Translate

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Ao que nos uniu (Inocêncio de Melo Filho)


Um livro nos uniu

Que não nos separe as páginas amareladas

Um livro nos uniu

Que não nos separe os espirros alérgicos

Um livro nos uniu

Que não nos separe as brochuras

Que se avolumam pela casa

Um livro nos uniu

Que não nos separe os antagonistas

Dessa trama

Um livro nos uniu

Que não separe a solidão

Das personagens dessas histórias

Um livro nos uniu

Que nada nos separe

Amém...
/////

domingo, 14 de novembro de 2010

Considerações sobre miniconto

(De uma carta de Wilson Gorj a Nilto Maciel)



Alcançar um bom nível literário é sempre difícil. No miniconto, principalmente. [...] A meu ver, os microcontos devem ter personagens sem nomes próprios (a menos que o nome contribua de alguma forma para o significado do texto). Um nome próprio tem um peso que o miniconto não suporta, pois traz consigo identidade e personalidade. Aos personagens dos minicontos, quase sempre, isso é dispensável, haja vista o seu parentesco com as fábulas e, destacadamente, as parábolas. Como nestas, os personagens ficam melhor quando genéricos (o soldado, a viúva, o corno, o filho pródigo) ou, ainda, quando são indefinidos. Ex.: “Achou uma caneta na rua”. Perceba que assim o leitor é absorvido imediatamente pela frase. Dá-lhe a impressão de que é ele quem achou a caneta; de certo modo é como se o leitor se sentisse o personagem da história. A identificação é imediata, instantânea. Diferentemente de quando o personagem é apresentado com um nome próprio. Cria-se certo distanciamento – distância que um romance ou mesmo um conto tratam de eliminar no desenrolar da história. O miniconto não dispõe do mesmo tempo. Por ser muito curto, nele o envolvimento precisa ser imediato, a entrega, instantânea. Tanto defendo este ponto de vista, que meus minicontos raramente possuem personagens com nomes próprios. É por isso que me considero um escritor de situações, não de personagens. Um minicontista está mais para Esopo e Gibran do que para Flaubert e Dostoievski. Se comparássemos os artistas da palavra com os da imagem, o romancista estaria para o cineasta; o contista, para o produtor de curtas, e o minicontista, para o fotógrafo. Nesta linha de raciocínio, os minicontos seriam flashes do cotidiano, enquadramentos ou registros de certas situações.

Outra ideia que me ocorre a respeito do miniconto é que talvez este seja dos gêneros o mais literário. Nisto se parece muito com a poesia. Por quê? Um bom miniconto só se realiza por meio de uma acertada disposição de palavras muito bem escolhidas. Não conseguimos contá-lo de outra forma, sob o risco de perder a sua essência (é aí que se difere da piada); portanto, não há como migrá-lo para outra linguagem, como a do cinema, por exemplo, que é bem viável aos romances. Os minicontos (nem todos, claro) nos encantam não só pelo que contam (ou menos por isso, até) mas muito mais pela forma como contam seus enredos e situações.
/////