Assim começa Fortaleza voadora, a seleção de crônicas de Pedro Salgueiro - boa a partir do título, que tanto nos evoca o B-52, bombardeiro americano da segunda guerra, quanto o surrealismo de uma cidade a sobrevoar sua gente... Difícil escrever sobre a terra natal sem a pieguice da louvação, do derramamento fácil, do encanto que transforma em qualidade o que defeito é. Mas, como diria Nelson Rodrigues, ninguém com mais direito de falar mal do ente amado (seja cidade ou mulher) do que o amante... Falar mal, explique-se, com refinamentos de arte, segundo o título da coluna assinada outrora, no Correio da Manhã, por Carlos Heitor Cony.
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quinta-feira, 26 de abril de 2007
Como um sol que explode (Nilto Maciel)
Todo dia Abelardo seguia os passos de Camilo. Porque quase nunca este se encontrava com Maria no mesmo lugar. Um dia Camilo perguntou se Abelardo gostava de sofrer. Ficou mudo e se afastou do irmão. Não sabia explicar por que necessitava ver, de perto e sempre, aquelas cenas animalescas. Mordia os lábios, arregalava os olhos e estremecia. Talvez devesse apresentar-se no momento do êxtase do casal e interromper aquela sem-vergonhice. Não, não tinha coragem para nada na vida. Um covarde, um medroso. Certa vez não precisou seguir Camilo. No dia anterior ouvira, por três vezes, Maria e o namorado se despedirem assim: “Amanhã na ponte”. Saiu de casa antes do irmão. Escondido, viu a moça chegar. As águas do rio corriam lerdamente. Os mosquitos voavam e ziniam. E Camilo não aparecia. Maria olhava para os lados, sentava-se, andava e resmungava: “Amanhã na ponte. Ou amanhã na fonte? Na ponte, na fonte”. Olhos arregalados na direção da amada, Abelardo mordia os lábios. Por que Camilo não chegava? Talvez perdido na fonte. E Maria já se preparava para partir. Oh! não partisse. Prometia-lhe mil beijos, carícias de mãos, um abraço imensurável e o amor mais ardente. Porém ela sumiu entre as folhagens, feito uma fada, e ele gemente, os lábios em sangue e o corpo todo em chamas.
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