessem no século XVIII ou XIX.) O vocabulário empregado confirma altos conhecimentos lexicográficos, sem nunca perder o foco do fato ou do objeto narrado (descobri uma palavra que não conhecia: copelação.). E a temática, variada, é das melhores para um leitor escritor: livros, autores, casas editorais, academias, associações, sindicatos, além da exposição crua de certos indivíduos e suas veleidades, mesquinharias, ilusões e desilusões de toda sorte.

Como já mencionado, o grosso das notas se acomoda em considerações críticas (nem sempre favoráveis) sobre romancistas, contistas, cronistas, jornalistas, poetas, artistas plásticos, et alii. Poucos escapam da mirada corrosiva de Nilto Maciel, que, noblesse oblige, não deixa de lado fatos miúdos de sua vida privada. Às vezes transpira e goteja partículas de medos, de dúvidas, de incertezas, para entregar-se inteiro ao ato de contar histórias, agora reais, presenciadas no cotidiano de uma vida cada vez mais medíocre e, às vezes, sem sentido. (O desconforto do supranormal neste mundo é gritante.)

Menos vivi do que fiei palavras faz-se porta-voz também de sustos e inquietações, de aventuras e desventuras do cidadão Nilto Maciel — homem comum, que trabalha, dirige automóvel e tem obrigações sociais a cumprir. Consigna, por outro lado, uma visão de mundo extraliterária (choro de criança, casa pequena, aparelho de tevê ligado, pessoas dormindo na sala, etc.). Espécie de sombra a encobrir o criador e, por contingência, dificultar o seu trabalho, toldar a sua solidão produtiva. Nesse vaivém de símbolos e signos, a realidade se impõe e ameaça o universo que lhe diz respeito, dentro de uma imagística estritamente pessoal. E tudo é motivo de dor, angústia, sofrimento. Produzir literatura já não basta. É preciso extrapolar a ficção e confiar a um interlocutor silencioso o seu desassossego, as suas contradições. Poder abrir-se, sem temor ou reserva, à confidência. Contar de suas andanças à caça de editor, dos novos livros adquiridos, de suas reuniões sindicais, de suas decepções com a vida lá fora, enfim.

E, assim, as leituras e apontamentos vão abrangendo textos produzidos em outras línguas e idiomas. Autores de vários países, embora “traduzidos” e “incompletos”. Todos eles companheiros de jornada. Por outro lado, volta-se para a província e não se faz de rogado, nem de bonzinho. Denuncia o poeta idiota e pedante, que não lê poesia e se julga um novo Cruz e Sousa. O romancista que não consegue se livrar da incompetência, da falta de talento, e insiste. A escritora de infantojuvenil que não consegue distinguir crônica de conto. E canta e decanta certa poetisa — mulher belíssima e sensual —, mais pelas formas do corpo do que pelos versos.

Mas o livro, para júbilo de quem realmente ama e conhece o mundo das letras, traz no seu corpo de celulóide e sonho uma face bem peculiar do autor de A rosa gótica: o compromisso com a arte e o resultado de leituras e releituras dos clássicos e dos não clássicos. Ali estão reunidos testemunhos sinceros de quem mais fiou palavras do que viveu. Nilto Maciel entregou-se à literatura de corpo e alma e fez dela um sacerdócio. E esse exercício permanente faz do nobre filho de Baturité “um feiticeiro” que jamais será “devorado pelo próprio feitiço”. Porque, se a vida é sonho, morrer é continuar sonhando.

Brasília, 12 de dezembro de 2012.

* João Carlos Taveira é poeta e crítico literário, e tem vários livros publicados.
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quinta-feira, 24 de abril de 2014

Manoel Bomfim e o antilusitanismo (Adelto Gonçalves*)

                          
                                                                 I
Por que ler (ou reler) Manoel Bomfim (1868-1932) quase um século depois? Porque, entre outras razões, esse médico, historiador, psicólogo e professor, nascido em Aracaju, foi um dos primeiros a pensar o Brasil. Por isso, ao reeditar pela primeira vez O Brasil na História: deturpação das tradições, degradação política, escrito em meados da década de 1920 e publicado em 1930, a Editora PUC-Minas, em parceria com a Editora Topbooks, presta um relevante serviço à História e à Cultura do País.

