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segunda-feira, 12 de janeiro de 2009

Paris é uma festa! (Nilze Costa e Silva)


(Nilze Costa e Silva)

Este é o título de um livro do grande escritor Ernest Hemingway, que fez parte da comunidade de escritores e artistas expatriados em Paris, como Van Gogh, Paul Cézanne, Pissaro e Paul Gauguin, entre outros.
Paris é ontem, hoje e amanhã. Paris é maravilhosa pela alegria do seu povo. Sempre ouvira falar que os parisienses são mal humorados. Não são. Têm um aspecto risonho e feliz. As ruas e os prédios históricos são muito bem iluminados. Mas não olhe para o chão. Os turistas sujam muito, e o povo, principalmente os jovens parisienses fumam demais. Acho que eles não conhecem ainda um pequeno objeto chamado cinzeiro. O passeio de barco no Rio Sena é imperdível, bem como a visita à Torre Eiffel, símbolo romântico de Paris. Dizem dela que é forte como ferro, mas delicada como renda. A Rachel, nossa guia em Paris, nos falou que sua construção foi primeiramente ridicularizada pelos artistas e escritores da cidade, que consideravam a torre, erigida em 1889, um verdadeiro monstrengo. E que foi construída para comemorar o 100º aniversário da Revolução Francesa. Com o tempo foi se tornando símbolo de beleza, originalidade e magia da cidade de Paris.
Fui a Paris pela primeira vez e nada fugiu às minhas expectativas. Paris respira monumentos, pontes românticas, museus fabulosos, bistrôs e cafés. Ah, os famosos e românticos cafés de Paris... Com mais de 2 mil anos de história, a cidade fascina o imaginário humano, considerada a cidade mais famosa do planeta. Lá se dá um mergulho na história da civilização humana, ao entrar no Louvre, onde se encontram numerosas obras-primas dos grandes artistas da Europa, como Michelangelo, Ticiano, Rembrandt, Goya e Rubens. Telas famosas, como a coração de Napoleão Bonaparte, Santa Ceia, a famosa e enigmática Mona Lisa, esculturas como a Vênus de Milo, e mais enormes coleções de artefatos do Egito antigo, da civilização Greco-romana, artes etruscas, islâmicas, enfim, uma das maiores mostras do mundo da arte e cultura humanas.
É um privilégio quase divino poder passear no bosque de Luxemburgo. Mexe com o imaginário saber que ali vizinho está o túmulo dos filósofos Simone de Beauvoir e Jean Paul Sartre. Com toda a intimidade, sentei numa cadeira do Jardim, colo em frente ao castelo da rainha Catarina de Médici. A beleza de Paris é externa e muito mais interna. É uma cidade de iguais, onde as pessoas negras se vestem bem, estão empregadas em locais de destaque, lojas elegantes, bancos, gerências de hotel e, quando jovens e crianças, estão em boas escolas. Pelo que nos falou um motorista de táxi, os imigrantes são bem aceitos, apesar da invasão constante. Existem mendigos nas ruas, mas muito poucos em relação ao Brasil. Geralmente alcoólatras que portam um cartaz: "Estou com fome". Estão agasalhados e geralmente junto a eles está um saco de dormir. Crianças na rua não existem em nenhum lugar da Europa, só vi crianças felizes, risonhas, saindo ou entrando nas escolas ou dentro dos museus.
Fui a Montmartre Montmartre, o bairro boêmio da cidade de Paris, encontro importante de artistas e intelectuais, famoso pelo passado de sua animada vida noturna. Modelos, cantoras, bailarinas e pintores como Degas, Cézanne, Monet, Van Gogh, Renoir e Toulouse-Lautrec frequentavam o lugar. Hoje suas ruas ainda se animam com os artistas que pintam suas telas, cantam e escrevem poesias na praça principal. Turistas passeiam pelas ladeiras, seguidos por vendedores ambulantes. Os bares nas calçadas e os cafés refletem o romantismo de uma época.
Turistas, vendedores, ambulantes passeiam pelas ladeiras à procura de lugares famosos e bares bem abastecidos.
Montmartre foi imortalizado na musica de Charles Aznavour, assim traduzida:

"Eu falo de um tempo
em que os jovens de hoje não podem viver mais
Montmartre, ornamentada, coberta de lilás,
e sob janelas, humildes dormiam, em trapos de linho,
viviam nas ruas, ali nos conhecemos,
eu pintando a fome e tu posando nua.
Boemia, boemia, lazer, amor e distração".

