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terça-feira, 4 de setembro de 2012

O romance de Marília Arnaud (Ângela Bezerra de Castro)




          Contista consagrada por vários prêmios literários, tendo sua obra publicada por editoras de circulação nacional, Marília estreia em outro gênero narrativo, com o lançamento do romance Suíte de silêncios. Texto para ser lido como um poema, tal o nível de elaboração e densidade da linguagem, no desenvolvimento do tema do amor habilmente reinventado pelo enfoque original. Amor que não conheceu “momentos pequenos, nem gestos de fastio ou indiferença, tampouco palavras banais ou mesquinhas”.
          
          Duína é a protagonista-narradora que, vivendo uma situação extrema, escreve para João Antonio espécie de carta-testamento, onde reconstitui a intensidade da história de amor compartilhada pelos dois e o seu desnorteamento ante o desfecho cruel que o amado anunciou, optando pelo “pacto tácito de conforto e comodidade”.
Enquanto escreve, a personagem recupera lembranças marcantes e decisivas de sua existência que evoluem em contraponto com o conflito central do romance: o desamparo e a vergonha pelo abandono da mãe; a difícil interação com o pai, sempre amargurado; a convivência salvadora da avó paterna com a ternura de seus sábios conselhos; o bloqueio que a isolava das brincadeiras com outras crianças; o abuso sexual a que foi conduzida pelo velho professor de violino; a repulsa do primeiro namorado, ante a revelação de seu traumático segredo; a morte da avó; a impossibilidade de ser compreendida pelo irmão e pela amiga, em seu dilaceramento de amar o perdido, o “existido que continua a doer eternamente”.
A ligação da protagonista com a música, por admiração ao pai, um devotado maestro, se reflete na semântica do romance, desde o título que associa a construção da narrativa à composição musical caracterizada por reunir diversos movimentos inteiramente livres quanto ao número e ao caráter melódico. Assim se alternam os movimentos ou conflitos do romance, sem subordinação à sequência temporal, cada um em seu andamento melódico lancinante, agônico e enternecedor.
        Duína resiste à “insuficiência da vida” e desvela para o grande amor, “erguido no mistério urgente da carne e nutrido na grandeza do imaginário”, “os jardins secretos do próprio ser”, sem reservas, sem limites, como a última, completa e definitiva entrega. Agora mais que “a integridade do seu corpo-alma” a “melodia-existência, labiríntica como o espírito”.
         Despertando silêncios abismais com a música das palavras, a romancista recupera para o grande amor sua verdade essencial, que transcende as convenções e aparências para encontrar, na inteireza e densidade de ser, a sua eternidade. Um romance ousado e verdadeiro, que veio para ficar na história.

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