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domingo, 20 de junho de 2010

Versos Juninos (Silmar Bohrer)

Buenas:
Tem tido estado ausente o escriba das arábias, longe das borrascas de junho em Caçador. Saudoso das areias e dos verdes mares, esteve em Itapoá, na Barra do "meu" Saí, o paraíso encantado incrustado no litoral do extremo norte catarina. Céus azuis de brigadeiro. Tardes nebulosas. Ventinhos soprando do mar. Outros ares. A vida palpitando em câmara lenta. A pressa? Ausente das pessoas...
Mas esperem... não fui lá só para matar saudades. É que encontrei nas areias algumas dezenas de versos marinhos, que trouxe na algibeira e na planilha e agora estou a repassar (alguns) aos distintos amigos. São versos pobres, rimas tortas, inspiração marejada, mas têm a marca do poeta escriba-pensador.

VERSOS JUNINOS

A sinfonia dos mares
barulhentos cá da Barra
segue fazendo a farra
em constantes avatares.

Tardes longas hibernais
nas vacarias do mar,
ventos gemem nos beirais
e os mares seguem a marejar.

Na minha estada na praia
sempre busco companhia,
tenho ao lado uma vigia,
minha santa essência gaia.

Cá nesta paz do meu éden
tantas coisas acontecem,
muitas ondas se sucedem,
versinhos doces florescem.

Para manter a boa média
vamos então versejando,
de verso em verso cantando,
que esta vida é uma comédia.

Delícia, ou excelência
os arezinhos da praia,
com eles respiro a gaia
na sua mais pura essência.

Junho outra vez chegando
idade nova vem então,
e os versos permeando
o adorável sessentão.

O sonido cá dos mares
tem efeitos medicinais,
quand'ouço as ondas tais
renovo velhos pensares.

Ventinho. Céus. Avatares.
Águas. Areias. Praia.
Essência. Pureza. Gaia.
Naus. Ondas. Meus mares.

Estrelas andam ausentes
nesta noite toutinegra,
só um ventinho se arregla,
sorrateiro, entrementes.

Oh águas, oh céus, oh mares
deste mundão de meu Zeus,
abrigai os bons pensares
de tantos pensamentos meus.

Nas longas noites marinhas
fico escutando lamúrias,
as ondas batendo, penúrias
parecendo penas minhas.

Nos devaneios na praia
nem tenho buscado versos,
eles aparecem dispersos
disfarçados de essência gaia.

Escutando... escutando
o marulhar destas ondas,
me ponho sempre a indagar,
oh mar, por que tanto rondas ?

Esses ares cá da Barra
bem parecem salutares,
e de tanto os respirares
tu rirás, fazendo farra.

Chuva miúda, miudeza,
nesta noite mais fria,
vasculho com sutileza
algum versinho agonia.

Oh tormentosos mares
agitando noite e dia,
oh ondinhas singulares
espargindo maresia.

Macambúzia, taciturna
esta tarde à beira-mar,
e nem o céu há de mudar
na paisagem liburna.

Tenho tido a pescar rimas
nestas costeiras de mares,
só tenho ouvido sonares
com suas vozes bem finas.

Andam sonando tranquilas
as águas ali na praia,
até mesmo a essência gaia
fica silente a ouvi-las.
/////

quinta-feira, 17 de junho de 2010

O miúdo que não gostava de ler (Pedro Silva)

Havia, há muito tempo atrás (sabe-se lá quanto…), um pequenito chamado Rodolfo que, por incrível que pareça, não gostava muito de ler. Parece um pouco difícil de acreditar, mas tantas letras faziam-lhe alguma confusão.

Por outro lado, na escola, não era nada mau a fazer contas!

O seu irmão, que tinha um feitio completamente diferente, gostava bastante de ler e, certo dia, decidiu fazer alguma coisa para mudar essa forma de ser de Rodolfo. Assim, escreveu-lhe um livro com pequenas histórias que ele pudesse ler, sempre que quisesse, e que fossem fáceis de compreender.

