(Quadro de Chico Lopes)
impressionou-lhe a desnovidade que era a vida. até os dezoito anos pensava que cada ano e cada fase deveria ser marcada por músicas de bandas do momento, algumas modas ficariam, outras não, sonhava com o beijo de língua na boca de um namorado que pudesse chamar de seu, enquanto no céu brilhariam fogos de artifício durante a passagem de um velho ano novo. se dela dependesse, seus pais teriam o dom da eternidade, seu mundo de mentira continuaria a ser verdade, e não haveria perigo de andar livremente sem rumo, muito menos de pensar e agir diferente do que lhe impunham sem pudor. e ao mesmo tempo não sabia se a cíclica rosa dos ventos que era a vida lhe daria chances de criar outra oportunidade. sentiu como é fácil fazer das paredes de sua prisão doméstica braços que lhe acolhem num afago, quando tudo o que você mais deseja é se esconder de um medo cultuado feito fé cega. talvez porque todos agiam sincronicamente, previsivelmente camuflados em suas desesperanças, viu-se frágil taça de cristal, que emite belos sons se nela tocam, mas sangra fácil a mão de quem a estilhaça. e o ar-matéria que tudo ocupa sufocou-a como se em profundo mar ela se afogasse, sugada pelo ventre que a quis de volta sem pedir permissão.
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