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sábado, 20 de novembro de 2010

Conversa com Caio Porfírio Carneiro (Parte 1)

Nilto Maciel
(Caio Porfírio Carneiro)


Entre os dias 18 e 28 de outubro de 2010, conversei com Caio Porfírio Carneiro. De longe: eu em Fortaleza, ele em São Paulo. Não por telefone, mas por e-mail. Um escritor não pode ser entrevistado por jornalista, que quer informações. Escritor não dá informações. E, se as der, não as dará como as querem os jornalistas. A não ser que sejam informações para biografia. No entanto, minha intenção não é escrever biografia. Nem de Caio nem de outro escritor. Minha intenção é cutucar o entrevistado. Desnudá-lo, expô-lo como ser humano, como inventor, criador. Dizem que ficcionista (escritor, cineasta, compositor, pintor, etc.) não copia a realidade, por mais realista que seja. Caio é um realista. Mas também naturalista, surrealista, fantástico.


Caio Porfírio (de Castro) Carneiro nasceu a 1º de julho de 1928, em Fortaleza, Ceará. Dedicou-se muito moço ao jornalismo, na terra natal. Bacharelou-se em Geografia e História pela Faculdade de Filosofia de Fortaleza. Transferiu-se para São Paulo em 1955. Desde 1963 é secretário administrativo da União Brasileira de Escritores de São Paulo. Assinou a apresentação de dezenas de obras, dos mais diversos gêneros Alguns dos seus livros alcançaram várias edições. O romance O Sal da Terra foi traduzido para o italiano e árabe e adaptado em roteiro técnico para o cinema. Contos seus estão incluídos em duas dezenas de antologias do gênero e traduzidos para o espanhol, italiano, alemão e inglês. Caio foi agraciado, em 1968, com o Prêmio Afonso Arinos pela coleção Os Meninos e o Agreste. O livro de contos O Casarão recebeu, em 1975, o Prêmio Jabuti, da Câmara Brasileira do Livro, e segundo colocado no Prêmio Governador do Estado de São Paulo. Menção Honrosa do Pen Clube de São Paulo.

Obras publicadas:
Trapiá (contos), Ed. Francisco Alves, Rio, 1961. Mais quatro edições posteriores: Coleção Saraiva, São Paulo; Editora Cátedra, Rio de Janeiro; Ribeirão Gráfica Editora, Franca, SP e Editora da Universidade do Ceará. O conto “O Padrinho” foi traduzido para o alemão e o “Come-gato” adaptado para a televisão.

Bala de Rifle (novela policial), em capítulos no jornal Última Hora, SP, 1963. Não levada ao livro.

O Sal da Terra (romance), Ed. Civilização Brasileira, Rio, 1965. Mais duas edições pela Editora Ática, São Paulo e uma pela LetraSelvagem. Traduzido para o italiano e árabe. Adaptado em roteiro técnico para o cinema.

Os Meninos e o Agreste (contos), Ed. Quatro Artes, SP, 1969; 2ª edição pela mesma editora, em convênio com o Instituto Nacional do Livro. Prêmio Afonso Arinos, da Academia Brasileira de Letras. Menção Honrosa do Prêmio Governador do Estado de São Paulo.

Uma Luz no Sertão (romance-reportagem), Editora Clube do Livro, SP, 1973; 2ª edição, Editora Claridade, São Paulo, 2007.

O Casarão (contos), Ed. do Escritor, SP, 1975. Prêmio Jabuti, da Câmara Brasileira do Livro, S. Paulo. Menção Honrosa do Pen Clube de São Paulo.

Chuva – Os dez cavaleiros (contos), Ed. Hucitec, SP, 1977. Adaptado em roteiro técnico para o cinema.

O Contra-Espelho (contos), Traço Editora, SP, 1981.

10 Contos Escolhidos, Coleção 10 Contos - Ed. Horizonte, Brasília, 1983, em convênio com o Instituto Nacional do Livro.

Viagem sem Volta (contos), Ed. Seiva, SP, 1985.

