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segunda-feira, 25 de setembro de 2006

O mundo estaliano (Nilto Maciel)



Ao assumir o poder, ordenei fossem separados os homens das mulheres e assim mantidos sob estrita vigilância policial. Tudo sem outra intenção, senão a de controlar a natalidade, razão primeira da revolução, de vez que as pílulas anticoncepcionais haviam falhado, o aborto constituía-se crime e o povo vivia em perpétuo cio. Por outro lado, nem guerras, catástrofes, acidentes, doenças, fome haviam exterminado suficientemente a espécie humana até a desabitação total da Terra. Fracassou também a exportação de terráqueos para outros planetas, ou por falta de condições materiais e científicas, ou por recusa dos próprios futuros viajantes e dos governos dos planetas instados a acolher os infelizes terrestres. A superpopulação fazia a Terra pesar demasiadamente, a ponto de seus movimentos de rotação e translação não serem mais percebidos sequer pelos mais complexos aparelhos. Previa-se, para terror de todos, o desabamento do planeta e sua consequente descida às profundezas do Inferno.

domingo, 24 de setembro de 2006

A boa literatura nacional (Ronaldo Cagiano)



No panorama da literatura brasileira contemporânea, não obstante o cipoal das contradições que permeiam a produção intelectual e o mercado editorial (este sempre defensor da perversa lógica do lucro), há verdadeiros oásis de excelência. Particularmente, nas produções independentes, há autores, tanto na poesia como na ficção, que se apresentam com um trabalho de alto nível estético, embora não aproveitado pelas editoras de renome.

Nesse contexto podemos destacar a prosa de Nilto Maciel, cearense de Baturité, com uma imensa bibliografia e uma invejável coleção de prêmios literários (o mais recente, com o romance A Rosa Gótica, auferido no Concurso Cruz e Souza de Literatura, de Santa Catarina). Autor, entre outros, de O Cabra que Virou Bode, Os Varões de Palma, Navegador, Estaca Zero, As Insolentes Patas do Cão, Os Guerreiros de Monte-mor e A Guerra da Donzela, Nilto Maciel lançou recentemente, com selo da Editora Códice, o volume de contos intitulado Babel, livro primoroso, de elaboração cuidadosa, tanto gráfica quanto temática, na linha de sua já festejada produção anterior.

Escritor versátil, com uma ficção abstraída dos cânones escolásticos e das rotulações de mercado, sua linguagem e seus personagens transitam num mundo em que realidade e ficção parecem ombrear-se numa fronteira tênue. O absurdo, as imagens surrealistas, o variado signo de suas abordagens nos remetem aos barrocos e heterogêneos caminhos da história coletiva, pois delirantes situações e contingências são transplantadas do imaginário social, popular e dantesco, com a plasticidade literária que só um narrador da sua têmpera consegue atingir. Há uma articulação (in)tensa entre mundos mágicos, inauditos; figurações de uma emblemática busca daquelas inquietas províncias interiores, que nossa infância alada deixou hibernada nas entranhas, vindo à tona estórias, “causos”, alegorias e mistérios, qual uma meticulosa garimpagem nos sentidos.

(Jornal O Dia, Teresina, PI, 26/11/97)
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