Assim foi.

Em frente da folha de papel, as palavras foram surgindo, algumas mais complicadas que outras, algumas com bastante dificuldade, mas o certo é que o irmão de Rodolfo gostava imenso daquilo que fazia, pois, acima de tudo, esperava que todo o seu esforço fosse devidamente recompensado, isto é, que as histórias fossem lidas e apreciadas com alegria pelo seu irmão.

Mas, no dia em que o livro foi entregue a Rodolfo, este ficou muito contente, riu, saltou, abraçou o irmão, mas… não leu quase nada. O irmão, de tão triste que estava, fechou-se no quarto e chorou.

Afinal de contas, tinha sido tão difícil escrever aquelas histórias e, agora que estava terminado, o seu irmão nem sequer tinha grande interesse em ler.

Rodolfo, arrependido, agarrou no livro e atirou-o para um canto, sentindo-se culpado pela tristeza do irmão. Estava enervado, não com o autor das histórias, mas consigo próprio, porque era tão fácil ler, mas tão difícil escrever e, como tal, custava-lhe que o esforço do seu irmão tivesse sido para nada.

No dia seguinte, na escola, a professora, como sabia que o pequeno Rodolfo não gostava de ler, mandou-o fazer uma conta, enquanto que a todos os outros deu livros para passarem uma hora bem entretidos.

Rodolfo, lembrando-se do que acontecera no dia anterior, não queria fazer contas, mas, isso sim, ler um livro que tinha trazido de casa. Na altura, e como era normal, a sua mala carregava sempre os livros escolares e um outro de banda desenhada, pois tinha mais desenhos que letras.

Convencido que era esse o livro que ali se encontrava, começou a remexer a mala e… eis que encontra as histórias escritas pelo irmão. Escondendo-se de todos os outros, começou a ler o livro.

No fundo, ele tinha alguma vergonha de mostrar a todos as histórias que o seu irmão tinha escrito, temendo que os colegas gozassem com a situação.

Porém, bem enrolado na sua mesa, Rodolfo ia lendo as histórias, uma a uma, acabando por ler tudo o que o irmão tinha escrito. Quando terminou, nem tinha dado pelo tempo passar. Tinha sido tão agradável!

Enquanto que os outros estavam já no recreio a brincar, o André manteve-se firme no seu lugar a olhar para o livro escrito pelo irmão. A professora, espantada por vê-lo ainda na sala de aula, foi falar-lhe, desconfiando que algo não estava bem.

Ela perguntou se Rodolfo estava doente e ele respondeu: “Não, estou a ler este livro”.

- Que bonito! – exclamou a professora. – Mas não o conheço… Onde o compraste?

- Foi o meu irmão que o escreveu para mim. – afirmou Rodolfo, orgulhoso.

A professora, curiosa, pegou no livro e deu uma vista de olhos. Ao ler algumas passagens do texto achou muito engraçado e riu-se com gosto. Virando-se para o pequeno aluno, disse:

- Olha, se deixares, este passa a ser o nosso livro de leituras e para fazer ditados. O que achas?

Rodolfo, alegre com tamanha honra, sentiu-se muito mais orgulhoso no seu irmão e naquilo que ele tinha feito. De pronto, disse que ficaria muito feliz que assim fosse e, logo nessa tarde, o ditado foi feito a partir de uma das histórias daquele livro tão especial.

Quando foi para casa, encontrou o irmão muito triste e, envergonhado do que tinha feito no dia anterior, não conseguiu contar o que sucedera. Mas o primo de ambos, que acompanhava sempre Rodolfo da escola até casa, não conseguiu conter-se e acabou por ser ele a dar a notícia.

Nesse momento, ambos os irmãos correram um para o outro, com a lágrima ao canto do olho.

Num grito de paz e harmonia, só possível entre dois irmãos, Rodolfo disse, sendo prontamente apoiado pelo irmão mais velho:

- Vamos jogar à bola!

E assim foi.
/////