Depois do almoço, Alexandre dormiu. E logo se viu rei. Sim, rei de verdade, rei negro, rei ardente. Seu corpo ardia como nunca, mais do que nos dias de muito calor, de muita febre. Punha a mão no espaldar da cadeira real e logo os súditos gritavam: tire a mão daí, rei nosso, senão o trono pega fogo. Por onde passava, tudo se queimava. O chão se fazia vermelho, feito brasa. Ninguém ousava se aproximar dele. A rainha se esquivava a todo momento. Longe do pai, os príncipes corriam pelos campos, aos gritinhos. Alexandre se irritava com tanto medo. “Têm medo de morrer, desgraçados?” Furioso, agarrava até a morte os súditos mal-educados, mentirosos, impiedosos, desleixados, vaidosos... Aos prantos, os mais covardes se ajoelhavam aos seus pés, pedindo misericórdia. E mais ele os abraçava, ardorosamente. Amarrados pelos pés, os inimigos tremiam ao vê-lo. “Aproximem-se de mim.” Eles não saíam do chão, como se pregados. Os algozes os arrastavam. Os inimigos choravam, berravam, pediam clemência. Porém o rei os atraía e, vagarosamente, os ia queimando. Os inimigos viravam montes de carne assada. “Joguem tudo nas panelas. Hoje teremos feijoada para todo o reino.” Os cozinheiros do castelo haviam posto à sua frente panelões de água temperada. Para que isto, majestade? Para cozinhar os perversos, os maus, os inimigos do nosso reino. Fabricassem grandes caldeirões. Cozinharia todos os inimigos. Faria grandes feijoadas. Plantassem mais feijão preto, engordassem os porcos. Trouxessem feijão, água, toucinho, lingüiça, paio, orelhas e pés de porco, todos os ingredientes da melhor feijoada. E ria, gargalhava, bebia, enchia-se de cachaça, água, ardente como sempre. Súbito alguns de seus melhores amigos, conselheiros e parentes o agarraram e ameaçaram lançá-lo ao fogo ou dentro de um dos caldeirões. Iriam comê-lo com arroz, farofa e cachaça. E gargalhavam.