Translate

domingo, 6 de julho de 2008

Poeta do Altiplano (Reynaldo Domingos Ferreira)


(Anderson Braga Horta)

Na poesia de Anderson Braga Horta, que agora estréia em livro, editando-se em Brasília, há, antes de tudo, uma inquietação pela forma.
Parece que a arquitetura e o traçado urbanístico desta cidade – que inspira o primeiro poema do livro – aprofundaram ainda mais, no poeta, a preocupação pela técnica e pelo apuro estilístico, já evidente em obras anteriores, que se conservam, porém, inéditas.
As palavras, na poesia de Braga Horta, procuram ser exatas, tão exatas que, em alguns poemas, se ressentem de uma abertura, um deslize, que o poeta não lhes permite jamais. Sente-se que ele as obriga a se ajustarem ao seu tom, procurando extrair delas tudo o que pode e tudo o que quer, na medida adequada ao seu ritmo lento, pausado e comedido. Dir-se-ia que, por vezes, faz falta, em tanto apuro técnico, aquele “desregramento de sentido” de que falava Rimbaud, em uma de suas cartas, sobre o jogo poético. O aprimoramento, entretanto, que Anderson dá à estrutura do verso, nos proporciona composições perfeitas como aquele poema retilíneo, que se intitula “Mão”:

Clara amanhece
Natura e canta,
liricamente
dilucular.

Crótalos clamam,
clarins ressoam,
sobre as cabeças
lírios revoam.

Nas veigas nuas
de ensolarar
incautas notas
tremulam no ar.

Langue, Natura
suspira, expira
no meio-dia
plenissolar. (...)

Nota-se, neste poema, a felicidade com que o poeta transmite as imagens que seleciona, dando-lhes, diríamos, uma fulguração, que permanece fácil em nossa memória:

Crótalos clamam,
clarins ressoam,
sobre as cabeças
lírios revoam.

Efeito mais ou menos semelhante, porém mais dinâmico e bem mais atuante, é o que Braga Horta extrai da primeira estrofe do poema dedicado à fundação de Brasília:

Antes do começo,
era o sertão, só e ríspido.
Vegetais cheios de ódio fitando os céus impossíveis
e apontando a terra sáfara.
Dedos torcidos de séculos.
Bênçãos dissimuladas sob a raiva.
Natureza virgem à espera da posse.

É uma “intensidade de expressão”, como disse Carlos Drummond de Andrade, através da qual o leitor não só vislumbra a imagem deste planalto esquecido, que antes era, como participa também de sua milagrosa transformação, feita por “mãos nodosas / magras mãos / mãos rudes / mãos férreas / mãos”. E vem ainda do poema o cheiro forte de terra, quando do preparo do terreno, que daria nascimento à cidade:

Cresce uma pétala na rosa-dos-ventos.
Desviam-se para Oeste os rios do orvalho,
de que o asfalto, o aço, o concreto,
o abstrato,
tudo é resíduo.
Cruz resumindo sacrifícios,
avião demandando o futuro.
Símbolos.
Reais são os mortos, alicerces nossos;
real é o presente, imenso,
bruto
canteiro de obras.

O que dizer de um poema como este?
Anderson Braga Horta, a nosso ver, reconstruiu Brasília, em termos de poesia, numa forma insuperável. Seu poema, como esta cidade, tem cheiro, tem cor, tem luz, tem sons de eternidade. E, depois do altiplano, ele também inventou a noite, fez quatro sonetos em lá e falou assim do cordeiro e da nuvem:

Os homens plantaram no deserto ásperas maravilhas
Cogumelos de vidro abrem chapéus
de sol
Invertidas funções
chove
embaixo
uma fórmula nova
Os homens semearam medo e morte
de instantânea colheita

Mas no deserto onde só
mineral flora enseiva os caules
e umbelíferas cospem
na boca dos ventos
letal pólen
nasce um cordeiro
sob a nuvem atômica
(...)