Podemos discordar de muitas ideias de Bomfim, que, naturalmente, como todos nós, foi escravo do “espírito do tempo” (Zeitgest), de que dizia Hegel (1770-1781), como bem observa a historiadora Mary Del Priore na apresentação que escreveu para esta segunda edição do livro, mas não deixaremos nunca de nos solidarizar com ele em suas observações sobre o Brasil de sua época, como resultado de três séculos de colonização e 67 anos (de 1822 a 1889) de um Império que pouco mudou os costumes e práticas colonialistas e uma República que, nascida sob o tacão de militares, em iniquidades não tem ficado atrás do regime monárquico.

Tal como hoje, éramos uma nação atrasada, com uma parcela majoritária da população mergulhada no analfabetismo – hoje, diríamos analfabetismo funcional –, bucha de canhão para os conflitos que as oligarquias arrumavam e até para a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), além de mão de obra praticamente escrava (ou neocrava) e desqualificada para o trabalho no campo e nas grandes cidades que então se formavam.
                                                                 

II

Anglófono, Bomfim via em Portugal toda a fonte do mal que assolava o Brasil. Dizia que, antes da expansão colonial, “a burguesia de Londres havia abatido o mais formal no poder da coroa”, entendendo que a revolução liberal de 1689 havia acabado com os restos de privilégios da aristocracia inglesa. Por isso, segundo ele, ao contrário de Portugal, onde a aristocracia continuou a usufruir de todos os privilégios sobre a uma massa ignara – reduzida a se resignar com as migalhas que os chamados nobres mandavam atirar aos porcos ou a emigrar –, a Inglaterra não se degenerara, construindo um regime de estado “o mais livre no mundo moderno”.

O antilusitanismo de Bomfim é tão acendrado que, para ele, os 60 anos do Portugal espanhol constituem o período de formação essencial do Brasil. “Mas, inacabada essa formação, quiseram os fados que houvesse um Portugal restaurado, para viver exclusivamente desta colônia. E esse Portugal, de mercantis degradados, entregue à saudade má dessas Índias perdidas; esse Portugal, a projetar sobre o Brasil a sombra sinistra do seu declínio, deu-nos todos os males de uma vida estiolada, fora dos estímulos em que o Ocidente se refazia”, escreveu.

Desta sorte, segundo ele, era o Brasil distorcido da sua marcha natural – “acorrentado ao cadáver de uma nação que, mesmo em glória, nunca fora uma civilização completa”. Para Bomfim, “menos que Roma em face da inteligência grega, Portugal não teve energias para outra coisa além das suas conquistas de comércio”. Mais adiante, disse: “Negreiro, escravocrata, absolutista, bragantista, liberal, cortista, monarquista... o português encarnou, em todas as crises, o renitente inimigo do Brasil, empenhado em mantê-lo na mesquinha situação que o obrigue a servir de pasto ao mercantilismo de parasitas obsoletos”.

Só que, mesmo depois do afastamento dos Braganças do poder, os brasileiros – leia-se aqui: os donos do poder – continuaram roubando, extorquindo, manipulando eleições e enriquecendo com o trabalho neoescravo, mantendo a “lôbrega e mentirosa democracia” da Primeira República (1889-1930) em que Bomfim viveu ao final de sua vida. E, depois, com o conturbado e fascistizante período getulista (1930-1945), pouco mudaria, ainda que tenham sido dados alguns direitos aos assalariados miseráveis, mais por imposição dos tempos do que por vontade de reformar efetivamente o País. Sem contar a tragédia que constituiu a ditadura militar (1964-1985).

III

Bomfim não via mérito nenhum nos aventureiros lusos que, com Vasco da Gama (ca. 1460-1469-1524), avançaram em direção às Índias e que, de passagem, se viam alguma ilha desprotegida, desciam para fazer a pilhagem. Dessa forma, Luís de Camões (ca. 1524-1525/1580) teria exagerado ao lhes louvar os feitos mercantis, a ponto de hiperbolizá-los, ao escrever que, “se mais mundo houvera, (o homem lusitano) lá chegara”. Mas, ao mesmo tempo, vê patriotismo nos paulistas dos séculos XVII e XVIII que se embrenhavam nos matos para matar ou escravizar indígenas, tornando-se também o “terror dos espanhóis” e avançando os limites do Tratado de Tordesilhas, a tal ponto que, se não houvesse a Cordilheira dos Andes, o Brasil talvez hoje tivesse também saída para o Pacífico.

