Translate

segunda-feira, 26 de setembro de 2005

Mônada (Nilto Maciel)

Piscina, águas.
Peixes não nadam,
tudam ninfas.
Bosques apenas
nos meus sonhos.
Corpos se agitam
de pudor despidos.
As águas se alegram
de serem relva.
O vento me lembra
que sou mortal,
líquido pensante,
afeito a dores e desejos
de oceano ser
a morada de vida,
o quase tudo.

(1.11.97)
/////

domingo, 25 de setembro de 2005

Jornal de domingo (Nilto Maciel)

Escondido atrás do jornal, o professor Luiz Vaz passava o domingo. E catava pedras preciosas, por puro deleite. Ou para exibi-las a seus alunos.

Fora-se o tempo de Virgílio, Camões, Bilac. Agora só queria os novos poetas. Nada de vertitur interea coelum*.

Olhos enfiados no chão da folha, Vaz sonhava. Nunca o chamariam velho. Antes, o eterno jovem. O mestre da língua viva. Polêmico, moderno, brasileiríssimo.

Súbita emoção. Arregalou os olhos. Um poema de Noto de Sissa! Leu o título. Uma beleza! O primeiro verso. Um primor!

Com sofreguidão, percorreu todo o poema. Voltou ao título, ao primeiro verso. Releu tudo, cheio de entusiasmo.

***
Na sala de aula, Luiz Vaz freou sua emoção. E amarrou a rubra língua no céu da boca. Queria um comentário escrito de cada aluno ao poema que copiava no quadro-de-giz.

***
Riu na cara dos alunos. Não aprendiam nada. Pareciam idiotas. Especialmente a "crítica" feita por Oton.

– Uma barbaridade!

E se pôs a falar os versos de Noto de Sissa. Pequena obra-prima da poesia épica.

A maioria dos jovens abriu a boca e queda ficou. Um, porém, não concordou com a análise do mestre. E defendeu com língua e dentes sua opinião.

Irritado com a presunção de Oton, o professor tratou de humilhá-lo. Não passava de um aluno, um fedelho. Longe ainda se achava de atingir os primeiros degraus do saber. Enquanto ele, Luiz Vaz, já alcançara o ápice da cultura literária. Ora, exercia a crítica e a cátedra há trinta anos. Escrevia para revistas estrangeiras. Correspondia-se com pessoas do tamanho de Barthes, Foucault, Jakobson.

Oton de Assis nada mais falou. Na verdade, não podia se comparar àquele homem.

E continuou anônimo entre os colegas. Seu lirismo, porém, ainda germinaria páginas tão belas como as publicadas no jornal daquele domingo.

* Entretanto o céu gira. Virgílio, Eneida, Livro II; 250.

/////