(Publicado no Correio Braziliense, 30-7-71.)
/////

quinta-feira, 3 de julho de 2008

Autores atuais reescrevem Machado de Assis



No centenário da morte de Machado de Assis, com organização do premiado contista, doutor em Letras pela Unicamp e professor universitário Rinaldo de Fernandes, a Geração Editorial lança a antologia Capitu mandou flores: contos para Machado de Assis nos cem anos de sua morte, que, além de incluir os dez melhores contos de Machado, traz um conjunto de narrativas recriando esses dez melhores contos e passagens/situações do romance Dom Casmurro. São autores renomados, emergentes e jovens promessas da literatura brasileira atual que reescrevem Machado de Assis na antologia: Lygia Fagundes Telles, Moacyr Scliar, Hélio Pólvora, Cecília Prada, Nelson de Oliveira, André Sant’Anna, Fernando Bonassi, Glauco Mattoso, Ivana Arruda Leite, Andréa del Fuego, Marcelo Coelho, Deonísio da Silva, Daniel Piza, Godofredo de Oliveira Neto, Bernardo Ajzenberg, João Anzanello Carrascoza, Antonio Carlos Secchin, Leila Guenther, Marilia Arnaud, Rinaldo de Fernandes, Raimundo Carrero, Mário Chamie, Aleilton Fonseca, Tércia Montenegro, Maria Valéria Rezende, Maria Alzira Brum Lemos, W. J. Solha, Amador Ribeiro Neto, Carlos Gildemar Pontes, Nilto Maciel, Aldo Lopes de Araújo, Suênio Campos de Lucena, Carlos Ribeiro, Ronaldo Cagiano e Sérgio Fantini.
Diz Rinaldo de Fernandes, no texto de apresentação da antologia: “O conto ‘Missa do Galo’, de Machado de Assis, é aqui recriado por quatro escritores. Osman Lins, na década de 70, já havia preparado um livro propondo o mesmo a cinco autores: Antonio Callado, Autran Dourado, Julieta de Godoy Ladeira, Lygia Fagundes Telles e Nélida Pinõn. O próprio Osman Lins, com uma narrativa inédita, integrou o livro, intitulado Missa do Galo – variações sobre o mesmo tema. Retomei o projeto do autor de Avalovara e o ampliei. Agora não apenas ‘Missa do Galo’ é refeito, mas ainda nove outros contos de Machado. O conjunto dos dez contos aqui reescritos: ‘Missa do Galo’, ‘A Cartomante’, ‘O Espelho’, ‘Noite de Almirante’, ‘A causa secreta’, ‘Pai contra mãe’, ‘O Alienista’, ‘Uns braços’, ‘O Enfermeiro’ e ‘Teoria do medalhão’. Foram, na ordem em que estão, escolhidos como os melhores do Bruxo por dezessete escritores brasileiros, em enquete que realizei”. Diz ainda Rinaldo: “Para ampliar ainda mais o projeto em que me baseei, aqui são reescritos também trechos/situações do Dom Casmurro (um resumo do romance foi feito pela professora de literatura brasileira Sônia Maria van Dijck Lima). Há ainda alguns ensaios, fechando o livro, que investigam aspectos importantes da ficção, da poesia e do teatro machadianos.” Ensaios imperdíveis, de autores importantes, como Silviano Santiago, Luiz Costa Lima, Pedro Lyra, Regina Zilberman e André Luís Gomes.
Enquanto, no presente, para prestar homenagem aos cem anos de morte do autor, alguns lançamentos acumulam-se buscando cobrir as tantas facetas da produção de Machado, este Capitu mandou flores consegue abarcar várias delas de uma só vez: traz narrativas insuperáveis do célebre escritor, as recriações dessas narrativas e ainda ensaios bastante esclarecedores de aspectos fundamentais da obra do autor de Brás Cubas.
Com certeza, este livro ficará entre as obras mais importantes da literatura brasileira contemporânea. Um exercício de reescritura de Machado de Assis até aqui nunca proposto em nossas letras, abrangendo tantos autores e textos de qualidade. Pode-se afirmar sem medo: um livro ímpar, para ser lido por gerações. Um livro imperdível!
http://www.geracaoeditorial.com.br/
Rua Major Quedinho, 111 – 20º. andar - 01050-030 – Centro – São Paulo – SP - Brasil
55 11 3256-4444 – Fax 3257-6373 – Email geracao@terra.com.br
/////