IV

Bomfim, em seu desabrido antibragantismo, deixa de ver a ação da miséria humana nos grandes acontecimentos, como se todos os reinóis fossem maus e todos os nascidos na América portuguesa bons. E não percebe que, no movimento de 1789, eram as mãos dos arrematantes de contratos João Rodrigues de Macedo e Joaquim Silvério dos Reis que moviam os cordéis da conjuração, aqueles que mais lucrariam com a separação de Minas e das capitanias que pudessem aderir ao movimento, pois, como grossos devedores, ficariam livres das dívidas, que haviam acumulado ao deixar de repassar para os cofres da Coroa os impostos que arrecadavam em nome dela. Depois de por anos dividir com os governantes os cabedais que seriam do Reino, como dizia Critilo, alter ego do ouvidor Tomás Antônio Gonzaga (1744-1810), ao denunciar (e trair) o ingênuo Tiradentes e outros, pulando para o outro lado da cerca, Silvério acabou por conseguir o que mais queria: livrar-se das dívidas...

Para Bomfim, a independência de 1822 também não passou de um arranjo entre as elites, ficando o País “sob o governo de legitimíssimos (sic) representantes da metrópole”, sem nenhuma alteração no pessoal do Estado. Para ele, a independência não passou de escamoteação em favor dos Braganças e dos portugueses em geral, não sendo, portanto, o natural desenvolvimento da nossa evolução nacional, senão um atentado contra essa mesma evolução. Em outras palavras: “o Estado do Brasil foi organizado com a nata dos canalhas e ineptos, de que se compunha a degradada classe dirigente do Portugal de 1808”.

Como se vê, é preciso algum cuidado ao ler Bomfim hoje, pois só se pode fazê-lo com os olhos de ontem. E relativizar tudo o que escreveu porque, afinal, os ladravazes do Império nada mais foram do que precursores dos ladravazes da República. Foram tantos os ladravazes e tamanha a fúria com que avançaram (e avançam) sobre as burras públicas que não sobrou espaço para se exercer nos séculos XX e XXI um capitalismo menos selvagem, ao contrário do que se vê nas nações mais desenvolvidas. Hoje, o antilusitanismo de Bomfim não procede porque, guardadas as devidas distâncias, o que construímos foi um imenso Portugal.

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O BRASIL NA HISTÓRIA: DETURPAÇÃO DAS TRADIÇÕES, DEGRADAÇÃO POLÍTICA, de Manoel Bomfim. Prefácio de Ronaldo Conde Aguiar. Belo Horizonte: Editora PUC-Minas; Rio de Janeiro: Editora Topbooks, 486 págs., 2013, R$ 63,90. E-mail: editora@pucminas.com.br                                                                                                                                            
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(*) Adelto Gonçalves é doutor em Letras na área de Literatura Portuguesa pela Universidade de São Paulo e autor de Os Vira-latas da Madrugada (Rio de Janeiro, Livraria José Olympio Editora, 1981), Gonzaga, um Poeta do Iluminismo (Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1999), Barcelona Brasileira (Lisboa, Nova Arrancada, 1999; São Paulo, Publisher Brasil, 2002), Bocage – o Perfil Perdido (Lisboa, Caminho, 2003) e Tomás Antônio Gonzaga (Rio de Janeiro, Academia Brasileira de Letras, 2012), entre outros. E-mail: marilizadelto@uol.com.br

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sexta-feira, 18 de abril de 2014

Proust em ação (Franklin Jorge)



  
Proust, sempre arguto e perspicaz, observa que a arte, como valor espiritual, opõe-se ao utilitarismo da política, que se empenha em tirar vantagens de tudo. E, ao fazê-lo, nos ensina que um livro nunca pode nos contar aquilo que desejamos saber, mas tão-somente despertar em nós o desejo de saber.

domingo, 13 de abril de 2014

Encontro com o Prof. Dr. Roberto Pontes (Vianney Mesquita)


 
Escritor original não é aquele que a ninguém imita; é o que nenhuma pessoa consegue imitar (François-René Auguste de Chateaubriand - Saint-Malo, 04.09.1768; Paris, 04.07.1848).

