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terça-feira, 18 de julho de 2006

A clarividência histórica em Nilto Maciel (Salomão Sousa)



Nilto Maciel, um cearense acandangado que acaba de tirar prêmio no concurso Fernando Chinaglia com o romance A Guerra da Donzela, tem lançados os seus Tempos de Mula Preta, reunião de contos que formam um painel com alguns de nossos dramas cotidianos e históricos — históricos porque é um cotidiano que se repete, pairando agora no tempo pelas mãos do autor.

A edição é da Secretaria de Educação e Desportos do Ceará, numa prova cabal de que o Estado tem que entrar no jogo quando as editoras, forçadas pelas dificuldades econômicas mundiais, e estas dificuldades, por sua vez, resultando nas dificuldades culturais (diminuição da compra de livros, de leitura, etc.), não podem atender a todas as solicitações de publicação. E principalmente quando cresce o número de autores, se bem não cresça o nível da qualidade.
Não vou me arvorar em dizer que se trata do melhor livro da temporada, estilo ímpar, ou que é incompleto, com gralhas fazendo barulho em todas as direções com seus vultos escuros. Pois dificilmente um livro escapa delas para que não sejam anunciadas a quatro ventos e tempestade por si mesmas, sem que o autor tenha nada a ver com elas. São fenômenos da natureza, assim como uma chuva de vento, que vem e nos tira as telhas da casa, que podem ser recolocadas no lugar, sem a perda da estrutura da casa.

O riso do gato (Nilto Maciel)



Nunca ria o gato. Sisudo, posava dia e noite para os de casa e os de fora. Costumeiramente vivia em cima da mesinha de centro. Às vezes nas prateleiras da estante, ao lado da Bíblia, da enciclopédia, dos discos. Mil vezes escapou do fim. Quando a arrumadeira se zangava. Quando os meninos brincavam de bola na sala. Quando qualquer mão descuidada o abanava.

Não lhe faltavam elogios. Chamavam-no gato bonito, gatinho lindo, belo gatão. Mesmo quando percebiam sua circunspecção. Talvez até vissem nela o melhor de sua beleza.