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sexta-feira, 7 de maio de 2010

A galinha e o trigo (João Soares Neto)



Reconto, com adaptação minha, estória atribuída a George Orwell que corre há décadas. Ela mostra a diferença entre os que não plantam e os que cuidam de plantar. Consta que existia uma galinha vermelha. Ela achou alguns grãos de trigo e perguntou a seus colegas de fazenda: vocês me ajudam a plantar? A vaca disse: não. O pato: nem eu. Eu também não, falou o porco. Eu, muito menos, completou o ganso. Então, eu mesma planto, falou. E o trigo foi plantado, cresceu e amadureceu em grãos dourados. Da mesma forma, na colheita, perguntou: quem me ajuda a colher o trigo? O pato disse um não, seco. Não faz parte das minhas funções, disse o porco. Não, estou só contando o tempo de serviço para me aposentar, disse a vaca. Vou nada, posso perder o seguro-desemprego, respondeu o ganso. Então eu mesma vou colher o trigo, disse a galinha. Um dia, ela convocou a todos, mais uma vez, para ajudar a preparar e assar o pão. As respostas continuaram a ser negativas: um queria hora extra; outro gozava, agora, do seguro-doença; uma disse que não sabia fazer. Enfim, nada. Ela assou, sozinha, cinco pães. Cheiravam, estavam bonitos, e todos se achegaram seguindo o aroma de pão novo e querendo comê-los. A galinha falou que não, pois estava cansada de trabalhar só e faminta. Foi aí que houve uma reunião dos quatro. A vaca falou em egoísmo e sovinice. O pato chamou-a de capitalista safada. O ganso exigia os seus direitos e o porco só grunhiu. Resolveram ir até o governo da fazenda, mas antes pintaram faixas com palavras de ordem, tipo justiça social e pão para todos. O funcionário do governo, um jaboti, os recebeu, ouviu cada relato, mandou que preenchessem formulários em cinco vias, pediu que reconhecessem as firmas, cobrou uma taxa e os despachou para o chefe. Este, do alto de sua crista, pois era um galo, disse: que se faça justiça, todos têm direito aos pães. E mandou uma intimação à galinha, dizendo que ela deveria, sob pena de prisão, repartir os pães e que aquilo era apenas redistribuição de renda, meta da fazenda. Ela aceitou calada e nunca mais fez nada. Consta ter ela entrado em um movimento social e recebe uma bolsa qualquer.
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quinta-feira, 6 de maio de 2010

Podesres (Pedro Du Bois)

Subverto o poder, condicionado ao mito,
retiro da força o apego ao gênio
literário; esmoreço o começo e me arrojo
ao mundo abaixo das vistas, entrevejo
a glória incensada das orquídeas, símbolos
e dogmas repisados ao orgulho determinado
do poder – agora subvertido – ocultado.

Reafirmo a crença no vazio
da pedra concreta da inação
do tempo: a temporalidade
do minério escavado ao corpo

despreparado, escuto gritos reais
de descobertas: o encoberto jogo
do poder sacralizado ao todo.


http://pedrodubois.blogspot.com/
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