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segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Bilhete de Chico Lopes*

(Escritor Chico Lopes)



Caro Nilto:


Obrigado por me citar lá entre teus amigos no “Literatura sem Fronteiras”. E também, logo abaixo, tem um quadro meu, o do curiango em fim de tarde mineira, ilustrando um poema do Dubois. Fiquei contente que minhas imagens estejam andando por aí... Quanto à satisfação tua, entendo-a completamente. Mas "realização" é um conceito infeliz, visto que realizado é impossível ser, pois que, como ser humano, estamos sempre incompletos, por fazer, e Nietszche bem dizia que "atingir um ideal é superá-lo". Realização, grosso modo, é Paraíso, e Paraíso não existe e, toda vez que ele existiu, fomos expulsos dele, para não morrermos de tédio e improvisarmos nossa própria versão da humanidade, metade eufórica, metade agônica, sempre, desgraçada e apaixonadamente. Somos os que vão ao Inferno à procura de Luz mesmo, como dizia o sábio Lupiscínio. Agora, você é dos contistas mais saborosos deste país, digo e repito. Mistura dor e humor com muita graça e perícia.

Abraços

Chico Lopes



*Chico Lopes, escritor de Poços de Caldas cuja carreira nacional de contista vem crescendo dia após dia, experimenta agora um novo território – o internacional, saindo em Lisboa numa antologia de contos que reúne contistas brasileiros e portugueses. O livro chama-se SÓ AGORA VEJO CRESCER EM MIM AS MÃOS DO MEU PAI e sairá pela editora Pasárgada. O título traz um trecho de um poema do poeta Iacyr Anderson Freitas, de Juiz de Fora, a partir do qual o editor, Ozias Filho, propôs a escritores brasileiros e portugueses o desafio de escreverem um conto de cerca de cinco páginas. Chico Lopes aceitou com prazer o desafio, visto que uma constante de sua obra da contista e novelista é a relação de um filho pequeno ou adolescente com um pai problemático, ausente espiritual ou fisicamente. Isso já lhe rendeu contos como “A fresta” em “Nó de sombras” e “Belmiro agoniza” em “Dobras da noite“, entre outros.

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Homem realizado ou satisfeito? (Nilto Maciel)

(Nilto – o primeiro, sentado, à esquerda – nos jardins da Reitoria da Universidade Federal do Ceará, ao lado de Jorge Tufic e Soares Feitosa, sentados, e, em pé, Airton Monte – o primeiro, à direita – e outros escritores)



Acordei satisfeitíssimo. E pensei: o que é um homem realizado? Segundo o Dicionário Houaiss, “realizado” é adjetivo da categoria “regionalismo”, no Brasil, e significa “que conseguiu atingir seu(s) objetivo(s), cumprir sua(s) meta(s)”. Portanto, realizado e satisfeito são sinônimos. Não para mim, neste momento. Explico: Todo dia ouço a velha pergunta idiota feita às crianças: o que você quer ser quando crescer? Os meninos respondem logo: jogador de futebol. As meninas não titubeiam: modelo. Meio século atrás, alguns de meus amiguinhos se encabulavam e demoravam a responder. Outros se empertigavam, sorriam e atiravam besteiras: vou ser maquinista de trem; quero ter um caminhão Chevrolet bem bonito; se não for padre, serve o Banco do Brasil; se a Igreja ou a casa do dinheiro não me quiserem, serei general do exército de salvação nacional. Ninguém queria ser Bach ou Alberto Nepomuceno, Cervantes ou Alencar, Van Gogh ou Antônio Bandeira.