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quinta-feira, 6 de maio de 2010

Podesres (Pedro Du Bois)

Subverto o poder, condicionado ao mito,
retiro da força o apego ao gênio
literário; esmoreço o começo e me arrojo
ao mundo abaixo das vistas, entrevejo
a glória incensada das orquídeas, símbolos
e dogmas repisados ao orgulho determinado
do poder – agora subvertido – ocultado.

Reafirmo a crença no vazio
da pedra concreta da inação
do tempo: a temporalidade
do minério escavado ao corpo

despreparado, escuto gritos reais
de descobertas: o encoberto jogo
do poder sacralizado ao todo.


http://pedrodubois.blogspot.com/
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terça-feira, 4 de maio de 2010

Eça de Queiroz em aquarelas (Adelto Gonçalves*)



I

Filho de A. Campos Matos (1928), notável queiroziano, o arquiteto Rui Campos Matos (1956) herdou do pai a paixão pelos livros, pela poesia, pela literatura de um modo geral e pela obra de Eça de Queiroz (1845-1900) em particular. É o que mostra em Os Maias – Uma Antologia Ilustrada (Lisboa, Parceria A.M.Pereira, 2009) em que, acompanhando trechos do clássico romance de Eça de Queiroz, enfileira a cada página aquarelas em que procura retratar e reconstituir lugares e personagens da obra.

Quem leu Clepsidra e outros poemas, de Camilo Pessanha (1867-1926), em edição preparada por Daniel Pires (Lisboa, Livros Horizonte, 2006), e deslumbrou-se com as ilustrações que o acompanham já sabe a qualidade que vai encontrar nestas aquarelas. A única diferença é que, desta vez, não são coloridas como naquela edição de Clepsidra. Todo queiroziano, por certo, também há de recordar os pastéis que Rui Campos Matos produziu para O Mandarim, que seu pai publicou em Fotobiografia de Eça de Queiroz, Vida e Obra (Lisboa, Editorial Caminho, 2007).

Como observa Pedro Larsen no prefácio, em precisas imagens, Campos Matos, “num traço dúctil, espontâneo, seguríssimo, detecta o essencial dos ridículos das personagens queirozianas, fazendo-nos reviver episódios e situações que havíamos esquecido e nos despertam depois, além do contentamento e da surpresa do reencontro, a hilaridade do discurso desenhado”.

Entre essas personagens, Larsen destaca a baronesa de Craben, seguida de seu rubicundo marido, o pai Monforte e Maria, sua capitosa filha, o Alencar, sempre emburrado, “a braços com o realismo que tanto lhe atormentou a existência”, o melancólico Cruges, “de batuta entalada no colete”, o melífluo Dâmaso, o truculento João da Ega, e Maria Eduarda, com seus cabelos de ouro, figura enigmática e atraente que levaria Carlos da Maia a dar um passo tão trágico como é o do incesto, entre outras personagens menores – mas nem por isso menos importantes na galeria eciana – da Lisboa da época da Regeneração que, olhada através de um olhar de mais de um século, não regenerou em nada os costumes.

Além do prefácio descontraído de Larsen, o leitor, antes de penetrar diretamente nesta galeria eciana, encontra ainda um guia escrito pelo próprio autor que lhe permite recordar a trama que permeia Os Maias, romance publicado em 1888.

II

Para quem não recorda, é bom lembrar que a narrativa de Eça tem início com Pedro da Maia, filho de Afonso da Maia, personagem educado de acordo com padrões românticos, que se casa com Maria Monforte, filha de um traficante de escravos e, por isso, também conhecida como “a negreira”. Dessa união, nascem dois filhos: Maria Eduarda e Carlos. O casal se separa logo depois. A menina fica com a mãe e o menino com o pai, que se suicida, depois que a mulher foge com um napolitano.

Descendente de uma família nobre da Beira, educado pelo avô, segundo padrões britânicos, Carlos da Maia forma-se em Medicina, mas nunca exerce a profissão a sério. É um doidivanas, um desocupado que está sempre acompanhado de João da Ega, ex-estudante de Direito em Coimbra, um tipo espirituoso e adepto do Naturalismo em Literatura. Após alguns encontros amorosos com a condessa Gouvarinho, Carlos conhece, por intermédio de Dâmaso Salcede, um tipo medíocre e balofo, a mulher de Castro Gomes, um brasileiro rico, e apaixona-se por ela. A amada rompe com Castro Gomes, com quem não era casada legalmente, e vai viver com Carlos da Maia, acompanhada de uma filha, criança ainda.

