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domingo, 28 de novembro de 2010

O Manual de Bruxaria de Eduardo Luz (Nilto Maciel)



Sob o título Manual de Bruxaria: Introdução à obra crítica de Machado de Assis (Fortaleza: Imprece, 2008), Eduardo Luz publicou sua dissertação de Mestrado em Letras, defendida em 1993, na Universidade Federal do Ceará. Algumas alterações em relação à monografia apresentada à banca examinadora e que se intitulava Manual de Bruxaria: atualidade da crítica em Machado de Assis. O livro tem apresentação do professor, ensaísta e poeta Linhares Filho, orientador na referida banca: “Um estudo atual da crítica machadiana”. Seguem-se a “Introdução”, os capítulos “Contre (o biografismo de) Sainte-Beuve”, “Machado: Aristotélico?”, “Crítica e civilização: Câmbio de luzes”, “O ‘sentimento íntimo’” e “O interescritor (na criação e na crítica)”, e a “Conclusão”.

Eduardo Luz chama Machado de Assis de “racionalista infatigável”. No capítulo I, – colhido de Contre Sainte-Beuve, de Marcel Proust – refere-se ao conhecimento da obra do crítico francês pelo brasileiro. É de 1879 o ensaio machadiano “A nova geração”, no qual faz referências ao autor de Volupté. Eduardo observa: “Quanto a Machado, ele jamais confundiu o “eu social” e o “eu criador”; sabia que o essencial de uma obra não coincidia com o temperamento de seu autor, tal como ele se manifesta na vida social. Distinguia autor (função social e extralinguística) e narrador (função puramente linguística)”.

Uma das peças críticas mais conhecidas do criador de Capitu talvez seja a análise de O primo Basílio, de Eça de Queiroz. E é a partir dela que Eduardo Luz constrói o capítulo II: “O que importava saber ao crítico Machado de Assis era a ‘qualidade irredutível’ da obra. Jamais recusou contribuições esclarecedoras; interessavam-lhe os laços que uniam o autor a seu tempo, as ligações da obra com a vida política, social, as influências remotas ou próximas...” (...) “Criticar, tendo por meta a perfeição, implicava, porém, olhar essencialmente as obras literárias em função de sua beleza, de sua inteligência”. O professor se refere também ao ensaio do Mestre “O ideal do crítico” e transcreve isto: “Não compreendo o crítico sem consciência. A ciência e a consciência, eis as duas condições principais para exercer a crítica”. E o defende assim: “Machado jamais atacou os autores”.

Eduardo Luz examina cuidadosamente uma a uma as obras críticas do velho romancista. No capítulo III da dissertação se debruça sobre algumas delas e tira conclusões lapidares: “Reprovador de extremismos, Machado de Assis também prevenia os novos poetas de outro grave risco: ‘o de cair na poesia científica’”. Ou esta: “Tendo recusado o biografismo à maneira de Sainte-Beuve, negado com vigor o determinismo crítico de Taine, rejeitado o impressionismo (tal como o concebia Lemaitre), Machado de Assis deve ser visto como um precursor da crítica que pensa a obra como criação de linguagem”.

O capítulo IV faz uma conexão de Machado com o pensamento literário brasileiro do século XX de Afrânio Coutinho, Antonio Candido e Wilson Martins e outros. E mostra como o Bruxo andava muito à frente da maioria: “Em 1858, aos 19 anos, Machado já distinguia perfeitamente autonomia política de autonomia literária”. Em “Instinto de nacionalidade”, de 1873, apontava: “O que se deve exigir do escritor, antes de tudo, é certo sentimento íntimo, que o torne homem do seu tempo e do seu país, ainda quando trate de assuntos remotos no tempo e no espaço”.

Na última parte do volume, Eduardo Luz baralha o criador de romances e contos singulares ao crítico literário plural. E se mostra orgulhoso, como brasileiro, de termos um “escritor de uma literatura supostamente periférica” que se apropriava “de modelos tomados à cultura dominante, transgredindo-os”. E acrescenta ao seu pensamento: “Para o crítico Machado de Assis, o conceito de originalidade era relativizado na medida em que via a literatura como uma atividade tradutora permanente, como operação intertextual generalizada”. Remete-nos a Borges, ao seu genial “Pierre Menard, autor del Quijote”, para mostrar a sapiência do Bruxo: “Estamos, portanto, diante de uma concepção que prega a co-existência de obras, não a sucessão”. E no axioma: “a arte não progride; ela muda, transforma-se”. (Ambas as frases são de Eduardo, que assim encerra o capítulo da interescritura: “Hoje, escrever é cada vez mais reescrever, remastigar. Valéry já pregava que le lion est fait de mouton assimilé. Antes dele, todavia, o nosso antropofágico Machado já decretava em Esaú e Jacó: O leitor atento, verdadeiramente ruminante, tem quatro estômagos no cérebro, e por eles faz passar e repassar os atos e os fatos, até que deduz a verdade, que estava, ou parecia estar escondida”).

Manual de bruxaria: Introdução à obra crítica de Machado de Assis, do carioca-cearense Eduardo Luz, é fundamental para quem lê Machado, para quem lê e estuda literatura ou para o leitor que gosta de bons estudos e linguagem simples (não acadêmica).

Fortaleza, 26 de novembro de 2010.
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sábado, 27 de novembro de 2010

Mário da Silveira em edição fac-similar


Edição fac-similar de Coroa de Rosas e de Espinhos, de Mário da Silveira, poeta precursor do Modernismo no Ceará. Livro póstumo, composto também da homenagem de amigos como Mário Linhares, Sales Campos, Gastão Justa e Sidney Netto. Compõem o volume No Silêncio da Noite (fragmentos), publicado em 1916, e "A Eterna Emotividade Helênica", conferência proferida por ele na Casa de Juvenal Galeno, em 1919. Nesta 2ª edição, de 126 páginas, patrocinada pela Secretaria da Cultura do Estado do Ceará (Secult), coordenação editorial a cargo de Raymundo Netto, há um “Estudo Introdutório”, de Tito Barros Leal; o “Prefácio à primeira edição”, de Antônio Sales; e um “Apêndice”, ensaio de Edigar de Alencar.


Mário da Silveira nasceu em Fortaleza, Ceará, em 17 de setembro de 1899. Filho de Raimundo da Silveira Gomes e Teodolinda Matos da Silveira, estudou nos colégios Nossa Senhora do Carmo e no Instituto de Humanidades. Grande leitor de clássicos, erudito e precoce, publicou, em 1916, No Silêncio da Noite: fragmentos (de um de seus poemas) pela Tipografia de Irmãos Jatahy. Em 1919 realizou a conferência "A Eterna Emotividade Helênica", na programação da Casa de Juvenal Galeno. Em breve passagem pelo Rio de Janeiro, trabalhou como secretário de João do Rio, em A Pátria, cultivando amizade com Raul de Leoni e Ronald de Carvalho. Em 1920/21, bem antes da Semana de Arte Moderna em São Paulo e da chegada, às livrarias, de Luz Mediterrânea, de Raul de Leoni, escreveu o inquietante poema “Laus Purissimae”, composto não somente de versos polimétricos, mas de versos livres, o que o credencia como legítimo precursor da corrente modernista no Ceará. Em 1921 retornou a Fortaleza e, neste ano, na noite de 22 de julho, com pouco mais de 21 anos, foi alvejado por cinco tiros, na Praça do Ferreira, o “coração da cidade”. Coroa de Rosas e de Espinhos foi publicado (1ª edição) por amigos e admiradores, após a sua morte, numa tiragem de apenas 500 exemplares.
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