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quinta-feira, 21 de outubro de 2010

Pão com ovo (Simone Pessoa)



O auditório estava lotado na véspera do Dia das Crianças. Dirigindo-se à meninada, a mestra de cerimônias então pediu voluntários para subir ao palco e revelar ao microfone a coisa de que mais gostavam.

Rapidamente uma fila de meninos e meninas se formou em frente ao púlpito. Vídeogame, gritou o primeiro. Tevê, exclamou o segundo. Futebol, emplacou outro. Internet, declarou uma garota. Uma menina magrinha, que parecia tímida, então gritou: pão com ovo!

A risadaria foi geral. Eu que estava assistindo, assim como os demais adultos, também ri. A menininha esboçou um sorriso sem graça, pois não entendeu o motivo da comoção.

Todos rimos da autenticidade da declaração da menina. Assumir algo tão simples e banal como o suprassumo do prazer só poderia culminar com risadas e das boas! Tanta coisa sofisticada, moderna, tecnológica para se declarar e aparece uma pirralha para mencionar pão com ovo no mesmo patamar! Um absurdo! Daí porque hilariante...

O irônico é que rimos da menina, mas no íntimo estávamos rindo de nós mesmos, porque, afinal, todos nós adoramos pão com ovo. Só não tínhamos coragem de declarar assim altissonante como a menina magrinha o fez. Quando nos expomos em público, preferimos revelar nossos requintes, coisas que julgamos chiques. Se for adulto então, o tema gira em torno de vinhos, queijos, filmes, equipamentos, computadores de última geração, viagens, restaurantes. Enfim, no geral, queremos impressionar os outros exibindo nossos gostos diferenciados, de preferência exclusivos – se é que hoje existe algo exclusivo.

Mas, diante da declaração da menininha pelo pão com ovo, me vieram à mente coisas maravilhosas e simples que são acessíveis à maioria das pessoas: conversa com amigos, sorvete, chegadinho, pipoca, tapioca com manteiga, sol de manhã cedo, sesta, praia, brisa no final da tarde, rapadura, frango assado, papai e mamãe.

Enquanto isso, nos charmosos restaurantes e cafés parisienses, os franceses, conhecidos pela requintada cozinha, não deixam faltar no menu o seu “croque-madame”, que é basicamente uma fatia de pão com ovo.
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Chover (Pedro Du Bois)



Sou a sede

a fome

a garra com que o pássaro

retira d’água o peixe

que se oferece

em superfícies


na profundeza

o abismo se fecha

na escuridão do tempo

naufragado


minha fome se completa

minha sede busca a gota

terminal dos ares.


http://pedrodubois.blogspot.com/
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