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sábado, 27 de novembro de 2010

A cidade das casas abertas (Ádlei Carvalho)

http://adleicarvalho.blogspot.com/




Era uma rua torta

Que eu varava ligeiro

Atrás das andorinhas

E toda a gente assistia

Das poltronas e varandas

Porque naquela cidade

As portas e as janelas

Passavam os dias abertas

E só se fechavam à noite

Por causa dos pernilongos.



Nada naquele lugar

Oferecia perigo

A não ser o de criar

No espírito aprendiz

A ingênua fantasia

De um mundo sem paredes

E corações sem tramelas

Repletos de ruas tortas

E bandos de passarinhos.


(À cidade de Ferros - MG)
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sexta-feira, 26 de novembro de 2010

A última revolta de Jesus Cristo (Rogers Silva)

(baseado numa história que tudo indica ser real)



Para Sinvaldo Jr,
que sempre achou que Jesus deveria ter morrido por algo melhor.

Doía, muito doía, e não havia nada que pudesse fazer para estancar o sangue, que escorria. A impotência doía. Doía e não enxergavam, não viam – ou não queriam ver? Doía e não era dor pouca, pois em todos os momentos se vira sozinho, todos desapareciam, sua única companhia era o desgosto, era. As aves no céu voavam indiferentes. E doía. Agora percebia enfim que doía, e não só percebia como sentia agora todas as dores passadas, agora. A solidão. A ausência machucava, doía. A ferida aberta, e os vermes vindouros. As mãos doíam, e muito. As pernas doíam, e muito. O tronco doía, muito. A flechada, os cuspes, a coroa, os espinhos – tudo doía. Os sarcasmos feriam, e doía. Os risos. Os socos tão-somente nesse instante sentia, e doíam, como socos dados em vão, porque em vão foram. Apenas serviram para aumentar a dor. A hostilidade. Valeria o sacrifício, valeria? O sol quente. O céu claro. A vontade de urinar doía. Os rins doíam, sobretudo. O suor que sujo escorria. O sal. O fel. O mau hálito.