Todo ano é a mesma coisa. Começa dezembro, os sinos bimbalham e eu me deprimo. É automático, inevitável. Vocês sabem muito bem de que sinos estou falando. Não é o sino da torre da velha igreja que todos trazemos da infância. Nem os carrilhões das grandes catedrais que conhecemos de passagem ou pelos filmes. Os sinos que me deprimem bimbalham nas musiquinhas cabulosas que tocam nas lojas, nos carros de propaganda e nos anúncios de televisão. Eles querem reproduzir em nossa memória uma lembrança que não temos. Querem nos lembrar os guizos de um trenó que desliza sobre a neve puxado por renas carregando um bom velhinho com um saco enorme cheio de presentes. E talvez seja isto o que me deprime.
Vejam que não estou falando de nostalgia, pois esta sempre nos lembra alguma coisa que perdemos e não podemos mais recuperar. Os sinos que bimbalham em dezembro não me lembram nada que alguma vez tenha perdido. Eu nunca vi um trenó, não conheço uma rena e não me lembro de nenhum velhinho gordo e simpático que me tenha dado um presente.
O que perdi, e disto sinto falta, foram os dias de correria que antecediam a noite de festa, no natal e no ano novo. O que perdi foi as mãos fortes do meu pai abrindo a massa do pastel com uma garrafa cheia d’água. Perdi também o cheiro dos pastéis assando no forno e depois se derretendo na boca, misturando o doce do açúcar com o gosto salgado da azeitona. Perdi também o presente achado debaixo da cama na manhã seguinte. Perdi o pai, a mãe as tias e uma parte dos irmãos que construíam comigo essas festas. Isto me faz nostálgico. Mas não me deprime.
É por isso que faço tudo para me recolher em casa assim que começa dezembro. Não quero ouvir o bimbalhar dos sinos. Não quero fazer parte da correria insana que leva as pessoas de um canto para outro em busca de uma coisa que não vão encontrar. Nem dentro delas mesmas. Pois esta coisa chata que as simones e os robertos cantam, que até o pobre do John Lennon é obrigado a cantar, não existe em canto nenhum de nossa memória. Elas existem fora de nós, fabricadas por uma indústria de ilusões e bugigangas. Não me perguntem, pois, por quem os sinos bimbalham. Uma coisa eu garanto: não é por mim.
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