  Entrevista fortuita e não menos aprazível, ocorrida no dia 08 de abril fluente, com o escritor Francisco Roberto Silveira Pontes de Medeiros (docente do Departamento de Literatura da Universidade Federal do Ceará), rendeu-me dois excepcionais regalos de peças de sua colheita, uma das quais de mimoso continente - o livro de bolso 50 Poemas Escolhidos pelo Autor (vol.55), com 120 páginas, parte das Edições Galo Branco, impresso pela insuperável Expressão Gráfica e Editora, do amigo arquiteto F. Eulálio Santiago Costa.
Sob a coordenação editorial da Prof.a. Dr.a. Elisabeth Dias Martins e diferentíssimo daqueles grossos in-fólios à antiga, o volume, de 11cm x 7cm, tem capa artisticamente simpática, da assinatura de Carlos D. von Minini, e xilogravura de frontispício de Adir Botelho.

sexta-feira, 11 de abril de 2014

Filosofando com Sêneca e Nietzsche (Emanuel Medeiros Vieira)



                                          
Em “O Nascimento da Tragédia” (1872), Friedrich Nietzsche (1844-1900) define os conceitos de apolíneo e dionisíaco. Da maneira mais sumária, apolíneo seria a representação das regras e dos limites individuais. Dionisíaco seria a representação do impulso, da libertação, dos instintos. A classificação é mais usada para artistas e filósofos. Mas por que não usar para seres humanos? Desde que sejam pessoas de bem, sensíveis, nutridoras e não vampirizadoras (essa classificação é minha). É um desafio. Exemplo: da minha “Santíssima Trindade Literária”, Dostoievski é um dionisíaco. Camus, apolíneo. E Kafka? O estilo cartorário, até “clássico”, seria apolíneo. Mas a alma, o espírito premonitório, aquele tipo de “mediunidade” que perpassa seus textos? Seria, nesse caso, dionisíaco. Quero dizer, às vezes os dois se embutem. No Brasil, Lima Barreto, Glauber Rocha, Vinícius de Moraes, Raul Seixas, Clarice Lispector são dionisíacos. Apolíneos? Carlos Drummond de Andrade, Chico Buarque. Nos trópicos (falo dos artistas) parece que os dionisíacos preponderam. Já na vida... E Machado de Assis?

sábado, 29 de março de 2014

Proust e a crítica (Franklin Jorge)





Ainda muito moço, em visita a um tio humanista que vivia enfurnado em sua vasta e bem escolhida biblioteca, descobri em Marcel Proust uma nova concepção de crítica, mais concisa, mais apaixonada, entendida sob um ponto de vista mais amplo e, de tal forma realizada, que representaria ela mesma uma criação literária autônoma e digna da obra que a inspirara.


segunda-feira, 24 de março de 2014

Minhas memórias dos outros sobre o “Contestado” (Enéas Athanázio)




 
A chamada Guerra ou Campanha do “Contestado” aconteceu entre 1912 e 1916, de modo que só uns trinta e tantos anos depois é que tomei conhecimento dela. Tudo o que sei a respeito veio dos livros e de informações de outras pessoas, mas é a estas que desejo me ater neste comentário, para que não fique uma coisa livresca como tantas.


sexta-feira, 14 de março de 2014

Marquês de Pombal e padre Malagrida: as entranhas de um confronto (Adelto Gonçalves*)



 
                                                           
I

Depois de publicar Padre Malagrida: o último condenado ao fogo da Inquisição (Setúbal, Centro de Estudos Bocageanos, 2012), o pesquisador Daniel Pires ainda dispunha de tantos documentos sobre o assunto que resolveu escrever O Marquês de Pombal, o Terramoto de 1755 em Setúbal e o Padre Malagrida (Setúbal, Centro de Estudos Bocagenos, 2013), que traz maiores detalhes sobre o confronto entre Sebastião José de Carvalho e Melo (1699-1782), conde de Oeiras e, depois, marquês de Pombal, secretário de Estado dos Negócios do Reino, com os jesuítas que teve o seu epílogo com a condenação do padre Gabriel Malagrida (1689-1761), já demente, ao fogo da Inquisição.

terça-feira, 11 de março de 2014

Calmon: A invasão (Enéas Athanázio)




Acontece neste ano o centenário de um fato histórico pouco divulgado em nosso Estado, talvez porque envolto numa série de outros eventos. Refiro-me à invasão da então vila de Calmon, hoje município do mesmo nome, no ano de 1914, portanto em plena Guerra do Contestado (1912/1916).

domingo, 9 de março de 2014

Proust (Franklin Jorge)