Segundo a nossa guia, não se conhece Paris em 4 dias. Nem em 4 meses. E talvez não em 4 anos. Falou que as crianças estudam o dia todo de segunda a sexta em escolas públicas de boa qualidade. Mas as quartas elas não vão a escolas, pois é dia de ir aos museus, frequentar aula de dança, línguas, natação etc. Resultado, a violência é quase zero e não existem assaltos à mão armada, mas os descuidistas, chamados lá de "carteiristas", se aproveitam de um vacilo seu para surrupiar sua carteira.
Andar pela calçada da Île de la Cité (Ilha da cidade), primeira rua de Paris e entrar na Catedral Notre Dame, construída em 1163, nos faz ver que o Brasil é um feto diante da civilização.
Bom, em Paris seguimos o roteiro que todo o turista faz, mas não deu tempo para ver tudo em 3 dias. Claro que pretendo voltar lá para continuar meu passeio, mas morar mesmo, só aqui, na minha Fortaleza amada, onde se serve feijoada, baião de dois de feijão verde com queijo, etc.etc. Na França só presta o pão, embora seja conhecida com uma das melhores culinárias do mundo. Questão de gosto... Aliás uma amiga pediu escargot, num restaurante, e queria que eu provasse. Falei que se for pra comer caracol, pego aqui no mangue do rio Cocó, bem pertinho da minha casa, ora!
Mas se antes eu dizia "não morro sem ver Paris" hoje afirmo: não morro sem retornar a Paris, essa cidade emocionante, deslumbrante, mas que a gente precisa mais sentir do que ver.
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sexta-feira, 9 de janeiro de 2009

Três (Viegas Fernandes da Costa)



I - O cheiro do poema

Deixar assim correr o tempo em meus dedos. Que quer este pássaro em meu quarto? Como ancorar este navio? Tecer de rendas ao som da vida, em uma tarde de verão. Por onde andarão as camponesas que um dia vi em meus sonhos de adolescente? Planger de violões no alto do morro, as redes arrastando os peixes de amanhã. Não conheço, porém, o cheiro do leito nascido dos úberes para meus lábios... sei apenas da cidade, da pequena cidade onde nasci, e deste gosto pasteurizado. Meus pés nunca me levaram ao alto da serra, e aquela estrada de terra que se perdia na mata, e que sempre desejei conhecer por completo, já não encontro mais. Assim, tamborilo duras falanges sobre o peito, esperando aquilo que deixei escapar, e sinto em meu rosto o azul de um céu empurrado pelo vento. Quero tocar aquele velho piano esquecido no canto escuro do teatro, o corpo tangido pelo espírito, e nu sair à rua, rodopiar de braços abertos em meio ao asfalto. O mundo secou, afinal, e cactos brotam dos olhos. Ainda é possível chorar... Assim ressuscitar a criança que corria descalça sobre a orla do mar, os bolsos cheios de areia. Compor a sinfonia do desejo do eterno. O feto embrulhado em seu próprio abraço. Na praça, o velho que grita, o Livro sob os braços. E há tantos fatos neste espaço! Há de se amarrar o bode à trave ali postada, as luzes cintilando em nossos medos. Vou correr, mas as pernas amputadas não se moveram e assim vejo fugir meus órgãos por entre os lábios: vísceras, veias, pulmões. Sou apenas este saco vazio pendurado sobre o cabide de ossos. Ainda assim, reconheço o cheiro do poema.


II - “Años de soledad”

