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sexta-feira, 16 de julho de 2010

Arthur Azevedo resgatado – Adelto Gonçalves (*)

I

Se não têm a transcendência inata da obra-prima que carregam os textos de Machado de Assis (1839-1908), aos contos de Arthur Azevedo (1855-1908) ao menos não se pode acusá-los de terem envelhecido. É o que pode muito bem constatar quem se dispuser a ler Contos de Arthur Azevedo: os “efêmeros” e inéditos (Rio de Janeiro, Editora PUC-Rio/Edições Loyola, 2009), com organização, introdução e notas do pesquisador e professor Mauro Rosso.

Graças ao trabalho de garimpagem de Rosso, o leitor terá logo a surpresa de encontrar um texto inédito, o conto “A viúva”, que Arthur Azevedo enviou ao Correio da Manhã, onde escrevia aos domingos, para concorrer à vaga aberta por si mesmo, devido à decisão da direção do jornal de substituí-lo por outro colaborador. Assinado por pseudônimo, o conto foi publicado. Então, Arthur Azevedo revelou o estratagema à direção, deixando claro que interesses subalternos ou julgamentos equivocados estavam por trás da decisão de defenestrá-lo da redação. Diante disso, Arthur Azevedo pediu demissão, pois agora quem não queria mais escrever no periódico era ele.

Embora injustamente esquecido nos dias de hoje, Arthur Azevedo é um dos melhores e mais profícuos contistas da literatura brasileira de todos os tempos, como observa Mauro Rosso, lembrando que “nenhum outro o sobrepujou na arte de fixar o aspecto ridículo da vida íntima da sociedade de então, principalmente a de certos círculos da classe média do Rio de Janeiro”.

Ao seu tempo, o panorama literário era dominado por nomes como Machado de Assis, Coelho Neto (1864-1934), Raul Pompéia (1863-1895) e seu irmão Aluísio Azevedo (1857-1913), mas quem gozava mesmo de popularidade era Arthur Azevedo. É provável que seus contos tenham sido até mais lidos que os de Machado de Assis.

II

Embora tenha sido considerado depois de sua morte um autor menor, superficial, fútil e vulgar, esse é julgamento que não se justifica e que pode estar ligado à antipatia que colhera entre seus contemporâneos, talvez por ter sido um florianista intransigente, que via no marechal Floriano Peixoto (1839-1895), apesar de seu autoritarismo e despotismo, a preservação do ideário republicano que havia nascido das casernas. Um deles teria sido Ubaldino do Amaral (1842-1920), advogado, jurista, senador e literato de certo renome ao seu tempo. Cronista, teatrólogo e poeta, Arthur Azevedo sempre foi homem de opinião formada e, por isso, teve alguns problemas com a censura policial da época, que lhe vetou algumas peças.

Antiescravagista de primeira hora, publicou muitos artigos e crônicas defendendo o fim do iníquo regime que envergonhava o Brasil diante do mundo civilizado. E uma de suas peças “A família Salazar”, escrita seis anos antes da abolição de escravatura, foi vetada pela censura imperial.

III

De um lado, este livro reproduz integralmente a edição original da obra Arthur Azevedo: contos efêmeros (Rio de Janeiro, Typographia C.R.C., 1897), de outro traz contos publicados originalmente em periódicos, recolhidos e reproduzidos por Mauro Rosso a partir de suas fontes primárias indicadas em cada um dos textos.

Além de uma breve cronologia da vida e obra do autor, a obra traz notas que muito ajudam o leitor a contextualizar fatos e localizar logradouros que hoje não mais existem ou que tenham tido seus nomes trocados. Se há algum reparo a fazer nesta edição primorosa é um cochilo que se constata na primeira nota para o conto “A dívida” e que se refere à rua de São José, que é tomada pela famosa via carioca na Esplanada do Castelo, quando pelo texto se vê que o autor se refere à rua de São José em São Paulo, onde viviam num quarto alugado Montenegro e Veloso, os personagens principais, ao tempo em que cursavam a Faculdade de Direito do Largo de São Francisco.

Nos contos de Arthur Azevedo, como bem observa Mauro Rosso, a mulher, protagonista marcante, é desenhada ora com traços carinhosos e afáveis, ora desprovida de escrúpulos, capaz de qualquer coisa para satisfazer seus desejos fúteis, como aquela personagem de “O Tinoco” que, embora casada, apaixona-se por um toureiro e vive a imaginá-lo em seus braços a ponto de confundi-lo com um ocasional passageiro de bonde, descobrindo o logro só depois de ir com ele a um hotel suspeito.

