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terça-feira, 16 de setembro de 2008

Febre (Valéria Nogueira Eik)

















O igarapé de águas mansas serpenteava lentamente em direção ao grande rio.
O silêncio era trincado, vez por outra, pelo burburinho das aves que passavam em pequenos bandos.
Ou então, pela brisa quase imperceptível que bolinava a penugem da mata.
E por ela.
O frescor do riacho não acalmava o calor que queimava superfícies e entranhas.
Era desejo atroz fincado no ventre contraído.
Ereta e silenciosa, ela olhava o horizonte estreito à procura de uma embarcação, um canoeiro, qualquer um, mas que viesse.
Em vão.
Mergulhou corpo e vontade no igarapé.
Deslizou pelas águas.
À Iara implorou um pouco de quietude para tanto desassossego.
Em vão.
Arrastou a febre para a margem e deitou-se na relva.
Fez do céu azul e da terra pálidas amantes e cúmplices dos seus pecados.
E, escancarando as coxas morenas, mostrou-lhes a umidade densa que gotejava incansavelmente sobre o solo.
O céu desabou sobre ela sugando orvalho e desejo.
Os gemidos se transformaram em uivos, em pranto, em soluços.
Arranhou a terra, fez-lhe vergões profundos e sentiu seu gosto lúbrico.
E os dedos macios penetraram o rio caudaloso, num vai e vem demorado.
Colou os olhos ávidos na amplitude do céu azul.
E num grito rouco pariu o prazer.

12/setembro/2008
Maringá/PR

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domingo, 14 de setembro de 2008

Transformar o amanhã (Tânia Du Bois)



Transformar o amanhã é desembrulhar o livro “Neste Embrulho de Nós”, vencedor do III Prêmio Literário, Livraria Asabeça, Categoria Poesias.
Marco Aqueiva é um poeta especial que nos permite penetrar na força da poesia; tem a capacidade de revolucionar as palavras e de desamarrar a linguagem: “... sem nós me turvo/cascalhando este outro engulho de nós...”.
Ele “desamarra as tramas do impreciso humano”, isto é, nos desperta para um mundo de novos significados.

“... Verão, ao sol do meio dia, corpo
gravando em rubro intenso sua nudez
no asfalto que, bufando violento,
vera escrita registra sem disfarces..

...

- ó Leitor, fado sensual tuas farpas!”

O Leitor, ao lado do poeta, é incentivado a desbravar caminhos sem medo de assumir a sua poesia; a sua criação, seja ela polêmica ou não.

“Não ao inferno na companhia das letras
Outra estação assegurada aos olhos
E se convenha a ti estes meus sonhos
Paisagem em pulsão impermanente...”

O livro mergulha na essência de transformar as palavras como se vestisse a “camiseta” defendendo a literatura, como manifesto que defende a poesia; leva a acreditar que mudanças são necessárias e a perceber traços de vida e esperança num universo de valores únicos. Como se vestíssemos a “camiseta” o tempo todo e fôssemos transformando a “nós” e a tudo o que está em nossa volta.

“... Em pasto de palavras transforma-se,
Se há merenda aos teus olhos, omelete
A um morto acasalando com fantasmas, ...”.

A sua poesia mais do que informa, transforma. Poesia é Marco Aqueiva. Seu talento e sua obra abrem caminhos para todos “nós” e é inspiração para o futuro. “Boné sem camiseta, outro assédio?...”.
Em “Neste Embrulho de Nós”, pura literatura, Marco Aqueiva mostra a força que possui, capaz de revelar e transformar o amanhã.

Tânia Du Bois, pedagoga. Itapema, SC. Crônicas publicadas em sites e blogs. E-mail: taniardubois@gmail.com
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