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segunda-feira, 12 de março de 2007

Um menino chamado Jesus (Valéria Nogueira Eik)


A carroça vinha carregada de sal grosso, açúcar mascavo, garrafas de pinga da boa, encomendas de toda sorte, e de quebra, dois porcos que grunhiam sob um calor de quarenta graus.
Antero segurava as rédeas com as mãos calejadas e seu corpo sacolejava, indolente, seguindo o ritmo da carroça.
O sono turvava a sua visão da estrada e do céu muito azul, sem nuvens, mas era impossível dormir; qualquer descuido seria recompensado por dentadas dos porcos que já andavam inquietos com o calor.

sábado, 10 de março de 2007

Ser ou não ser (Nilto Maciel)



 
Mais uma para nos enganarem. Agora passamos o tempo ouvindo música. A cada hora, mais crescemos e engordamos, a olhos vistos. Estão todos felizes da vida. Passam o dia cantando, imitando cantores e cantoras. Um deles adora Gardel. Só falta perder a voz. Vive rouco, engasgado. Come e canta, come e canta. Deve estar louco. Outro até chora quando Amália Rodrigues canta. A maioria, porém, gosta mesmo é de sinfonias, sonatas, valsas. Babam ouvindo piano. Meu vizinho engordou antes de todos, só de ouvir Mozart. Levaram-no ontem. Os homens que cuidam de nós saem felizes. Como cresceram de ontem para hoje! Tento ficar surdo, para não engordar tanto, embora goste de tudo o que ouço. Os que inventaram a música são mesmo divinos. No entanto, como são diabólicos os homens! Dão-nos música, comida, prazer, para que cresçamos, engordemos e viremos repasto deles. Pois saímos daqui para a panela dos homens. Afinal, somos tão-somente pequenas criaturas de carne saborosa. Frangos, como dizem os homens que nos visitam de hora em hora.
Agora uma valsa de Strauss. Divina! Ouço ou não ouço?
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