É verdade que não se pode acusar Arthur Azevedo de machista ou outro adjetivo que acabaria por nos levar ao anacronismo, ao julgar-se com os olhos de hoje uma sociedade que já não existe, até porque o autor trata da infidelidade e o adultério de maneira igualitária entre homens e mulheres. Em todos os casos, o que se sobressai é o ridículo da situação.

Se até hoje Arthur Azevedo não tem recebido o justo reconhecimento que sua ficção mereceria, é de imaginar que a partir deste trabalho de arqueologia literária de Mauro Rosso sua importância seja finalmente resgatada. E que os autores de antologias dos melhores contos brasileiros de todos os tempos não se limitem a reproduzir conceitos que foram elaborados há muito e que acabam consagrados porque quase ninguém vai conferir nas fontes primárias o real valor de certos escritores. Foi o que fez Mauro Rosso que, dessa maneira, ajuda a Literatura Brasileira a redescobrir um de seus grandes autores que estava submerso, vítima da incompreensão de alguns críticos.

IV

Pesquisador, ensaísta e escritor, Mauro Rosso é autor de Uma proposta para a prática pedagógica (2002); São Paulo, a cidade literária (2004), Cinco minutos e A Viuvinha, de José de Alencar: edição comentada (2005). Colaborou em Machado de Assis e a economia (organização de Gustavo Franco, 2007) e preparou a antologia Machado de Assis e a política: crônicas (Senado Federal).

Pelas editoras PUC-Rio/Edições Loyola, publicou em 2008 Contos de Machado de Assis: relicários e raisonnés e prepara para publicação os seguintes textos: Escritos poéticos de Euclides da Cunha; Os contos argelinos e outros textos recuperados de Lima Barreto; Queda que as mulheres têm para os tolos: Machado de Assis, o subterfúgio, o feminino, a transcendência literária; e Gazeta de Holanda: os versiprosa de Machado de Assis.

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CONTOS DE ARTHUR AZEVEDO: OS “EFÊMEROS” E INÉDITOS, de Mauro Rosso (organização, introdução e notas). Rio de Janeiro: Editora PUC-Rio/Edições Loyola, 275 págs., 2009. E-mail: edpucrio@puc-rio.br editorial@loyola.com.br
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(*) Adelto Gonçalves é doutor em Literatura Portuguesa pela Universidade de São Paulo e autor de Gonzaga, um Poeta do Iluminismo (Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1999), Barcelona Brasileira (Lisboa, Nova Arrancada, 1999; São Paulo, Publisher Brasil, 2002) e Bocage – o Perfil Perdido (Lisboa, Caminho, 2003). E-mail: marilizadelto@uol.com.br
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quinta-feira, 15 de julho de 2010

No outro dia (Ronaldo Monte)

(Arte de Chico Lopes)

Acordar de manhã e sentir a casa vazia. Como um viúvo. Um deixado pela mulher. Ainda ontem a sala estava cheia. Um ar denso de esperança dificultava a respiração. Como das outras vezes, a cerveja estava gelada, os petiscos davam água na boca, a cachacinha botava ordem nos nervos. Obedecendo ordens da minha mulher, já havia pedido desculpas antecipadas aos convidados menos íntimos pelos palavrões que viriam a ser emitidos nas próximas duas horas por mim e meu irmão.

As previsões de todos os entendidos garantiam uma vitória certa. Não havia com o que se preocupar. Os primeiros 45 minutos deram a certeza de que a sala explodiria de alegria dali a pouco. Bebemos e comemos, todos, com um vasto sorriso nos lábios.

Aí, veio o segundo tempo. Aí o tempo fechou. A impressão que me deu é que um bando de zumbis tomou o corpo dos nossos jogadores. Claro que não eram eles que estavam em campo. Pelo menos não eram os mesmos do primeiro tempo.

A sala já não era a mesma do primeiro tempo. Olhares aflitos, expressões de desespero, impotentes impropérios lançados sem alvo definido. Depois, o gosto amargo do almoço engolido por obrigação, grossos goles de cerveja empurrando o feijão goela abaixo. Quase intocada a enorme travessa de macarronada feita para os vencedores famintos.

Acordar de manhã e dar de cara com cenário da derrota. A sala vazia, a solidão da bandeira sobre a pequena mesa colocada em lugar estratégico de frente para a televisão de LCD comprada a prestação só para ver a copa.

Acordar de manhã e ter certeza de que uma copa não é tão importante assim. O Brasil está aí, às vésperas das eleições. O mundo está aí, às vésperas de uma nova convulsão. Todos nós estamos aí, como bons brasileiros, prontos para exercer a nossa eterna profissão: a esperança.

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