É quando Joaquim Guimarães, um velho jornalista, entrega a João da Ega uma caixa de documentos a ele confiada por Maria Monforte em Paris, para que ele a encaminhasse a Carlos. Este julgava que a irmã, como a mãe, estivesse morta há muito tempo. Ega lê os documentos e, aterrorizado, vai mostrá-los a Carlos: ele e sua amada, Maria Eduarda, a antiga madame Castro Gomes, eram irmãos.

Desnorteado, Carlos volta a encontrar-se com a irmã, numa atitude de incesto consciente, de que, mais tarde, arrepende-se. Surpreendido com o reaparecimento da neta, que surgia como amante do irmão, o austero Afonso da Maia falece. A situação entre os irmãos só é solucionada após o funeral: Maria Eduarda, com a identidade esclarecida e seus direitos reconhecidos, volta para Paris, refaz sua vida e lá se casa. Já Carlos viaja para a América e o Japão, em companhia de Ega. Só dez anos mais tarde retorna a Lisboa, fixando depois residência também em Paris, onde alia a falta do que fazer ao diletantismo.

III

O que nesta obra Eça de Queiroz faz com mestria é a reconstituição da alta burguesia portuguesa e sua incapacidade de fazer a nação sair da mesmice e do atraso econômico e cultural, em que, aliás, pouco difere de sua congênere brasileira que, mais de 120 anos depois, o que conseguiu foi construir um país injusto, desigual, atrasado e imerso em violência social. Com aquele objetivo, o romancista cria muitas personagens claramente inspiradas nas figuras insossas de seu tempo e suas mesquinharias. Como observa Rui Campos Matos, a definição final desse painel da alta burguesia de sua época o escritor a dá pela boca de João da Ega, alter ego do autor, que reflete um pouco a filosofia dos “vencidos da vida”, grupo de intelectuais de que Eça também fez parte: tinham fracassado porque eram românticos, ou seja, “indivíduos inferiores que se governam na vida pelo sentimento, e não pela razão”.

O que Rui Campos Matos procura fazer com o lápis é o que Eça de Queiroz fez com a pena: imaginar como teriam sido fisicamente essas figuras, quase todas ridículas e balofas, além de retratar alguns edifícios marcantes na obra, como o “Ramalhete”, mansão em que residiam os Maias, ou o Largo do Pelourinho, hoje Largo do Município, local em que Ega toma conhecimento do drama que irá marcar a vida de seu amigo. E o faz com tamanha espontaneidade e virtuosismo que podemos até mesmo imaginar aquelas personagens como se estivéssemos assistindo a um filme. Ou mesmo convivendo com elas no átrio do Hotel Central.

IV

Como Eça de Queiroz, Rui Campos Matos nasceu em Póvoa de Varzim. Frequentou o curso de Artes Plásticas da Escola Superior de Belas Artes e licenciou-se em arquitetura pela FAL/UTL, de Lisboa, em 1984, atividade que exerce desde essa época em ateliê próprio situado no Funchal. Mas, ao mesmo tempo, desenvolve a arte da ilustração e do desenho.

Já expôs na Biblioteca Nacional de Lisboa (2006), na Galeria da Mouraria no Funchal (2006) e na Casa de Santa Maria de Cascais (2007). Além da edição de Clepsidra e outros poemas, de Camilo Pessanha, publicou diversas ilustrações inspiradas na obra queiroziana: Fotobiografia de Eça de Queiroz, Vida e Obra (Editorial Caminho, 2007) e nas revistas Mealibra, Islenha, Boletim Cultural da Póvoa de Varzim e Jornal de Letras.
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OS MAIAS – UMA ANTOLOGIA ILUSTRADA, de Rui Campos Matos, com prefácio de Pedro Larsen. Lisboa: Parceria A.M. Pereira,157 págs., 2009. Site: http://parceria.a.m.pereira@com E-mail: parceriaeditores@net.novis.pt
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(*) Adelto Gonçalves é doutor em Literatura Portuguesa pela Universidade de São Paulo e autor de Gonzaga, um Poeta do Iluminismo (Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1999), Barcelona Brasileira (Lisboa, Nova Arrancada, 1999; São Paulo, Publisher Brasil, 2002) e Bocage – o Perfil Perdido (Lisboa, Caminho, 2003). E-mail: marilizadelto@uol.com.br
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