Há tanto o som que ecoa escapa aos meus sentidos. Piazzolla toca em qualquer lugar distante, e faz-se sangue em minhas veias, por hora. Deixo seguir meus passos, meus pés adormecidos, e falanges cansam sobre as letras de um teclado. Que dizer? Há tanto mundo em meus ouvidos, tantos desejos, e tão pouco meu tempo: como Carmosina que suspira sobre as páginas dos seus livros, em espera e prece a Jorge que lhe devolva seu Amado. Ouço assim um saxofone que se anuncia baixinho, e cresce, como crescem as vontades ou a tela nas paredes da cidade no Cinema Paradiso. Saudade dos filmes proibidos que preenchiam minhas adolescentes madrugadas. Sinto-os como doce agonia acalentando minha memória. Caminhar é isto. No fim somos aquele personagem de Tarkovsky, em Nostalgia, que atravessa o leito seco da piscina com a chama de uma vela em suas mãos, afrontando o vento que insiste em nos fazer retornar ao princípio, os mesmos passos, o mesmo caminho, a mesma chama frágil em nossas mãos. Quando chegarmos, é porque terminou, e caímos. O que sobra? Somos, assim, sempre este milagre! Deus? Deus é um caso à parte! O mundo que nasce sob a sombra de uma Lua na alvorada de um tonitruante bandoneon. Talvez um tango, um tango a me levar tantas mágoas, mas danço apenas com as mãos. Meus pés engessados há muito silenciaram passos; amarrados, sabem que as maiores viagens independem deles. Assim, insisto no eterno epílogo, sempre uma vírgula e o desfiar de nova frase, o par de olhos sobre a nudez amante, uma promessa, uma saudade. Simples assim, como crer no credo que se desfia no mosteiro, como saber o texto um templo.

III – Pietá

N’“O Carteiro e o Poeta”, de Michael Radford, faz-se verso o som do vento nos rochedos, “as tristes redes do meu pai”. Em “Powaqqatsi”, Godfrey Reggio nos mostra a Pietá de carne e lama escalando a mina, a cabeça rachada pela pedra. A vida corre assim, entre bestas e amantes, como entender? A mão que planta a terra verga a planta, ceifa o caule, suga o sumo: há uma bandeira no alto do Himalaia, tremula onde ninguém vê, por agora; amanhã tremula um farrapo. Ouço, no entanto, os sinos na torre, os gritos da feira, os uivos dos cães. 10.02.1960 – 23.03.2008: está resumida uma vida, e o rosto na fotografia me sorri a sentença de que fujo. Gravo a eternidade em papel, em placas de bronze, em suportes digitais, e descanso para reler a fábula de La Fontaine: a cigarra, as formigas, e a promessa da fome no inverno; com que direito traumatizam crianças com La Fontaine? Hás de ser formiga, e assim não passas fome! Mentira, porque a função da formiga é dar de comer à rainha, e morrer! Mas esta noite não é cáustica não: retorno à velha poltrona que reinava no sótão do meu avô, às mãos o livro de Lobato e sua Emília. Como seria uma vida de sítio? – matutava. Trepar em árvores, banhos de rio, um Barnabé habitando as margens. O doce torpor de rememorar as noites de livros no sótão do meu avô, o adulto que não chegava em mim. Era o tempo em que ainda havia pés dispostos a correr, a chutar uma bola, a embrenhar-se nos matos da vizinhança. Hoje não há mais pés, tampouco há muita mão, desta resta muito pouco: uma sombra de dedos, uma palma sem alma. Suspiro! O medo de ser abandonado criança à porta da escola, no morrer da tarde: tic tac tic tac tuntum tuntum, e de repente a figura do pai que despontava na curva, o sorriso no rosto. Assim faz-se verso o tempo no sótão, o passeio entre os mortos, as lápides, os epitáfios. Faz-se verso o medo dos tantos trovões que preenchiam os verões e suas tempestades nas férias escolares. E isto que agora se faz verso, era então emoção e idílio. Mas cresceram-me os olhos, e por isso sei da Pietá de carne e lama, sei também de outras Pietás: as de carne e chama, as de fome e ossos, as de pedra vulgar. Sei das Pietás que se arrastam nas sarjetas e pedem esmolas, das Pietás que preenchem de buracos seus peitos tão parcos, e de tantas Pietás que o cinzel e o formão não cansam de compor. Mas no mosteiro persistem as rezas, e nos terreiros e nas capelas. Melhor assim. Ao fim estamos todos parindo um grande poema, um grande e único poema que dirá do vento nos rochedos, do eclipse lunar. É só o que nos resta.
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* Viegas Fernandes da Costa é historiador e escritor, autor de Sob a Luz do Farol (2005) e De Espantalhos e Pedras Também se Faz Um Poema (2008). Escreve no blog http://viegasdacosta.blogspot.com/ . Permitida a reprodução desde que citado o autor e o texto mantido na íntegra.
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