Em seus últimos sete anos, tentando amortecer os ruídos, Proust viveu enfurnado num quarto forrado de cortiça. Resignado à solidão, queria viver tão somente para ter valor e mérito. Acreditava que a imortalidade era possível, sim, mas somente através da criação de uma obra. Concordava com a ideia de Baudelaire de que a vida verdadeira está alhures, não dentro da vida, nem após, mas fora dela. Nos domínios imaginários da arte.

quarta-feira, 5 de março de 2014

O maior experto da Literatura do Ceará (Vianney Mesquita)



(Rafael Sânzio de Azevedo)
  
A profissão de escritor é, consoante a maneira pela qual se exerce, uma infâmia, um passatempo, um ofício, uma arte, uma ciência ou uma virtude (A.W. Schlegel Hannover, 10.03.1772; Dresden, 11.01.1829).

 No nosso trabalho subordinado ao título Resgate de ideias – estudos e expressões estéticas (Fortaleza: Programa Editorial da Casa de José de Alencar, da U.F.C., 1996; 192 p), procedemos a comentários fugazes respeitantes à obra Aspectos da Literatura Cearense (1982), do polígrafo coestaduano Sânzio de Azevedo, trazendo ao público ledor pontos ainda obscuros ou ainda pouco mencionados (há 32 anos) pela regular bibliografia em curso, até então, a respeito das letras no Ceará.

sábado, 1 de março de 2014

Alquimia da vida (Edir Meirelles*)





Regina Lyra é uma poetisa encantadora e encantada. Conhecemo-nos num encontro rápido em evento cultural na cidade do Rio de Janeiro. Foi o suficiente para me enamorar da poetisa e de seus poemas. Seus versos falam do amor, das amizades, da vida, do verbo e dos demônios que nos atemorizam. Mas falam, sobretudo, do amor, esta chama eterna que move o mundo e norteia os passos da Humanidade.

domingo, 23 de fevereiro de 2014

Mendoza e uma esquecida fórmula cervantina (Adelto Gonçalves *)




            Em 1975, três meses antes da morte do generalíssimo Franco, a Espanha, entre satisfeita e perplexa, descobria um romance que, por sua originalidade, contrastava com tudo o que se escrevia no país àquela época. Chamava-se La verdad sobre el caso Savolta (Seix-Barral, Planeta Espanha). E seu autor, Eduardo Mendoza, passava a ocupar um lugar no altar reservado às promessas literárias. Era o momento em que a literatura espanhola, sem medo de reconhecer a influência dos grandes escritores do boom latino-americano, como Gabriel García Márquez, Julio Cortázar e Mario Vargas Llosa, reciclava-se e passava a apresentar um produto novo.
           

segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

Farquhar e Lobato (Enéas Athanázio)


Uma parceria improvável












A edição brasileira da monumental biografia de Percival Farquhar (1864/1953) traz um capítulo extra que é uma curiosidade e bem merece um comentário (*). Nesse breve capítulo, que é um autêntico ensaio, é abordada a posição de ambos em relação aos problemas do país naquela época e a opinião que cada um fazia do outro, ainda que nunca tivessem se encontrado em pessoa. Para Monteiro Lobato, patriota e nacionalista, Farquhar não passava de um perigoso aventureiro internacional que pregava o entreguismo e encarnava o próprio imperialismo. O escritor temia a ação do americano, em especial sua capacidade de abrir portas de maneira não ortodoxa, através de polpudas propinas que, segundo seu biógrafo, eram repassadas por seus advogados e engenheiros bem relacionados, nunca por ele próprio, que seria quacre convicto. Farquhar, por outro lado, encarava as campanhas de Lobato pelo ferro e pelo petróleo com ceticismo e ironia, vendo-as como uma espécie de combate a moinhos de vento por um homem que vivia no mundo da lua e que, por sinal, é o título de um dos livros de Lobato. O tempo mostraria que Lobato estava certo, tanto com a descoberta do primeiro poço de petróleo na Bahia, por coincidência num lugar denominado Lobato, e pelo inegável sucesso da usina de Volta Redonda.

sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

No caminho de Marcel Proust (Franklin Jorge)



 
Seria melhor voltar para casa. Mais cedo ou mais tarde, ao mergulhar nas águas sulfurosas do seu romance-rio, todo leitor de Proust repete essas palavras premonitórias da duquesa de Létourville. De fato, seria mais tranqüilo ficar em casa, protegido pelo hábito, do que perder-se nessa Busca labiríntica laboriosamente construída por um asmático.