Quando o Sertão Virou Mar... (Lit. Juvenil), Cia. Ed. Nacional, SP, 1986.

A Oportunidade (novela), Ed. Mercado Aberto, P. Alegre, 1986.

Profissão: Esperança (Lit. Juvenil), Ed. do Brasil, SP, 1986.

Da terra para o mar, do mar para a terra (Lit. Juvenil), Ed. FTD, SP, 1987. Várias edições.

Três Caminhos (novela), Ed. FTD, SP, 1988. Várias edições.

Dias sem Sol (novela), Ed. Illa Palma - S. Paulo/Palermo, Itália, 1988.

Rastro Impreciso (poesias), Ed. Scortecci, SP, 1988.

Os Dedos e os Dados (contos), Ed. Pontes, Campinas, S. Paulo, 1989.

Primeira Peregrinação (reminiscências), Ed. Scortecci, SP, 1994.

A Partida e a Chegada (contos e narrativas), Ed. Toda Prosa, SP, 1995.

Cajueiro sem Sombra (Lit. juvenil), Ed. Saraiva, SP, 1997. Várias edições.

Mesa de Bar (quase diário), Ed. Toda Prosa, SP, 1997.

Contagem Progressiva (memórias), Universidade Federal do Ceará, 1998.

Perfis de Memoráveis (autores brasileiros que não alcançaram o terceiro milênio), RG Editores, SP, 2002.

Uma Nova Esperança (Lit. Juvenil), Editora Nativa, (em parceria com Maria José Viana e Paulo Veiga), SP, 2002.

Maiores e Menores (contos), Alpharrábio Edições, Santo André, SP, 2003.

A Vocação Nacional da UBE – 62 Anos (histórico da UBE desde a sua fundação), em parceria com J. B. Sayeg, RG Editores, SP, 2004.

Gramíneas (miscelânea literária), Ed. Scortecci, SP, 2006.

Respingos de uma viagem (opúsculo literário), SP, 2008.

O copo azul (contos), Ed. Scortecci, SP, 2009

***

Nilto Maciel – Por que você continua escrevendo, se as editoras brasileiras não investem em escritores brasileiros, se a grande maioria dos livros publicados no Brasil por brasileiros (em pequenas edições de 100, 200, 500 exemplares) é distribuída apenas a "amigos e parentes"? Como anda o seu desânimo resultante disso? Ou você não vê assim?

Caio – Escrevo por uma necessidade imperiosa que trago comigo desde que me conheço nas Letras, desde os primeiros rascunhos que escrevi, publicados ou não. Antes do meu primeiro livro – Trapiá (de contos) – eu já escrevia muito para mim mesmo e para o fundo das minhas gavetas. Com um detalhe: nunca rasguei nada que escrevi. Tenho comigo uma tonelada de tolices, com algumas coisas razoáveis no meio. Claro que a publicação é fundamental, mas não é tudo. Talvez venha das minhas raízes. O meu avô materno, muito culto, era primo do escritor Adolfo Caminha. O meu pai foi um intelectual frustrado porque nunca publicou nada, mas era amigo de escritores da época, inclusive do poeta Antônio Sales, que conheci pessoalmente. Ele já velho e eu menino. Creio que não conseguiria viver sem escrever. Creio que se dá o mesmo com quem pinta, compõe, esculpe... Fazer o quê? Com editora ou sem editora, com a velocidade dos vôos da internet, sem sabermos onde vamos parar, só existe um caminho: continuar fazendo o que se trouxe do berço: escrever e escrever.


NM – Se escrever é uma necessidade quase fisiológica, você não vê a arte ou a obra de arte como uma "coisa do espírito"? O fazer é o espírito? Ou a alma, como querem outros? É possível "fazer arte" sem realizar obra de arte? Numa sequência: "necessidade imperiosa" ou fisiológica, criação/realização da obra, a obra feita, a fruição da obra (leitura). É assim?

