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sábado, 3 de julho de 2010

Seis livros brasileiros Ou Brasil versus Holanda (Nilto Maciel)



Neste momento, 9 horas e 20 minutos do dia 2 de julho de 2010, milhões de seres humanos se preparam para assistir a mais um espetáculo: um jogo de futebol. Outros menos afortunados leem Kafka. Alguns desses humanos esquisitos ouvem Aran Khachaturian. Dois ou três na Geórgia, porque santo de casa não faz milagre. Ou isso é coisa de brasileiro? Ninguém, no entanto, nenhum ser humano, neste momento, tem diante dos olhos os seis livros que recebi no mês findo. Que impressos serão estes? O Dom Casmurro? Não. A Divina Comédia? Não. Nenhuma peça da biblioteca essencial. São pequenas obras de seis brasileiros: Anderson Braga Horta, Belvedere Bruno, Enéas Athanázio, Lina Tâmega Peixoto, Ronaldo Monte e Whisner Fraga. Quem os conhece? E que importância há nisto, meu caro Nilto? Para a Rede Globo de Televisão nenhuma. Nem para as massas humanas, nem para os poucos leitores de Kafka e os raríssimos ouvintes de Khachaturian. Para mim, no entanto, eles são importantes. Porque leem Kafka, Machado e Dante, ouvem Sibelius, Mascagni e Fucik e me mandam suas publicações.

Anderson é mineiro e mora em Brasília; Belvedere proveio de Niterói e nela reside; Enéas, nascido em Campos Novos, Santa Catarina, vive em Balneário Camboriú; Lina nasceu em Cataguases e habita Brasília; o alagoano Ronaldo está em João Pessoa; o mineiro Whisner se radicou em Ribeirão Preto. Conheço-os há algum tempo. A mais antiga amizade talvez seja a de Enéas, desde os tempos da revista O Saco. A mais recente deve ser a de Belvedere. Ou será a de Ronaldo?

O jogo está para começar. São 10 horas e 40 minutos. Estouram nos ares os fogos de artifício. Tenho fome. Preciso almoçar. Folheio a coleção de Anderson: Signo – antologia metapoética (Brasília: Thesaurus, 2010). São 253 páginas de poesia. Em “Palavras prévias” ele informa: “Divido esta antologia metapoética em quatro partes. Na primeira apresento, em ordem cronológica, os poemas (muitos inéditos) voltados para a linguagem, a palavra, a criação, o canto, a poesia, o poeta (mesmo quando não sejam o núcleo temático).”

Vinho branco (São Paulo: LivroPronto, 2010) marca a estreia de Belvedere. Na apresentação do volume, Ricardo dos Anjos opina: “podemos chamar de prosa poética seus contos e crônicas reunidos neste livro”. E prossegue: “E é justamente em momentos de silêncio que Belvedere parece tecer, entretecer e entristecer seus contos e crônicas que trescalam melancolia difícil de disfarçar, apesar de alguns surtos de alegria.”

A nova obra de Enéas intitula-se Ensaios escoteiros (Balneário Camboriú: Editora Minarete, 2010). Os breves estudos estão agrupados sob os títulos “Estrangeiros”, “Variados”, “Literatura amazônica”, “Nordestinos”, “Mineiros”, “Calmon, o homem e a cidade”, “Crispim Mira”, “Guido Wilmar Sassi”, “Catarinenses” e “Romancistas”.

Prefácio de vida (Rio de Janeiro: Editora da Palavra, 2010) é o título da publicação de Lina. E é dela o pequeno ensaio “Cecília Meireles – estrela e abismo” que antecede os poemas e “deve ser lido como prefácio”. Em nota, a poetisa explica: “Não se pretende trazer à superfície o que está imerso nos poemas, mas abrir a claridade para o entendimento de como as referências a pensamentos, conceituações, ideias, impressões, estados do sentir e viver configuraram, na convivência com Cecília Meireles, as necessárias tensões do ato criador para formar minha linguagem poética”.

O romance de Ronaldo é Memória do fogo (Rio de Janeiro: Objetiva, 2006). Os créditos aparecem na última página, para “ludibriar” o leitor. Os textos das abas e da quarta capa estão na vertical. Rosa Amanda Strausz anuncia: “A prosa de Ronaldo Monte mistura a psicanálise e o catimbó, a filosofia e a tradição oral, o erudito e o popular, numa surpreendente teia de relações. Na Memória do Fogo, tudo arde – a começar pelo olhar do autor, que constrói amorosamente suas personagens, como se todas fizessem parte de uma mesma irmandade.”

Os poemas de Whisner estão reunidos em O livro da carne (Rio de Janeiro: 7Letras, 2010). O poeta, numa apresentação ou confissão, pondera: “Escrevo sobre as incontáveis infâncias que vivi na distante e (agora) irreconhecível Minas Gerais. (...) E creio ter dialogado com tempos imemoriais também, remotos a ponto de não alcançá-los, estejam antes ou depois do eu narrativo e muitas vezes poético.”

Devo deixar dormidos por uns minutos as seis peças. Preciso também ser como os que veem televisão, gritam gol, morrem de emoção. Nem só de literatura vivem os seres esquisitos como eu.

Fortaleza, 2 de julho de 2010.
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sexta-feira, 2 de julho de 2010

Porta (aberta para a poesia) (Tânia Du Bois)

Ao convidar para olhar pela porta, onde a luz escapa, procuro levar o leitor a invadir, encenar, sentir e saborear palavras que representam um palco de detalhes com criatividade, realçando o lirismo e a força da poesia. Abro a porta para espiarmos;

Pedro Du Bois: “Entre portas a entrada é suave /
se o destino sabe do encontro...”;

Lêdo Ivo: “Paredes têm olhos / Portas têm ouvidos.”
“E a vida vai se abrindo / em portas e janelas /
como se fora flor...”
“Onde está a outra porta? // A porta que busquei /
... é esta: aberta para a vida...”

Orides Fontela: “A porta está aberta. // ... Para além do que é humano
o ser se integra / e a porta fica aberta. Inutilmente”.

Mário Chamie: “... nem se espanta / quando abro essa janela ...
e nos renova / se uma porta atrás da outra
se desdobra...”

Nei Duclós: “Eu só preciso de uma coisa: / contar toda a verdade /
e esperar pela resposta // repetir o verso em cada porta”.

Observo que os poemas latejam metáforas da palavra inspiração e que, ao abrir a porta, podemos ver o nascer e a vida obstinada com os poetas.

A porta compõe a nossa vida, resguardando o direito de ir e vir, e deve estar harmonizada, porque nela reside a analogia com a linguagem e com a arte. Escritores, poetas, são responsáveis por essa sinfonia, eles têm ritmo próprio, personalidade exclusiva, como o design de cada porta. Por exemplo, a porta da frente traz a vibração e a alegria do poema, a porta do coração representa uma abertura para os sentimentos e a porta dos fundos reflete o espírito irreverente da criação.

A porta dá passagem para quebrar as regras, reinventar o vocabulário e permitir que autores diversos a apontem como se fosse uma grande estrela. A sensação está em abrir a porta e se deparar com a poesia.

Como Du Bois escreveu, “o poeta pensa que os deuses / não o abandonarão na hora / em que as palavras faltarem...”. E digo, viva a poesia! Sem ela não teríamos a liberdade para atravessar a porta e ouvir Paulinho da Viola, “... Eu até achava inspiração / Quantas vezes eu cantava / Quando não podia nem falar / É que meu violão me ajudava / A trazer esperança / Dentro de um poema”.
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