sábado, 1 de fevereiro de 2014

Os melhores poetas portugueses contemporâneos (Adelto Gonçalves*)



(Rosa Alice Branco)
I

Lançada em 2004, com o apoio do Instituto Camões, do Instituto Português do Livro e das Bibliotecas e do Ministério da Cultura, Poesia Portuguesa Contemporânea reúne produções de 26 poetas portugueses que se destacaram ao longo do século XX. Organizado pelo professor Vadim Kopyl, diretor do Centro Lusófono Camões da Universidade Estatal Pedagógica Hertzen, de São Petersburgo, o livro traz esclarecedor prefácio de Fernando Pinto do Amaral (1960), além de alguns poemas de sua própria autoria. Os poemas foram vertidos para o russo por tradutores do Centro Lusófono Camões com participação de Helena Golubeva (como tradutora-tutora).
             

quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

Arte e memória em Proust (Franklin Jorge)




A transmutação da memória em uma necessidade diretamente sentida, segundo Marcel Proust, liberta-nos dos vínculos dos sentidos e da escravidão do presente, fazendo-nos submergir na intuição de uma vida imortal.

Ele proclama que o poeta precisa é da memória [considerada pelos antigos a “rainha das artes”], pois através dela resgata a profunda essência do ser. Tal processo, de natureza involuntária – talvez haurido na leitura de Bergson –, torna-se possível através da evocação de um perfume, de um sabor, de uma textura, de um raio de luz caindo subitamente num objeto ou mesmo entrando de quarto adentro.

quarta-feira, 8 de janeiro de 2014

Lêdo Ivo, poeta e traçador de perfis (Adelto Gonçalves*)


I

Lêdo Ivo (1924) é, acima de tudo, poeta. Mas também é romancista e memorialista de incontáveis méritos. Mais: trata-se de um irretocável traçador de perfis. É o que o leitor pode constatar em O Vento do Mar (Rio de Janeiro, Editora Contracapa/Academia Brasileira de Letras, 2011), livro que celebra os seus 87 anos de idade e pelo menos 70 de vida literária intensa, como atesta a vasta iconografia que, ao longo destas páginas, registra seu percurso poético, suas viagens e participações em festivais de poesia, resultado de um reconhecimento mundial a sua obra. E cujo cume talvez tenha sido em 2008, quando o Encuentro de Poetas del Mundo Latino, realizado nas cidades de Morelia e Pátzcuaro, no Estado de Michoacán, no México, homenageou especialmente a sua obra.

segunda-feira, 23 de dezembro de 2013

Proust e Ruskin (Franklin Jorge)





Em seu exemplar prefácio a “Sésamo e os lírios”, Marcel Proust declara que um livro nunca pode nos contar aquilo que desejamos, mas tão-somente despertar em nós o desejo de saber, pois não é possível recebermos a sabedoria de outrem; é preciso criá-la por nós mesmos.

Proust sugere que o valor da leitura, na infância, não reside no livro em si mesmo [que no seu caso era “O Capitão Fracasso”, de Théophile Gautier] e, sim, nas lembranças inconscientemente conservadas nele, de tal forma valiosas para nosso julgamento atual que, se por acaso, voltamos hoje às mesmas páginas, não é só porque elas representam o único calendário que sobrevive dos dias desaparecidos.

quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

A filosofia e a evolução da geografia, consoante o engenheiro-geógrafo prof. Caio Lóssio Botelho (Vianney Mesquita*)

(Caio Lóssio Botelho)

Não chegaremos a ser filósofos, embora tenhamos lido todos os raciocínios de Platão e de Aristóteles, se não pudermos emitir um juízo firme sobre as questões propostas, porque, neste caso, há de parecer, não aprendemos ciência, mas simples história (EPITECTO – Sec. I, filósofo estoico, nascido na Frígia – Ásia Menor).

1 Razões Preliminares


Nosso amigo e ex-professor, engenheiro-geógrafo Caio Lóssio Botelho, docente da Universidade Estadual do Ceará e ensaísta de nomeada no terreno das Ciências Corológicas, ora vive com a doença de Alzheimer, sendo tratado com o máximo desvelo por sua mulher e colega de ofício, Professora Maria José Rondon Régis Botelho.