Caio – Como afirmei anteriormente, escrever é uma necessidade imperiosa aos que possuem sensibilidade e ímpeto de "criar", não importa se com bons resultados ou não. O homem da pré-história traduzia isto através das belezas rupestres. Há os que não escrevem nada, ou só escrevem o necessário, e vivem bem. Refiro-me aos que, por dom ou castigo, trazem isto do berço. O ótimo compositor popular Ataulfo Alves costumava dizer que a Arte, para ele, estava em tudo, até no ato de calçar os sapatos. Quem escreve, sentindo por este lado, é, como afirma o escritor Rodolfo Konder, "ele e seus demônios." Creio que para uma pergunta como esta não há, conforme disse, uma resposta plausível e completa. É o homem tentando somar alguma coisa ao imediato e palpável. Ou, como dizia o escritor Lúcio Cardoso, a eterna luta contra a morte. Perguntaram a Picasso, ele já no fim da vida, famosíssimo, o que era Arte, e ele respondeu: "Se eu soubesse o que é Arte eu não diria para ninguém." Creio que é a busca de alguma coisa que se some àquilo que se vê, sente-se etc. É uma espécie de libertação dos demônios referidos. É o instinto de perpetuar-se para além do sopro da vida passageira. Na verdade, não visualizamos bem o que isto seja. E, talvez por isso, tentamos... tentamos... tentamos...

(continua)

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Pintar também é escrever (Tânia Du Bois)


Os poetas produzem belos poemas, mostrando as ¨belas cores¨ que o mundo tem. Algumas palavras adquirem poder imaginário, como a arte de pintar, que também é escrever, que contamina o pensamento e traduz em imagens, cores, ideias e em ideais da sociedade. Posso imaginá-la na sua poética, pois, “um pintor de talento é sempre um escritor”, como disse P. M. Bardi e como demonstra Pedro Du Bois, em seu poema:

“colorir palavras telas foscas / espremer textos com bisnagas /

jorrar tinta jorrar letras // fazer estrofes murais cimentados /

rasgar papel em lápis espátulas / colocar em viés ideias literárias //

... // espatular versos ziguezaguear temas / fechar cadernos cobrir telas /

esperar o tempo certo / para que sequem”.

Os artistas plásticos possuem a forma velada de cores que se incorpora num jogo de formas oriundas da cor que cria ritmo. Como disse Paul Klee (1879/1940), “A cor me possui não preciso conquistá-la. Somos uma só”. Ele conciliava arte e música, pois no seu ateliê, no lugar das telas, partituras; transformava a palavra e o gesto. Segundo Klee, a função da imagem é exprimir um sentido, como vemos em Murilo Mendes,

“Qual a forma do poeta? / Qual o seu rito? / Qual sua arquitetura?”

Pintar é conhecimento e, quando revelado, o segredo das formas nos é imposto na condição de observador, para que o espírito e a inteligência se relacionem na sua leitura.

A arte tem servido para ilustrar essas ideias e entender mundos mais inatingíveis. Mas é a leitura cuidadosa e penetrante que vai tentar dizer algo da impressão que a mesma produz a partir do que "lemos" ao vê-la. Ela também nos enriquece culturalmente, revelando os sentimentos, os comportamentos e os valores: o que é visto, sentido e discutido.

Pintar também é escrever, por vezes gera inquietação, chega a uma realidade que faz do artista um criador com sensibilidade para exprimir em palavras, traduzir as cores e formas.

“Ela é uma flor. / Como pode? / Não tem a beleza, a suavidade,

nem / mesmo a cor. / Como pode? / Não se chama Rosa,

Margarida, ou Hortência. / Serão os espinhos? / A amargura,

o ressentimento, o desdém, o tempo fixou. / Se nem mesmo

a essência, / como pode? / Ela é uma flor. / A linguagem

a transformou”. (Benedito Cesar Silva)
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