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domingo, 25 de setembro de 2005

Jacob Maciel: Chuva branca (Nilto Maciel)

Antes de ler Chuva Branca, de Jacob Maciel, um dos maiores romances da tragédia do "homo amazonenses" e quiçá um dos momentos mais significativos da literatura americana, ouvi de Adrino Aragão: “Dizem alguns críticos ser Jacob mais um copiador de Guimarães Rosa”. É comum receberem os escritores de província acusações deste teor, mesmo quando conseguem apenas se parecer com os monstros sagrados da literatura, de tal forma que, se outra fosse a situação, diriam: “Vejam como Guimarães Rosa copiou Jacob Maciel!" Chuva Branca é o monólogo interior de um homem perdido na selva amazônica, misturando, na sua doideira de homem-virando-bicho, passado, presente e futuro. É o monólogo interior de um jovem também perdido, mas agora de si mesmo, porque vagando dentro das recordações, dos medos, perseguido pelos fantasmas que o ameaçam de castração, fantasmas incestuosos, malignos. Um homem perdido não só no meio da selva, mas num ponto, num porto-seguro do deserto, do sertão – a casa de seus tios – ele que sempre fora homem-bicho, descobrindo, por meio das confissões do padre (o cristianismo é tão avesso ao nordestino quanto ao índio, porque o nordestino é, antes de tudo, o sucessor do antigo dono deste deserto que antes foi floresta) que "quem tiver coito com animal, será morto", como diz o Êxodo.

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sábado, 24 de setembro de 2005

Culpado (Nilto Maciel)


Por que devo, no mesmo dia,
me lembrar dela, tomar café,
escrever poema,
pagar contas, dirigir carro
e, ainda assim, me sentir culpado de tudo?
Por que não posso pensar apenas em outras mulheres,
ficar em jejum, dormir dez horas seguidas,
sem medo de morrer?
Por que tantos compromissos
em tão curto tempo?
Por que tanta pressa, tanta urgência?
Não será possível deixar
tudo para depois?
Lembrar-me dela no outro mês,
tomar café amanhã,
deixar o poema se fazer durante um ano,
as contas em atraso e não sair de casa tão cedo?
Não será possível me sentir sem culpa de nada,
da morte de deus, do fim do mundo?
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