Translate

segunda-feira, 29 de novembro de 2010

José Alcides Pinto (Re)descoberto (Inocêncio de Melo Filho)

(José Alcides Pinto)

José Alcides Pinto é uma das vozes mais intensas da poesia cearense. Se fosse o caso de determinarmos uma tríade literária, ele não seria excluído. É neste contexto de significação e representação da arte alcidiana que as edições G.R.D, fizeram chegar às livrarias Poemas Escolhidos II (2006), possibilitando, assim, um segundo encontro dos leitores com o autor e sua obra. Quem ainda não o leu poderá ter o prazer de descobri-lo e fazer deste vate um dos seus diletos.

É vasta a poética de José Alcides Pinto. Estas duas antologias volumosas comprovam isto. Poética vasta e forte, consegue representar o homem e suas circunstâncias, fazendo-se discurso universal, consciente do humanismo e da fúria que lhe é peculiar.

Uma poesia desta natureza poderia ser vertida com sucesso para o inglês, francês, espanhol... Seria lida e apreciada, faria parte dos destinos de outros mortais, guiaria os seus sentimentos. Falta-lhe editores e tradutores que façam a poesia de José Alcides Pinto alcançar todas as esferas do planeta. Mesmo assim, sua poesia concretiza o cosmopolitismo a partir da linguagem.

A poesia alcidiana caminha com os próprios pés, ou seja, contém linguagem própria. É livre como as águas e o vento, não tem amarras. Libertou o poeta e liberta quem dela se aproxima e se deixa possuir. Estamos diante de uma poesia surpreendente e insubmissa.

O efêmero e o transitório indicando passagem do tempo pela existência transubstanciando os seres e as coisas na natureza é uma constante na poesia de José Alcides Pinto, para nos conscientizar de que fomos feitos para a morte e viver significa um aprendizado necessário que nos servirá até para acolhermos com tolerância “a indesejável das gentes”.

Esta edição, que traz o titulo de Poemas Escolhidos II, traduz a vitória e a resistência da poesia que sobrevive em reduzidos espaços. Ela nem sempre se destaca na livrarias e nas vidas dos leitores. O que pode transfigurar esta realidade? Os avanços educacionais e sociais que permitirão aos homens reais vivências poéticas.

Segundo Nelly Novaes Coelho “a obra alcidiana é um universo – em – processo, visceralmente arraigado na poesia (mesmo quando se manifesta em prosa)”. A avaliação da escritora é acertada, pois o conto, o romance, o teatro e a crítica literária são extensões da sua poética que exigiu outros gêneros literários para reiterar sua existência.

A morte, o erotismo, o misticismo e as marcas surrealistas caracterizam a poesia de José Alcides Pinto. Estas características não se isentam do corpo da sua poética e a morte por ser uma das mais intensas se desvela num plano sagrado quando diz ser o outro rumo da vida e profana por admitir ser a “serva de Satã”.

Além do lirismo amoroso se expressa fortemente o lirismo social na poesia de José Alcides Pinto, nos convencendo de que o poeta é sempre um crítico da sociedade, mesmo que sua escritura não ponha os homens frente a frente, fazendo-os refletir para que novos atos e sentimentos sejam edificados. A arte alcidiana “denuncia a exploração do homem pelo homem, a injustiça social...” É desta forma que a literatura anuncia sua utilidade, despertando os indivíduos, representando seus desejos, semeando nos seus corações a semente da indignação.

Ainda neste contexto de consciência social, não podemos omitir o poema “A pequena varredora”, no qual o eu lírico se faz vocativo e chama a “menina dos pés graciosos” que tudo varre. Sua vassoura é um instrumento de mudanças, o eu lírico sabe disso, por isso a chama insistentemente para que suas ações se repitam.

José Alcides Pinto seria um poeta panfletário? Que mal há nisso? Sua poesia não se prende a rótulos. Fazer poesia, apossar-se das palavras e subordiná-las às suas vontades é o que realmente lhe interessa.

Nos ensina Cândida Vilares Gancho que “uma das grandes preocupações dos poetas em todos os tempos tem sido a de tentar definir a poesia”. Esta preocupação se intensificou bem mais no modernismo, trazendo consigo a nominação de metalinguagem, propondo explicar a arte e o fazer poético a partir da própria arte. É o que faz José Alcides Pinto em vários dos seus poemas. Para exemplificar o que estamos afirmando, citaremos o poema que se intitula por “Poesia” do livro Águas Premonitórias (1986):

Fazer poesia não é arrumar uma seqüência

de palavras

como quem levanta uma casa – tijolos sobre tijolos.

Uma escada de degraus sucessivos com corrimão.

Não! – não é isso nem aquilo.

É muito mais que construir uma casa com tijolos.

Muito mais que construir uma escada com

degraus e corrimão.

