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quarta-feira, 8 de novembro de 2006

A guerra da donzela (Silvério da Costa)



Li-o na praia, durante as férias, e me encantei! Nilto, que é um contista nato, dos melhores que este país tem, provou, com este livro, que também domina a novelística de forma irretocável. Embora publicado em 1982, ele foi, para mim, um excelente presente de fim de ano, pela forma como a leitura mexeu comigo.

A obra relata a história do suposto seqüestro de uma donzela, que ninguém sabe quem é. Tudo se desenrola a partir de uma falsa notícia que se espalha e transforma, rapidamente, num alvoroço generalizado, com a adesão, incontrolável, dos perseguidores do raptor. O grupo agiganta-se, assustadoramente, perseguindo pessoas, invadindo casas e acabando no mato, à entrada de uma gruta, onde, supostamente, estaria escondido o raptor. Só que a gruta era habitada por monstros que só existem, é claro, no inconsciente coletivo daquela comunidade e cuja origem está ligada a determinados valores, como a moral e a ética.

A guerra que se trava, portanto, é basicamente cultural e comportamental, deixando ao léu cenas e atitudes tão patéticas que beiram as fronteiras do ridículo e da paranóia.

Claro que outras leituras podem e devem ser inferidas, não fora tão rico e abundante o poder imaginativo de Nilto Maciel, que se valeu da linguagem poética, em grande parte da obra, para emocionar ainda mais a ação.

(Diário do Iguaçu, Chapecó, SC, 24/3/1999)
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O julgamento (Nilto Maciel)




A desgraça, descarga megatômica, se abateu sobre nós, de forma impiedosa. Deus nos castiga com seu chicote de ferro, como se tivéssemos cometido infinitamente os pecados das Tábuas da Lei. E eu, que fiz eu, que não me lembro? Terá sido pecado tão terrível todo o sofrimento que sempre tive? Esta série incontável de malogros que não consigo esquecer? Ou, meu Deus, a rebelião que arquitetei e cometi contra o poder de meu pai? Mas nunca o ofendi publicamente, nunca o esbordoei, nunca sonhei a sua morte. Se o ofendi, o fiz em silêncio, nas longas noites de insônia, em sonhos e pesadelos, histórias horrorosas que jamais inventei, e apenas fluíam como águas da terra, incontrolavelmente. Ou terá sido aquela mancebia tão conscientemente esquecida, eu tão jovem e necessitado de amor, de três anos apenas, com a pobre Raquel, coitada, onde estará? Ou a prodigalidade vivida por tanto tempo, a esbanjar como não devia, a deixar de dar a eles, meus pais e irmãos, o tanto precisado? Ou esse casamento malfadado, com essa menina tornada adulta tão de repente? Ou essa fuga precipitada e alucinante, como um bandido caçado insistentemente, para este fim de mundo? Ou o abandono a que lancei meu querido Aécio, para morrer só como um leproso? Não sei, não sei. Ou terá sido tudo isso, todo esse rosário de erros? Estou desgraçado pelo resto da vida. Vou penar ainda mais como um vil pecador. Morrer e parar nas profundezas do Inferno. Não, vou cair eternamente nas labaredas infinitas, inteiro e consciente de minha perdição. Mas, meu Deus, tenha piedade de mim, ajude-me, socorra-me, livre-me dessa dor, desse tormento, desse momento e das dores maiores que me esperam. Dê-me um fim sem dor, perdoe-me todos os pecados e leve-me para sua morada. Seja piedoso! Sou um pobre ser humano ignorante do que faz e fez. Se errei, não foi por querer, mas por não saber. Eu queria ser bom, eu sempre quis ser bom. Eu juro, era assim.