Neste segundo volume de Poemas Escolhidos conclui-se o que se pode considerar o melhor da poética alcidiana. Além da poesia, é por demais significativa a fortuna crítica que se acumula nestes dois livros, especificando o valor e a grandeza da literatura de José Alcides Pinto, que não cessa de ser reiterada pelos leitores e críticos.
/////

domingo, 28 de novembro de 2010

O Manual de Bruxaria de Eduardo Luz (Nilto Maciel)



Sob o título Manual de Bruxaria: Introdução à obra crítica de Machado de Assis (Fortaleza: Imprece, 2008), Eduardo Luz publicou sua dissertação de Mestrado em Letras, defendida em 1993, na Universidade Federal do Ceará. Algumas alterações em relação à monografia apresentada à banca examinadora e que se intitulava Manual de Bruxaria: atualidade da crítica em Machado de Assis. O livro tem apresentação do professor, ensaísta e poeta Linhares Filho, orientador na referida banca: “Um estudo atual da crítica machadiana”. Seguem-se a “Introdução”, os capítulos “Contre (o biografismo de) Sainte-Beuve”, “Machado: Aristotélico?”, “Crítica e civilização: Câmbio de luzes”, “O ‘sentimento íntimo’” e “O interescritor (na criação e na crítica)”, e a “Conclusão”.

Eduardo Luz chama Machado de Assis de “racionalista infatigável”. No capítulo I, – colhido de Contre Sainte-Beuve, de Marcel Proust – refere-se ao conhecimento da obra do crítico francês pelo brasileiro. É de 1879 o ensaio machadiano “A nova geração”, no qual faz referências ao autor de Volupté. Eduardo observa: “Quanto a Machado, ele jamais confundiu o “eu social” e o “eu criador”; sabia que o essencial de uma obra não coincidia com o temperamento de seu autor, tal como ele se manifesta na vida social. Distinguia autor (função social e extralinguística) e narrador (função puramente linguística)”.

Uma das peças críticas mais conhecidas do criador de Capitu talvez seja a análise de O primo Basílio, de Eça de Queiroz. E é a partir dela que Eduardo Luz constrói o capítulo II: “O que importava saber ao crítico Machado de Assis era a ‘qualidade irredutível’ da obra. Jamais recusou contribuições esclarecedoras; interessavam-lhe os laços que uniam o autor a seu tempo, as ligações da obra com a vida política, social, as influências remotas ou próximas...” (...) “Criticar, tendo por meta a perfeição, implicava, porém, olhar essencialmente as obras literárias em função de sua beleza, de sua inteligência”. O professor se refere também ao ensaio do Mestre “O ideal do crítico” e transcreve isto: “Não compreendo o crítico sem consciência. A ciência e a consciência, eis as duas condições principais para exercer a crítica”. E o defende assim: “Machado jamais atacou os autores”.

Eduardo Luz examina cuidadosamente uma a uma as obras críticas do velho romancista. No capítulo III da dissertação se debruça sobre algumas delas e tira conclusões lapidares: “Reprovador de extremismos, Machado de Assis também prevenia os novos poetas de outro grave risco: ‘o de cair na poesia científica’”. Ou esta: “Tendo recusado o biografismo à maneira de Sainte-Beuve, negado com vigor o determinismo crítico de Taine, rejeitado o impressionismo (tal como o concebia Lemaitre), Machado de Assis deve ser visto como um precursor da crítica que pensa a obra como criação de linguagem”.

O capítulo IV faz uma conexão de Machado com o pensamento literário brasileiro do século XX de Afrânio Coutinho, Antonio Candido e Wilson Martins e outros. E mostra como o Bruxo andava muito à frente da maioria: “Em 1858, aos 19 anos, Machado já distinguia perfeitamente autonomia política de autonomia literária”. Em “Instinto de nacionalidade”, de 1873, apontava: “O que se deve exigir do escritor, antes de tudo, é certo sentimento íntimo, que o torne homem do seu tempo e do seu país, ainda quando trate de assuntos remotos no tempo e no espaço”.

Na última parte do volume, Eduardo Luz baralha o criador de romances e contos singulares ao crítico literário plural. E se mostra orgulhoso, como brasileiro, de termos um “escritor de uma literatura supostamente periférica” que se apropriava “de modelos tomados à cultura dominante, transgredindo-os”. E acrescenta ao seu pensamento: “Para o crítico Machado de Assis, o conceito de originalidade era relativizado na medida em que via a literatura como uma atividade tradutora permanente, como operação intertextual generalizada”. Remete-nos a Borges, ao seu genial “Pierre Menard, autor del Quijote”, para mostrar a sapiência do Bruxo: “Estamos, portanto, diante de uma concepção que prega a co-existência de obras, não a sucessão”. E no axioma: “a arte não progride; ela muda, transforma-se”. (Ambas as frases são de Eduardo, que assim encerra o capítulo da interescritura: “Hoje, escrever é cada vez mais reescrever, remastigar. Valéry já pregava que le lion est fait de mouton assimilé. Antes dele, todavia, o nosso antropofágico Machado já decretava em Esaú e Jacó: O leitor atento, verdadeiramente ruminante, tem quatro estômagos no cérebro, e por eles faz passar e repassar os atos e os fatos, até que deduz a verdade, que estava, ou parecia estar escondida”).

Manual de bruxaria: Introdução à obra crítica de Machado de Assis, do carioca-cearense Eduardo Luz, é fundamental para quem lê Machado, para quem lê e estuda literatura ou para o leitor que gosta de bons estudos e linguagem simples (não acadêmica).

Fortaleza, 26 de novembro de 2010.
/////